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Alguns (outros pontos) sobre o ato médico: 1) Ao se analisar o ato médico, deve-se tentar evitar qualquer parcialidade natural e imediata que ocorre por se estar em um dos “lados envolvidos”, bem como a emoção que algum desdobramento da discussão provocou. Do contrário, poderemos estar sendo movidos pela emoção e não pelos argumentos. Isso significa (i)maturidade emocional e profissional. “(...) Os profissionais da saúde têm recebido constantemente, de pronto, as informações (fatos) juntamente com as opiniões (interpretações sobre fatos). Quando isso acontece, aumenta-se a probabilidade de reagirmos em função das opiniões, mais do que das informações, às vezes nem sequer se distinguindo uma da outra.” 2) Sempre é bom ouvir o outro lado. Sempre. É a história da tese, antítese e síntese: nenhum dos dois lados é a verdade absoluta. Mas, no confrontar dos argumentos, os dois lados chegam mais próximo da verdade. A síntese é a tese e a antítese confrontadas, misturadas, polidas e evoluídas. 3) Está faltando respeito das duas partes, a parte médica e a parte não médica, para com a parte contrária. 4) O ato médico é um direito pleno de os médicos regularizarem sua profissão, tendo a função, inclusive, de proteção da sociedade. Torna o exercício da Medicina passivo de maior fiscalização, frente à justiça comum, e não somente ao CFM. A existência do ato médico, portanto, não pode ser questionada. O que pode (e deve) ser questionada é como se dará essa regularização. Deve ser um texto claro, que não deixe margens para falsas ou duplas interpretações e que analise todas as funções exercidas por todas as profissões em saúde o mais amplamente possível. 5) O principal motivo de briga, para ambas a partes, é mercadológico. E, a partir disso, pode não existir lado certo e errado na discussão. O ato médico, direta ou indiretamente, acaba sendo a legitimação dos interesses de mercado de uma classe profissional. E existem zonas de intersecção entre as zonas de atuação das diferentes classes. Assim sendo, a conquista de uma classe sobre essas zonas sempre vai ferir os interesses de outra classe profissional. “(...) qualquer profissional, inclusive prostituta e traficante, se incomoda quando tem seu espaço de trabalho invadido. E com os médicos não é diferente.” 6) Por um lado, o médico é o profissional de saúde mais treinado para realizar diagnósticos diferenciais e suspeitar de doenças graves que não apresentam um quadro clínico tão florido. Não é por ter mais capacidade ou “ser mais”, mas pelo escopo profissional da profissão médica ser mais abrangente e generalista no que diz respeito ao diagnóstico, digamos, pato-biológico. Isso significa que o médico talvez seja mais indicado que o psicólogo para suspeitar de hipotireoidismo diante de um quadro sugestivo de depressão e, assim, fazer o diagnóstico diferencial (a depressão poderia ser decorrente do hipotireoidismo); mais indicado que o nutricionista para, diante de uma mulher obesa, suspeitar de síndrome dos ovários policísticos e mais indicado que o enfermeiro para, diante um quadro de dor de garganta, diferenciar em causas bacterianas, virais inocentes ou suspeitar das doenças mono-like (rubéola, toxoplasmose, citomegalovirose, mononucleose infecciosa, sífilis ou infecção aguda pelo HIV). 7) Por outro lado, o atual texto do ato (que foi vetado pela presidentA) ainda oferece interpretações dúbias e causam impacto racionalmente reconhecível sobre as outras profissões em saúde. Aqui, a argumentação é mais extensa. Portanto, sugiro que todos os interessados (principalmente os médicos e os estudantes de Medicina) leiam os textos novo.portalcofen.gov.br/ato-medico-carta-aberta-2_20084.html e ip.usp.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=1920:desatando-o-ato-medico&catid=340&Itemid=91. Garanto que muito da opinião de vocês se transformará depois desses textos. 8) Até esse ponto, estamos analisando todas as circunstâncias no plano do ideal. Se colocarmos o pé no chão e voltarmos à realidade, a análise das possíveis conseqüências do ato fica mais difícil. No “mundo real”, os médicos não fazem anamnese e exame físico, enfermeiros não cuidam, não existe transdisciplinaridade e muito menos diagnóstico e intervenção biopsicosocial da saúde-doença. 9) Acrescentando o ponto anterior, quem vive no dia-a-dia da saúde pública sabe que, em muitos aspectos, essa divisão das funções profissionais não existe de fato. Para tornar operacionalizável o trabalho em PSFs, UTIs, enfermarias... Uma classe profissional assume a função da outra e finda em, quando um estudante de medicina quer aprender algumas coisas relacionadas à sua profissão, acaba por receber “aulas práticas” de enfermeiros, fisioterapeutas e técnicos em Enfermagem... 10) O ato médico contraria a Saúde Coletiva em dois aspectos: a. Quanto aos diagnósticos, é preciso superar a concepção de doenças como diagnósticos médicos para a concepção de doença como uma produção social que remete ao tratamento para além da doença, do doente. É preciso incluir a família, os determinantes sociais da saúde, a coletividade, entre outros, fato que exige muitas leituras de muitos profissionais atuando em conjunto para que os diagnósticos orientem intervenções profissionais interdisciplinares, numa perspectiva mais abrangente, como resultado do raciocínio clínico construído por cada profissional desde o processo de sua formação e qualificado continuamente no exercício profissional e na educação permanente. b. Do ponto de vista do processo de trabalho, luta-se para que sejamos cada vez mais integrados e não cada vez mais segregados. Luta-se para que as diferentes profissões saibam cada vez mais intervir sobre os problemas dos pacientes e sejam mais resolutivas. Uma equipe MULTIprofissional não deveria trabalhar com cada um na sua “caixinha de conhecimento profissional”. Existe o CAMPO (necessidades da população) e existe o NÚCLEO (competências de cada classe profissional). O campo é infinitamente maior do que a soma dos núcleos, exigindo, portanto, conhecimentos e habilidades não ensinadas em nenhum dos cursos superiores em saúde. Nem para tudo existe uma diretriz. Esses nós, entretanto, poderiam ser resolvidos a partir de uma análise situacional, raciocínio, elaborações de propostas e planejamento EM CONJUNTO das diferentes classes profissionais. Seria esse o raciocínio: “A gente não sabe o que fazer nesse caso. Mas vamos analisar, juntos, qual seria o melhor caminho a se seguir. Você sabe coisas que eu não sei e eu sei coisas que você não sabe. Só que, trabalhando juntos, aos poucos eu, médico, passo a saber coisas da Enfermagem, Psicologia, Fisioterapia, Nutrição e vocês passam a saber de coisas da Medicina. E, assim, a gente consegue ser mais resolutivo para os pacientes!”. Assim funciona uma equipe INTERdisciplinar. 11) Considerando esses últimos argumentos da Saúde Coletiva, todos os itens que eu escrevi anteriores a eles se esvaziam de significado. Pensando que toda “doença” é de responsabilidade de todos os profissionais e todos têm que pensar e “dar pitaco” juntos, o ato médico perde em muito a sua função. Deixa de ser problema. 12) Então, talvez o problema não seja o ato médico, e sim a realidade sobre a qual ele causará impacto. 13) Uma reflexão para acabar: a análise do ato médico, por mais que não tentemos, será sempre polarizada, dependendo de qual profissão fizermos parte. E se tentarmos analisar quais seriam os benefícios e malefícios dessa lei para a população? E para saúde pública/rede de atenção?
Posted on: Sun, 14 Jul 2013 06:29:55 +0000

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