Bichinhos de estimação Ele não avaliou que a conversa com - TopicsExpress



          

Bichinhos de estimação Ele não avaliou que a conversa com Marielena pudesse ser tão difícil. Mas era necessária, não tinha mais como ser adiada. Estava fugindo do controle e por isso ele estava decidido; a hora era aquela. Marielena se movimentava pela casa, em afazeres de rotina.Ele seguia a mulher, sem ter certeza de que ela estava ouvindo o que dizia: “ – Não pense que é implicância, que só quero te contrariar. Só acho que já é hora de você parar com essas manias estranhas, começando pelos teus bichinhos de estimação.Raciocina, criatura. Esse filhote de camelo que ta lá na varanda vai ficar enorme. Você vai abrigar ele onde, Marielena? Já fomos obrigados a vender nosso apartamento quase no centro e mudar pra essa casa, praticamente na zona rural por causa da Gisele, essa anta medonha que conseguiu sair e nesse momento tá no quintal do vizinho, destruindo o jardim dele. Como é, Marielena? A Gisele é discreta? É uma anta que passa “despercebida”? Olha,não sei o que me impede de te torturar até que acabe com essas maluquices...” Gervásio bebeu água e lavou o rosto antes de continuar: “ – Só sei que você não pode trazer agora uma girafa prá casa. Tá, o Ibama já autorizou, mas você não ta vendo que isso é uma coisa irracional? Você sabe o tamanho só do pescoço de uma girafa, Marielena? Você sabe? Como não tinha nenhum conhecimento sobre tamanho de girafas, Gervásio preferiu pular essa parte do discurso. “ – Admito, Marielena, que você foi genial conseguindo domesticar o Claudinho, esse escorpião folgado que vive enfiado nos meus sapatos. Foi ainda mais brilhante ao ensinar quatro idiomas ao Chicão, esse papagaio chato que vive me esculachando em francês. Lembro o que sofri tentando te convencer que essa ave metida a besta não seria capaz de aprender nem português, quanto mais aramaico e chinês...Olha, pelo amor de Deus,você precisa parar com isso. Os vizinhos aqui no bairro acham que você é doida e ex-vizinhos no prédio onde a gente morava tinham certeza disso. Porque você não tem bicho de estimação comum, cachorro, gato...até um furão podia ser, até mesmo um mini porco. Porque, hem,porque não bicho comum?” Como a mulher não estava dando a menor atenção ao seu discurso, Gervásio resolveu adotar tática diferente. Claudinho, o escorpião, estava sobre uma almofada no tapete da sala. E na cabeça de Gervásio a sala virou campo de futebol, o tapete a grande área, a bola na marca do pênalti, aos 45 do segundo tempo, na final do campeonato, era justamente a almofada. Ele caprichou no chute de esquerda para colocar “no ângulo” da trave, nesse caso a janela. “ – Fora, Dinho...você é um dos causadores disso tudo!” Errou a cobrança. Claudinho pulou da almofada antes da decolagem e o papagaio Chicão vaiou, batendo as asas alegremente: “ – Pe-re-ba, pe-re-ba...” Revistas, livros, chinelos e almofadas agora estavam sendo usadas por Gervásio como armas contra Chicão. A ave poliglota imitou o escorpião, saindo da zona de perigo antes do ataque. E já que ele estava no ombro de Marielena, a mulher virou área de bombardeio. A péssima pontaria de Gervásio ajudou – Marielena foi atingida uma só vez, na orelha, por um chinelo. Atraído pelo barulho Lawrence, o camelinho, entrou na sala e de um canto espiava, quietinho. Marielena nem ligou prá chinelada, preocupada que estava em socorrer Claudinho e Chicão. E Gervásio estava longe de se acalmar; “ – Não sei se é você a doida ou se loucos são os caras do Governo que te autorizam a criar esses bichos, Marielena. Como pode existir uma...” Frase abortada, Gervásio olhou fixamente para o filhote de camelo. Aproximou-se lentamente, observou o animal por cima, por baixo, pela frente e por trás, pelo lado direito e também pelo esquerdo. O silêncio invadiu a casa. Até a panela de pressão parou de chiar. A geladeira entrou naquela pausa automática. Gervásio foi até o armário, apanhou uma lanterna e examinou novamente Lawrence, dessa vez mais iluminado. Gervásio rompeu o silêncio só depois de uns dez minutos em atenta consulta: “ – Marielena, isso aqui não é um camelo. É um DROMEDÁRIO!“ -Trecho extraído do livro Contos Noturnos – ainda inédito
Posted on: Sat, 31 Aug 2013 01:31:48 +0000

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