CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL 51ª Assembleia Geral - TopicsExpress



          

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL 51ª Assembleia Geral da CNBB Aparecida-SP, 10 a 19 de abril de 2013 A Igreja e a questão agrária no século XXI 4ª Parte: E AGORA, VAI! EU TE ENVIO (Êx 3, 10) 221. “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância. Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas” (Jo 10,10-11). Esta é a síntese mais clara e exigente de nossa identidade e missão pastoral. As primeiras memórias do povo de Israel, e as últimas palavras de Jesus se correspondem: Eu vos envio. “Como o Pai me enviou também eu vos envio”. Então, soprou sobre eles e falou: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,21-22). O Espírito Santo é Deus que nos unge com seu poder e que nos envia. “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu, para anunciar a Boa-Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos presos e, aos cegos, a recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano aceito da parte do Senhor” (Lc 4,18-19). Ser testemunhas/mártires de Jesus nos impulsiona a obedecer ao Espírito que recebemos no Batismo e que, com seus dons, nos faz aptos à nossa missão. 222. Nosso compromisso com a Boa-Nova e com os pobres é a mais verdadeira e profunda espiritualidade, entendida como resposta à ação do Espírito Santo na comunidade dos fieis e em cada um de nós. 223. Movidos pela presença vivificante do Espírito Santo em nossas dioceses e comunidades, temos a obrigação pastoral de fazer tudo que estiver ao nosso alcance para libertar os oprimidos e empobrecidos do campo, da floresta e das águas do nosso País. Temos a obrigação de denunciar o acúmulo insustentável da riqueza, a concentração das terras, a devastação ambiental e a violência contra as pessoas, as comunidades e as populações de nossas terras. E, anunciando a Boa-Nova aos pobres, reafirmamos, com Jesus: “Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus! Felizes vós que agora passais fome, porque sereis saciados!” (Lc 6,20-21). Renovamos, também, como em 1980, (07) a advertência evangélica aos que querem “ajuntar casa a casa, campo a campo, até que não haja mais lugar e que sejam únicos proprietários da terra”, como já denunciava o profeta Isaías (Is 5,8): “Ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação. Ai de vós que agora estais fartos, porque passareis fome” (Lc 6,24-25). 224. Este anúncio e esta advertência, porém devem ser vivenciados numa prática coerente e fiel que obriga nossas comunidades eclesiais a uma conversão permanente. “Entendemos que sem ações concretas que já respondam a esses desafios, a Igreja não será sinal do amor de Deus pelos homens” (94). Orientar esta prática é dever ministerial do episcopado. Dizíamos, com efeito, em 1980: “É missão da Igreja convocar todos os homens para que vivam como irmãos superando toda forma de exploração. Devemos não somente ouvir, mas assumir os sofrimentos e angústias, as lutas e esperanças das vítimas da injusta distribuição e posse da terra”(06). É o que pretendemos fazer a seguir. Fidelidade aos compromissos já assumidos 225. Retomamos, neste momento, os compromissos pastorais que assumimos em 1980 e que continuam sendo de uma atualidade profética: • A posse e o uso dos bens da Igreja devem ter uma destinação social e pastoral, evitando a especulação imobiliária e respeitando os direitos dos que trabalham na terra(95). • Destinar as terras que eventualmente as Igrejas possuam, e que não sejam necessárias ao exercício de sua missão, para atender a finalidades sociais, principalmente sua entrega aos sem-terra ou facilitando sua desapropriação para fins de Reforma Agrária . • Denunciar as situações abertamente injustas e as violências que se cometem e combater as causas geradoras de tais violências (96). • Apoiar as justas iniciativas e organizações dos trabalhadores, colocando nossas forças e nossos meios a serviço de sua causa (97). • Cuidar de não substituir as iniciativas do povo, estimulando a participação consciente e crítica em suas organizações, para que sejam livres, autônomas e defendam os interesses dos trabalhadores (98). • Apoiar os esforços do homem do campo por uma autêntica Reforma Agrária, valorizando e defendendo a propriedade familiar, as posses e a propriedade tribal dos povos indígenas (99). • Apoiar a mobilização dos trabalhadores para exigir a aplicação e/ou reformulação das leis existentes, bem como para conquistar uma política agrária, trabalhista e previdenciária que atenda aos anseios da população (99). 