Ao reino dos céus (Luciano Peres) Em uma cidadezinha do interior do interior do Brasil, aconteceu algo que ninguém podia sequer imaginar. Este acontecimento ainda é muito falado, comentado, mesmo depois de muitos anos. Provavelmente jamais será esquecido. Era época de eleições e acontecia um comício de certo político em um palanque montado na praça central, em frente à igreja matriz. O local estava apinhado de gente, parecia que toda a população da cidade estava ali. Não porque todos adorassem ouvir políticos, é que a cidade não tinha outro atrativo. No palanque, poucas pessoas. Além da excelentíssima esposa, estavam o assessor, o presidente do partido e algumas autoridades: o delegado e o vigário. O prefeito não estava presente porque era de partido rival. Todos silenciaram, o comício ia começar, ouviu-se o hino nacional e o mestre de cerimônia anunciou o palestrante. O político iniciou agradecendo a presença de todos, dizendo que amava o povo e que alimentava o sonho de acabar com a fome e de melhorar a vida dos mais necessitados. Disse que iria melhorar a saúde pública para que as pessoas não sofressem mais em filas de espera, disse que iria melhorar a educação e preparar os jovens para o futuro, evitando que fossem parar na criminalidade. Quem assistia ouvia muito bem o que ele dizia, mas reclamavam de um forte holofote (ou deveria ser um holoforte?) que colocaram sobre o palanque, mas virado para a plateia, prejudicando a visão. A cada frase, o político era ovacionado e eram seus companheiros de palanque que puxavam os aplausos, gritos e assovios. As pessoas agitavam bandeirinhas e silenciavam para ouvir. O político retomava, disse que iria governar para os pobres, que iria fortalecer o campo e a indústria e iria gerar emprego e renda. Aplausos e assovios. O homem disse que iria investir na segurança pública, melhorar as estradas, portos e aeroportos. Disse que iria melhorar o saneamento básico, construir casas populares, pavimentar ruas. Mais aplausos, mais bandeirinhas. Mas, com a vista já cansada por causa da forte luz, estava cada vez mais difícil enxergar o político sobre o palanque, parecia se confundir com aquela luz. O comício continuou. O político disse que iria aumentar os salários e diminuir a carga tributária, disse ainda que criaria uma secretaria especial para cuidar do meio ambiente, preservar a natureza e proteger as nascentes. Mesmo sem poder vê-lo, a multidão o ouviu dizer que em seu governo promoveria uma ampla reforma fiscal, tributária, e política. Disse que criaria centros poliesportivos para ocupar crianças e jovens nos períodos em que não estivessem estudando, que daria bolsa de estudos para os mais necessitados e que criaria centros de lazer para os idosos. Nesta altura dos acontecimentos, tinha-se a impressão de que o palanque estava mais alto e que o político era só voz. Enquanto ouviam que ele reajustaria as aposentadorias, reciclaria todo o lixo da cidade, criaria a secretaria especial da pesca e investiria em melhorias para a classe dos pescadores, as pessoas tiveram a certeza de que não era o palanque que estava mais alto, mas o político. “Quando eu for eleito reformarei a biblioteca pública e criarei centros de instrução e inclusão digital” e o povo sentia como um dedo nas costelas, tomado de surpresa, pois perceberam que ele não tocava mais o chão. E enquanto ouviam o político dizendo que iria elevar a autoestima do povo e promover a felicidade de cada um dos cidadãos, arregalaram os olhos para ver bem, pois o político se elevava no ar e por detrás dele surgiam grandes asas. Agora acima da luz que atrapalhava era possível vê-lo, quase transparente, como se fosse de cristal, com suas asas enormes e uma aureola ornando a fronte. As pessoas, humildes e crédulas, ajoelharam-se, baixaram as cabeças, juntaram as mãos postas ao peito, num ato de contrição, de profunda fé e devoção e agradeciam baixinho, sussurrando uma prece, enquanto aquele anjo de cristal, com asas enormes, subia aos céus.
Posted on: Tue, 12 Nov 2013 23:14:40 +0000
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