Andre Vallejo da Silva há ± 1 hora · A defesa de Nuremberg e a - TopicsExpress



          

Andre Vallejo da Silva há ± 1 hora · A defesa de Nuremberg e a medicina Em 1945, após o fim da 2a guerra mundial, organizou-se na cidade de Nuremberg na Alemanha, um tribunal penal internacional para julgar os criminosos de guerra nazistas. Durante o julgamento, realizado dentro dos cânones do estado de direito, com amplo direito de defesa e contraditório, a principal linha de defesa utilizada pelos advogados dos acusados foi a de que seus clientes haviam apenas “cumprido ordens”. Argumento que, do ponto de vista estritamente técnico, a luz do direito germânico que à época era considerado como muito relevante nos meios judiciários de todo mundo, não era de todo absurdo. Afinal, um detalhe por muitos desconhecido é de que as deportações para campos de concentração, genocídios, e muitos outros crimes cometidos pelos nazistas foram resultado de ordens judiciais assinadas pelos juízes alemães, com base na lei alemã vigente a época. O resultado do julgamento, como sabido, foi o enforcamento de alguns, prisão perpetua e outras penas para outros. A tese jurídica levantada pela defesa, de crimes cometidos no cumprimento do dever ficou conhecida como “Defesa de Nuremberg”, e foi, desde então, banida do ordenamento jurídico internacional como uma tese valida de defesa. E o que isso tem a ver com a medicina? Muito. Da forma como é organizado nosso sistema de saúde, os médicos, em teoria profissionais liberais, na prática trabalham dentro de organizações de saúde, como por exemplo hospitais, nas quais são meros executores das políticas de saúde decidida em gabinetes em geral distantes dos consultórios e centros cirúrgicos. Ocupam esses gabinetes um misto de médicos dedicados a “gestão”, técnicos em administração, e sobretudo políticos das secretarias de saúde, comprometidos com interesses dos mais diversos ( e indecorosos) e em geral completamente ignorantes em relação aos reais problemas do sistema de saúde sobre os quais tem, na prática, domínio absoluto. Nesse universo, quase paralelo a realidade e ao bom senso, àquele a quem cabe realmente tratar dos enfermos, o médico, não resta mais que seguir diretrizes normalmente entregues em memorando, circulares e ordens de serviço emanadas desses gabinetes. Mesmo quando seu preparo profissional, seus conhecimentos e seu senso ético apontam no sentido contrário das ordens recebidas, pouco há a fazer. Afinal, são funcionários públicos, obrigados pelas leis e pelos regimentos a seguir as ordens emanadas por seus superiores... Percebem o paralelo que começa a surgir aqui? Diante do caos na saúde publica em que vivemos, é cada vez mais comum o verdadeiro médico, aquele que se encontra na linha de frente dos atendimentos, ser obrigado a agir contra sua vontade e sua consciência, posto que apesar de teoricamente um profissional liberal, na qualidade de “preposto da política de saúde”, não lhe resta senão executar aquilo que foi por outros decidido. Mas será que no momento em que as coisas não dão certo, e acreditem-me, é situação extremamente frequente, pode o médico executor das ordens, o hoje operário da saúde, eximir-se da culpa sob o argumento de que “apenas cumpria ordens”? E ainda, quando a possível catástrofe resultante dessa política desastrada emanada dos gabinetes, mas executada pelo médico, chegar aos tribunais para avaliação e eventual punição dos culpados, será o médico tratado com balsmos pelos executores da justiça, ou será ele confrontado com seus deveres hipocráticos, seu necessário poder de discernimento, sua obrigação ética de não executar políticas que afrontem sua consciência, seu dever tão decantado pela mídia de cumprir seu juramentos de sacrifícios pela humanidade, e ser ele, aparentemente tão hipossuficiente diante do sistema, aquele finalmente punido pelo judiciário e execrado pela sociedade, normalmente após um período de exposição publica nos meios de comunicação, ao melhor estilo dos antigos circos romanos? Imaginemos um caso concreto. Imaginem por exemplo um hospital responsável por todo atendimento de câncer de uma região de quase 2 milhões de habitantes, que fique sem radioterapia, por algum motivo, como por exemplo, se o contrato de prestação desse serviço que fosse feito por terceirizados, na ausência de serviço próprio do SUS fosse suspenso (na maioria das regiões do Brasil, esse tipo de serviço É terceirizado). Não mais existe, desde então, possibilidade de oferecer radioterapia aos pacientes, tratamento esse, que para aqueles que não são do ramo, é absolutamente indispensável para o tratamento de muitos tipos de tumores malignos. E agora José? A situação se arrastaria por longo tempo, os gestores não apareceriam com a solução, mas a ordem é sempre continuar com o tratamento dos pacientes com câncer no tal hospital, mesmo aqueles que nós, os médicos da linha de frente, sabemos que necessitarão do tratamento que desconhecemos se poderá ser fornecido a tempo e a hora. As catástrofes antes citadas acontecerão. São catástrofes anunciadas. Vidas serão perdidas. Mutilações desnecessárias serão realizadas, na tentativa de tratar por meios cirúrgicos doenças que no século 20 já eram tratadas de forma mais humana. E os operários da saúde encarregados da execução dessas ordens, o que alegarão diante de seus pacientes, da imprensa, dos juízes, da sociedade, e em ultima instância, diante das suas consciências no dia em que forem confrontados com a inevitável questão: “Dr., se o senhor já sabia, porque fez? Porque operou? Porque não encaminhou o paciente a um centro com os recursos necessários? Usaremos nós também a defesa de Nuremberg? O caso concreto imaginado é apenas um entre muitos com os quais convivemos todos os dias. Esse, especificamente, eventualmente seria remediado. Não em definitivo, mas com algum unguento temporário, que aliviaria por algum tempo mais essa ferida do sistema. Que só sera definitivamente cicatrizada quando os gestores forem pessoas de bem, interessadas num sistema de saúde de verdade, e não em medidas eleitoreiras, maquiagens frágeis que saem a cada chuva que cai, destinadas unicamente a proporcionar-lhes mais algum tempo no poder com todos os benefícios que o acompanham. Sera que esse dia chegará? Gostaria de achar que sim. Mas a lógica, o bom senso e as evidências me fazem duvidar que algum dia poderei ser enfim feliz no nosso Brasil da saúde...
Posted on: Mon, 16 Sep 2013 16:31:52 +0000

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