226. Aproveitamos a ocasião para pedir perdão se nem sempre nossas dioceses, prelazias e comunidades eclesiais foram fieis a estes compromissos; pedimos perdão, sobretudo, pelas nossas omissões quando deixamos de testemunhar nossa fidelidade aos pobres de Deus e ao Deus dos pobres, buscando sempre, “em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6,33). Como verdadeiros discípulos de Jesus que “se fez pobre, embora fosse rico, para nos enriquecer com sua pobreza” (2Cor 8,9). Ele nos desafia a dar testemunho autêntico de pobreza evangélica em nosso estilo de vida e em nossas estruturas eclesiais, tal qual Ele fez. Esta é a fundamentação que nos compromete numa opção preferencial pelos pobres, firme e irrevogável, mas não exclusiva e nem excludente, tão solenemente afirmada nas Conferências de Medellín e Puebla. Com o “potencial evangelizador dos pobres” (Puebla 1147) a Igreja pobre que impulsiona a evangelização de nossas comunidades (SD 178). 227. Considerando as mudanças que ocorreram nestas três décadas, confrontando-nos com as Sagradas Escrituras, com o magistério eclesial e, de maneira especial, com o clamor que sobe das comunidades dos campos, das florestas e das águas deste nosso País, queremos reafirmar os compromissos pastorais que devem nortear nossa ação e que assumimos publicamente. 228. Não esperem orientações que respondam às situações concretas de cada lugar, pois isso não seria possível e é missão, na verdade, de cada comunidade e Igreja Particular. À CNBB cabe uma palavra que indique a direção em que vai sendo realizado nosso compromisso com os irmãos e irmãs que lutam pela superação dos limites, violências, exclusões e sacrifícios impostos à vida pela atual estrutura da propriedade da terra e pela política agrária e agrícola dominantes em nosso país. Nossos compromissos pastorais Em relação ao latifúndio 229. Não podemos aceitar a escandalosa e devastante concentração de terras no Brasil. Com o Beato João Paulo II, repetimos: não é justo, não é humano, não é cristão continuar com certas situações claramente injustas. Cabe-nos condenar, também, como moralmente inaceitável o uso da terra para a especulação e o domínio exclusivo do mercado capitalista de negócios na comercialização de alimentos. Isso é contrário à doutrina social da Igreja e à ordem jurídica brasileira e não pode ser aceita pela consciência ética da humanidade. Reafirmamos, clara e decididamente, que é nossa obrigação moral fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que o latifúndio tenha limites . 230. Reafirmamos ser um imperativo ético, espiritual, social, econômico e ambiental a luta pela posse da terra e seus bens naturais, como forma de erradicar a pobreza. Fazemo-lo também em memória dos muitos mártires, que tiveram sua vida tolhida, por lutarem contra a concentração e a exploração da terra. 231. Nossa primeira referência está no direito à vida e vida de qualidade, para todas as pessoas do nosso país. Enquanto houver alguém em situação de exclusão, com direito não realizado de um lugar para viver e como oportunidade de trabalho que gere renda, toda a propriedade mantida como fonte de especulação, de exploração e de poder não é legítima. Em relação ao trabalho escravo 232. Apoiamos todas as iniciativas que, buscando acabar, uma vez por todas, com uma prática emblemática dos maus-tratos impostos, até hoje, à mãe terra e aos seus filhos e filhas, procuram arrancar as raízes da escravidão do nosso meio, combatendo a ganância de um modelo predador, a impunidade dos donos do latifúndio e a miséria por eles imposta às maiorias. 