Adriana Abreu, esse é realmente o conto "Rei dos lençois" de - TopicsExpress



          

Adriana Abreu, esse é realmente o conto "Rei dos lençois" de Olga? O REI DOS LENÇOIS Olhar, olhava-o há anos. Vê-lo era veludo, que assim o chamavam. Veludo. Veludo Negro – ela repetia, incansável. Diziam-no sem vez na terra. Como, se era o Rei dos Lençóis? Era assim: diz-que, sofisticado, deitava em lençóis negros com mulheres brancas, em brancos com mulheres negras. Desejoso de contrastes aquele altivo talo de palmeira alta, os bagos vermelho-escuros explodindo na boca o vinho dos frutos do açaizeiro, a boca arroxeada, era puramente roxa, quase negra. Negra como a pele macia e negra de Veludo. - Que sucesso o de Veludo com as mulheres! – diziam, com inveja. E olha que nem de raça pura ele é... - Raça pura é para animal. Ser humano é miscigenado – respondia rindo, sábio e zombeteiro, na ironia de sua majestade, todo votado à alegria. Quanto a ela, observava, quieta, sem falar nada. Olhava só – e já era muito. Mirava aquele andar com movimento de água, várzea já desalagada mas ainda toda úmida, promessa de vastas águas represadas sempre a vir, prestes a explodir de novo. A qualquer hora, pretexto ou sortilégio. Desejava o júbilo de Veludo encalhar nela. Porém ele era um barco sempre a seguir, seguindo sempre. Mesmo sem sair do lugar. E onde iria fazer água, era ele que ia escolher. Outras vezes parecia percorrer braviamente campos indomáveis, sem fim, montando em búfalo, cavalo de seu próprio corpo. Os descampados o atraíam, só para ele demonstrar a força libertária, qual Zumbi dos Palmares. Liberdade, teu nome? Veludo. Veludo ao vento, à mercê das chuvas compactas, chuvas amazônicas a mais não poder, vindas das 42 ilhas a rodear a cidade, usinando mais chuvas, coriscos, clarões, raios, trovões, tempestades, ventanias, vendavais. E ele ali firme, estático se movendo, tranqüilo-intranquilo, dono da terra, senhor da água, olhos puxados e carapinha. Andar, andava. Nadar, nadava. Em chão batido de terra e areia de interior, dos cafundós do mato ou chão citadino de pedrinhas portuguesas, de ardósia ou pedra de lioz, íntimo de águas ribeirinhas ou profundas, cristalinas ou barrentas, enovelando-se ou liberto das vegetações desapegadas, soltas das terras caídas das margens e revolvidas lá do fundo. Olhar, olhava-o há anos. Logo ele, que não a vê. Verá, virá? Fica ela à espreita, esperando, lutadora que nem peixe das piracemas, nadando contra a corrente, a favor da vida, barro e peixe ávido, beira e profundezas de rio, igarapé e igapó, vazante e cheia de riacho, enchente, torvelinho, chuva fininha e chuvarada forte de bátegas fartas, chuviscos e chuva torrencial. Logo ela, que nunca levou nada a sério, sempre levando a vida na brincadeira, querendo só brincar de casinha, olhando a vida como mentirinha de teatro, ela – que nada sabe – franqueará o caminho ao senhor da vida, quando ele quiser fazê-la rainha dos lençóis brancos e dos lençóis negros.
Posted on: Sun, 21 Jul 2013 03:51:51 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015