233. Não pouparemos forças até erradicar o crime do trabalho escravo, denunciando os modernos feitores e seus cúmplices nas “casas grandes” do poder, acolhendo suas vítimas, apoiando sua busca de vida digna na terra e cobrando do Estado e da comunidade internacional as necessárias providências. Entendemos que este crime reincidente - e que, inclusive, reforça a necessidade de uma profunda reforma agrária, pois tem conexão direta com a propriedade concentrada em poucas mãos - deveria ser julgado em esfera federal, um pouco mais distante das pressões locais e estaduais das pessoas e grupos que o praticam. A dignidade da pessoa humana precisa ser preservada e, por isso, além de leis eficazes, são necessários procedimentos investigativos e judiciais que efetivamente coíbam prática tão degradante. Em relação à defesa da natureza 234. A visão bíblica a respeito da natureza pouco tem em comum com a visão economicista e racionalista ocidental que permeava de igual maneira, tanto o capitalismo, como o socialismo que consideravam a natureza “matéria prima” que só tinha serventia em vista do bem estar do homem e que só adquiria valor quando transformada em riqueza, em mercadoria. Reafirmamos com convicção que a terra é dom de Deus Pai para todos os seus filhos e filhas, sem exclusão. A ela devemos carinho, cuidado e respeito. 235. Em nosso trabalho de evangelização, de catequese e de cuidado com a espiritualidade dos cristãos, assumimos como um dos conteúdos o sentido teológico da relação com a terra como mãe da vida, favorecendo sentimentos que superem a relação de propriedade e de uso agressivo dela, estimulando a vivência de uma relação de uso em que a terra como um todo esteja a serviço da vida. 236. Todas as pessoas tem direito à água potável, ao ar puro, ao solo não contaminado e à segurança alimentar. O uso irracional e devastador da criação, provocando danos graves e, muitas vezes, irreversíveis ao meio ambiente, deve ser condenado com decisão, por atentar contra a força criadora permanente que Deus insuflou em toda a natureza. Reafirmamos a necessidade ética de preservar o meio ambiente nos seus biomas, protegendo e restaurando a diversidade, a integridade e a beleza dos ecossistemas do planeta, vivendo de modo sustentável, promovendo e adotando formas de consumo, produção e reprodução que respeitem e salvaguardem os direitos de todas as pessoas, o bem-estar comunitário e as capacidades regenerativas da terra. Em relação aos cuidados com a água 237. Afirmamos que a água é um bem público, de destinação universal, patrimônio da humanidade e de todos os seres vivos, direito fundamental da pessoa humana. Condenamos todas as formas de privatização, mercantilização e a venda a empresas transnacionais da água, bem indispensável para a vida e que está se tornando sempre mais escasso por causa do seu uso desordenado e pelas mudanças climáticas provocadas, também, pela violência feita ao meio ambiente e aos mais diversos ecossistemas. Reduzir a água a valor mercadológico é um crime tão grande ou maior do que foi e está sendo cometido com a privatização excludente das terras. 238. Assumimos como urgentes e merecedoras de todo nosso empenho, participação e apoio, as iniciativas que visam aprofundar a consciência em relação aos cuidados que devemos tomar para evitar o agravamento da situação da água doce. Apoiamos os que lutam contra a degradação dos mananciais e a poluição da água. Como o Brasil tem uma parte importante da água doce ainda existente no planeta, isso nos dá uma responsabilidade ainda maior. De fato, além da necessária solidariedade com os povos mais carentes desse líquido vital, em nosso país existem extensas regiões já necessitadas de cuidados especiais. É o caso do Semiárido nordestino, do Cerrado, na região central do país, já ameaçados pelo desmatamento irresponsável e pela implantação de pecuária extensiva e monocultivos agrícolas, mantidas através de irrigação e uso de produtos químicos que beiram a irracionalidade. 239. Apoiamos as diferentes formas de preservação dos rios e lagos da Amazônia, desenvolvidas pelos ribeirinhos; as lutas das comunidades praieiras na defesa dos mangues e a iniciativa da criação de territórios pesqueiros. Apoiamos o projeto de construção de uma ou mais cisternas caseiras para e com cada família do semiárido, bem como outras formas de captação e de uso de água da chuva. Trabalharemos para que a captação de água de chuva se torne parte da cultura familiar e condição exigida para a construção de igrejas, prédios, escolas, clubes, hotéis, praças, aprendendo com a sabedoria mais antiga da humanidade e mesmo de projetos atuais inovadores . 240. Muito nos preocupam os inúmeros projetos de construção de barragem em andamento e previstos: estes grandes represamentos de água expulsam populações, comunidades e famílias, sem nunca compensar, de maneira suficiente o prejuízo sofrido. Cobrem vales férteis, florestas e matas ciliares e desequilibram o meio ambiente. Apoiamos, com decisão, os movimentos em defesa dos direitos dos atingidos por estes grandes projetos. Preocupa-nos, também, que grande parte da energia assim produzida é fornecida, de forma subsidiada, às grandes empresas de transformação, enquanto o cidadão está sendo cobrado em percentuais bem maiores, pelo uso familiar da energia. Temos consciência de que precisamos caminhar com urgência e com criatividade na direção do melhor aproveitamento da energia solar e eólica e de outras formas de energia, como o biogás e a biomassa, reduzindo a dependência da energia hidrelétrica. Participaremos de iniciativas que objetivam apoiar pesquisas científicas em nossas universidades, visando descobrir materiais mais baratos, simples e eficazes na produção de energia e na sua conservação para uso posterior. Em defesa da destinação universal dos bens 241. Estimulamos os que promovem a distribuição equitativa dos benefícios do uso dos recursos naturais e de um meio ambiente saudável, adequado para a saúde humana e o bem-estar espiritual, entre as nações, entre ricos e pobres, homens e mulheres e gerações presentes e futuras. Nossa consciência não pode aceitar que haja, no mundo, mais de um bilhão de pessoas passando fome e morrendo precocemente. E não pode aceitar que organismos multilaterais, como a ONU e o Banco Mundial, deem essa informação e continuem promovendo, de fato, políticas que mantém e expandem modelos comprovadamente causadores desse aumento trágico de miséria e morte. 242. A agricultura não deve ser vista, sobretudo, como produção de commodities a serem exportadas, em vista de um superávit na balança comercial. Ela deve ser recolocada, em primeiro lugar, a serviço da vida em nosso país, abrindo-nos à solidariedade internacional a partir daí. Não é possível que um país com a maior extensão de área agricultável do mundo tenha que importar alimentos de primeira necessidade. Ao mesmo tempo em que a produção de alimentos para exportação recebe subsídios e incentivos, promovem-se importações de alimentos básicos para garantir a estabilidade da moeda. Com isso os pequenos produtores ficam inviabilizados, por não poderem concorrer com os produtos internacionais que recebem subsídios de seus governos. Em defesa de uma alternativa ao agronegócio 243. Não podemos aceitar o monocultivo intensivo e extensivo, o uso de agrotóxicos, a produção de produtos transgênicos, sem a garantia de controle sobre seus efeitos nos seres vivos e na natureza, que - muitas vezes mascarados com a desculpa de aumentar a produção para atender às necessidades alimentares da população mundial - só servem para os interesses financeiros de grandes grupos econômicos que controlam a produção de sementes, causando uma dependência produtiva ilegítima, além de interferir, de maneira nefasta, no meio ambiente e na vida das pessoas. De fato, já existem alimentos para saciar a fome e para garantir vida saudável para todos os seres humanos existentes na terra. O que impede o acesso de todas as pessoas a eles é o sistema econômico do mercado capitalista, reproduzido na última década por estratégias de globalização financeira especulativa. Esse sistema - que Paulo VI chamava de “nefasto” (PP, 26) - faz que uma pequena parcela da humanidade controle e consuma a maior parte das riquezas produzidas, em evidente prejuízo de uma imensa maioria de comunidades e populações pobres. 244. Apoiamos, por isso, as ações que facilitam aos pequenos agricultores a volta à prática da diversificação da produção e o acesso à comercialização solidária, garantindo à família os alimentos básicos para sua autossustentação, segurança e soberania alimentar. Apoiamos a disseminação de formas de cultura adequadas às características ecológicas de cada região do país. Apoiamos as comunidades, quando reafirmam a identidade camponesa dos trabalhadores e trabalhadoras e dos valores que negam o consumismo, o individualismo e a competição e promovem alianças entre os pobres do campo que enfrentem a exclusão social. 245. Unimo-nos aos que defendem a soberania alimentar para nosso país. Para alcançar este objetivo, é necessária uma política agrícola pública voltada para os produtores familiares, comunitários. Eles precisam ser apoiados em cada fase da produção, com a garantia de uma assistência técnica adequada e a construção de políticas agrícolas específicas para o camponês e de preços justos e em diálogo com a cultura camponesa. Essa política agrícola alternativa deve ter como base permanente a promoção social da vida no campo, com garantia de educação e espaços de socialização para as comunidades agrícolas. 246. Há necessidade premente de se mudar a matriz tecnológica atual para que se produzam alimentos saudáveis. Por isso apoiamos as iniciativas que promovam a substituição dos insumos químicos pela utilização de insumos provenientes da agroecologia nacional; os investimentos na pesquisa agropecuária e na assistência técnica públicas; as ações públicas e ou da sociedade civil contra o monopólio genético; a valorização e a produção de sementes “crioulas”. A questão agrária é uma questão nacional 247. É preciso que a questão da terra e da agricultura seja encarada e resolvida como uma questão nacional, e não como algo que diz respeito somente aos camponeses. Para que isso aconteça, assumimos o compromisso de apoiar as iniciativas que sensibilizem a população urbanizada, ajudando-a a perceber como é vital para ela a democratização da propriedade da terra. Além das vantagens já descritas, como alimentos de melhor qualidade, é bom lembrar que a questão do emprego e do salário passa, também, pela democratização do acesso à terra e a uma qualidade de vida na terra, pois, assim, poderão ser criadas novas oportunidades de trabalho e de geração de renda, dinamizando a produção resultante dos trabalhos industriais urbanos. 248. Há uma realidade gerada pelo êxodo rural, que merece nossa atenção e deve ser contemplada nos planos de pastoral de nossas igrejas. As pessoas do campo estão hoje na cidade, sobretudo nos grandes centros urbanos, onde vivem em condições subumanas de habitação, emprego ou desemprego e transporte. Se não conseguirmos desenvolver uma pastoral de acolhida para estas pessoas para que seu desenraizamento da terra não lhes seja insuportável, o caminho que muitos poderão trilhar é o da delinquência ou da busca de anestésicos religiosos. Nossa palavra para os camponeses e as camponesas 249. Nossa palavra se dirige, agora, aos camponeses e camponesas, trabalhadores e trabalhadoras rurais e a todos os povos da terra, das águas e das florestas do Brasil, cujo trabalho põe nas mesas dos brasileiros a maior parte dos alimentos. Apreciamos sua sabedoria e sua cultura. Reafirmamos nossa solidariedade às suas causas, lutas e organizações e, por isso, nos comprometemos a apoiar: a. A reafirmação da identidade camponesa dos trabalhadores e trabalhadoras e dos seus valores, oferecendo espaços e programas formativos e apoiando projetos de educação voltados para a realidade local, histórica e cultural, para que camponeses e trabalhadores rurais identifiquem as causas da sua situação e as possibilidades de superá-las. b. As lutas dos pequenos que buscam oportunidades de vida na terra, na floresta e nas águas. Apoiamos os trabalhadores e trabalhadoras que, não vendo soluções concretas para atender às suas reivindicações de um pedaço de chão para viver e trabalhar, utilizam, como forma legítima de pressão, a ocupação de terras . c. As organizações dos camponeses e trabalhadores do campo e suas lutas pela terra e na terra, por políticas públicas que lhes garantam o acesso pleno aos serviços de saúde, educação, transporte e para conseguir a legalização de suas terras e o respeito pelo uso sustentável que delas fazem. d. As experiências agro-ecológicas que estão sendo implementadas em todos os cantos do Brasil e que, além de garantir alimentação abundante e sadia, promovem uma verdadeira revolução nas relações de gênero, de geração, de etnia e são uma alternativa estrutural ao sistema econômico que destrói a vida e exclui as pessoas. e. A resistência contra todas as formas de violência que atingem a vida dos trabalhadores e suas famílias: a grilagem, os despejos ilegítimos, mesmo quando aparentam ser legais, as arbitrariedades dos órgãos de segurança pública, o desvio dos recursos públicos, a corrupção dos políticos, a arrogância, os abusos dos latifundiários e suas milícias privadas, a renovada concentração de terras e renda que devasta o ambiente e violenta o “homem e sua casa, o pobre e sua herança” (Mq 2,1). f. Os esforços no combate a todas as formas de trabalho escravo e degradante e toda superexploração à qual são submetidos milhares de trabalhadores rurais, migrantes e boias frias, forçados a realizar tarefas sobre-humanas e a viver em situações sub-humanas por alguns trocados; g. A mobilização pelo direito à educação no campo e do campo, pois o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive e a uma educação pensada a partir de seu lugar e com sua participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais. 251. Junto com vocês seremos vigilantes para não cair nas ciladas do progresso a qualquer custo e do desenvolvimento predador e nas armadilhas dos salvadores da pátria; para evitar que o veneno da ganância, a sede do poder e a praga da corrupção cresçam dentro das organizações; e para combater todas as formas de cooptação, de favorecimento, de privilégios, de nepotismo, que tentam submeter seus movimentos e organizações aos interesses de grupos econômicos e políticos. Nossa palavra aos administradores da coisa pública Aos detentores do poder executivo 252. Não se pode protelar mais o cumprimento do disposto no artigo 67 das ADCT, da Constituição Federal em relação às terras indígenas. Diante do sofrimento inenarrável de muitos povos indígenas, sobretudo dos guarani kaiowá, no Mato Grosso do Sul, a protelação do cumprimento deste dispositivo torna-se claramente um crime de lesa-humanidade. 253. Da mesma forma, é mais que urgente, o reconhecimento dos territórios ocupados pelas comunidades quilombolas, como determina o artigo 68 das mesmas ADCT, como forma de resgate de direitos historicamente negados e claramente espezinhados. 254. A Reforma Agrária continua sendo urgente, necessária e inadiável. Ao mesmo tempo em que democratiza o acesso à terra, ela deve garantir o uso do território no respeito das diferentes culturas camponesas e redesenhar a distribuição das terras, acabando com os latifúndios e redimensionando os minifúndios. É indispensável estabelecer um limite para a propriedade da terra propondo emenda constitucional. A inserção de mais esse item no artigo 186, da Constituição, explicitará com clareza a exigência de estabelecer um limite para o tamanho da propriedade em vista ao cumprimento da sua função social. 255. Os governos devem cumprir seu dever legal de combater a grilagem, arrecadando as terras ainda devolutas e destinando para a Reforma Agrária as terras públicas. Devem impedir também que empreendimentos instalados em terras ocupadas, ilegal ou irregularmente, sejam financiados com recursos públicos. Além disso, a Receita Federal e outros órgãos arrecadadores de impostos devem se certificar do caráter legal e legítimo da posse dos imóveis que tributam. 256. Insistimos para que o poder público garanta incentivos econômicos aos que preservam a natureza, de modo especial, a floresta amazônica e o cerrado. Longe de ser um peso para o pequeno agricultor, a preservação do meio ambiente deve ser reconhecida e recompensada por ser serviço feito em favor de toda a humanidade. 257. Mesmo depois de aprovada a lei da biossegurança, continuamos contrários ao plantio e à comercialização de sementes transgênicas. Além de não haver estudos conclusivos sobre os riscos para a saúde humana e de reduzir a biodiversidade, elas podem contaminar outras espécies. O mais grave, porém, é que favorecem, de maneira escancarada, as grandes empresas controladoras dos grãos, cujo único objetivo é o lucro e, por isto, buscam ter o controle de toda a cadeia alimentar. Com isso ficam ameaçadas a soberania e a segurança alimentares do povo e aumenta a dependência dos produtores, excluindo, aos poucos, os mais pobres. A clandestinidade com que este processo cresce no País, as dificuldades de fiscalização e os progressivos adiamentos para que sejam efetivadas as normas legais nos confirmam ainda mais, em nossa posição. 258. Discordamos da atitude do governo brasileiro que se recusa em admitir a água como um direito fundamental da pessoa humana. Os direitos humanos - no caso o direito à água - não podem estar sujeitos às injunções da política e às pressões de empresas interessadas em transformar a água em negócio. 259. Mais do que em grandes obras hídricas, que agridam nossos rios e inundem as terras dos pequenos agricultores, acreditamos, com muitos estudiosos e ambientalistas e de acordo com o bom senso das comunidades envolvidas, que o objetivo de vencer os efeitos negativos da seca pode ser alcançado com projetos alternativos, mais baratos e de maior alcance, como as iniciativas da revitalização do rio São Francisco, com participação das comunidades ribeirinhas, uma política orgânica e difusa de captação das águas de chuva, a socialização de açudes e poços, feitos com recursos públicos e que se encontram sem utilização ou nas mãos de particulares. 260. Questionamos a lei de concessão de uso das florestas públicas na Amazônia. A Floresta Amazônica pode oferecer resultados economicamente viáveis, sem precisar derrubar as árvores. Os produtos florestais não madeireiros são variados e interessantes econômica e socialmente. A criação de reservas extrativistas, a demarcação das áreas indígenas, o combate firme ao uso das florestas para a produção de carvão vegetal, o incentivo aos planos de manejo florestal nas áreas de reserva legal das pequenas propriedades, são instrumentos eficazes de geração de emprego e renda para as populações da Amazônia. É nosso dever advertir que são necessárias medidas rigorosas que visem o investimento em pesquisa de manejo florestal para toda a Amazônia; coíbam a biopirataria, a pesca predatória e o garimpo em áreas indígenas, promovam o zoneamento agro-ecológico da região e fortaleçam a capacidade de fiscalização do poder público sobre as madeireiras. Medidas que reduzam os prazos de concessão das áreas; garantam a transparência nas licitações e a participação com poder de decisão das comunidades envolvidas em todo o processo, são necessárias para que a iniciativa não redunde em novo e colossal fracasso, com grande prejuízo para as comunidades locais, a soberania e o interesse nacionais. 261. É necessário e urgente publicar uma instrução ministerial que atualize os índices de produtividade exigidos para o cumprimento da função social da propriedade da terra. 262. Continuar a levar a efeito a recomendação da 2ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar a respeito da aquisição, pela CONAB, da produção de alimentos dos assentamentos e dos pequenos agricultores para recompor os estoques do governo. 263. Regularizar a posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos pequenos posseiros e ribeirinhos e criar os territórios pesqueiros para garantir a sobrevivência dos pescadores familiares. 264. Criar instrumentos de participação deliberativa da sociedade em todas as autarquias federais, como INCRA, IBAMA, ICMBIO, INSS e no processo de tomada de decisões governamentais. 265. Destinar recursos orçamentários para promover formas alternativas de educação do campo, no campo e para o campo, tais como Escolas Família Agrícola e Casa Familiar Rural. Aos detentores do poder legislativo 266. Cobramos dos representantes do povo que exercem o poder legislativo, que as questões da terra não sejam reduzidas a um estéril debate entre os interesses de grupos, mas sejam analisadas a partir do que é melhor para a população do campo, a sociedade e a preservação da natureza. As várias CPIs da terra, mesmo depois de terem comprovado a grilagem de milhões de hectares do patrimônio fundiário brasileiro, acabaram ficando letra morta e só serviram como palanque para a defesa dos interesses e das ideologias dos diversos grupos sociais e políticos. Vergonhosa, por exemplo, foi a conclusão da CPMI das Terras que, encobrindo todos os crimes do latifúndio e da grilagem, quis transformar em crime hediondo a luta social pela Reforma Agrária. 267. Do congresso brasileiro esperamos: a. A revisão da legislação penal e sua aplicação, de maneira a não deixar impunes os grileiros de terras públicas. b. Mudanças no Código de Processo Civil, para que os conflitos possessórios, por causa de imóveis rurais não sejam mais resolvidos através de sentenças liminares, sem ouvir todas as partes envolvidas e sem que seja verificada em loco a função social da terra. c. A aprovação definitiva da Proposta de Emenda Constitucional, PEC 438/01, que expropria as terras onde se der exploração de trabalhadores submetidos à condição análoga à de escravo. d. A realização de uma auditoria, que permita à nação brasileira identificar e retomar os maiores latifúndios grilados e, de maneira especial, as terras ocupadas por pessoas físicas e/ou jurídicas estrangeiras. e. A instalação, em regime de urgência, da comissão mista que deve fazer a revisão de todas as terras públicas doadas, vendidas ou concedidas entre 1º de janeiro de 1962 e 31 de dezembro de 1987, com superfície superior a 3.000 hectares, como manda o artigo 51 das Disposições Transitórias da Constituição Federal. f. A revisão da legislação hídrica brasileira, conforme pediu o abaixo-assinado da Campanha da Fraternidade de 2004, reconhecendo a água como direito fundamental da pessoa humana. g. A aprovação do projeto de lei, em tramitação na Câmara dos Deputados, que determina a imissão imediata do INCRA na posse dos imóveis desapropriados para fins de Reforma Agrária, uma vez comprovado o cumprimento dos requisitos legais para expedição do mandado, resolvendo-se em ações separadas, as impugnações relativas à improdutividade da terra e ao valor do imóvel. h. Aprovar projeto de lei que inclua o tamanho do imóvel entre as causas justificativas de desapropriação. Aos detentores do poder judiciário 268. O Conselho Nacional de Justiça deve investigar a impunidade que acompanha, de maneira vergonhosa, os crimes cometidos pelo latifúndio. Inúmeros assassinatos, violências, humilhações, expulsões sumárias de famílias, casas e roças destruídas, quase nunca recebem a necessária punição. Por causa disso defendemos que os crimes de assassinato no conflito com o latifúndio e os crimes de trabalho escravo sejam julgados em esfera federal, distante das pressões locais e estaduais das pessoas e grupos que os praticam. 269. Pedimos que sejam elaborados instrumentos legais que estabeleçam novos procedimentos para o julgamento das ações discriminatórias, a fim de acelerar a recuperação das terras devolutas da União, dos Estados e dos Municípios e sua destinação à Reforma Agrária. 270. Cobramos a criação e o funcionamento efetivo, em todos os tribunais, dos comitês de acompanhamento e resolução dos conflitos fundiários rurais e urbanos, com a participação da sociedade organizada, conforme orientação do CNJ. 271. É importante que as escolas da magistratura ministrem aos operadores da justiça, cursos sobre a legislação agrária relativa às terras públicas e devolutas, à legislação ambiental e à legislação mineraria. 272. Que os juízes sejam instados a não emitir sentenças liminares nos conflitos possessórios, sem que sejam ouvidas todas as parte, seja verificada a função social da propriedade e sejam analisadas com atenção a consistência das matrículas e dos registros cartoriais dos imóveis em disputa. 273. É com alegria que vemos muitos membros do Ministério Público estadual e federal, promotores de Justiça e procuradores, bem como alguns juízes, assumirem, de acordo com a Constituição Brasileira, a função social como elemento essencial e definidor da propriedade, cumprindo, na prática, seu papel de defensores dos direitos humanos, sociais e ambientais. Mas é com muito pesar que continuamos a ver muitos juízes que se aliam ao latifúndio - várias vezes, latifundiários eles mesmo - atrelados à equivocada visão da propriedade da terra como direito absoluto, acima de todos os direitos. CONCLUSÕES 274. Continuaremos fieis à nossa missão de denunciar o pecado da idolatria da propriedade, da riqueza e do poder, que é a causa da violência que acompanha a luta pela terra, chegando, muitas vezes, ao assassinato premeditado. São “criminosos – pecadores, todos os que querem sacralizar a propriedade da terra neste País de extensão continental! Sacramentar a usurpação, dignificar a grilagem é crime, é pecado.” Reafirmamos que a terra deve, em primeiro lugar ser considerada dom e dádiva para a humanidade inteira e, por isso, deve sempre ser “terra de trabalho”, lugar de viver, e não deve se tornar mercadoria morta, “terra de negócio” . Comprometemo-nos a denunciar toda violência, a dar apoio às famílias atingidas pela violência e a lutar pelo fim da impunidade. 275. Conscientes de nossa fragilidade, apesar da firmeza de nossas decisões, convocamos todos os seguidores e seguidoras de Jesus e, todas as pessoas com sentimento de humanidade, para que nos fortaleçamos uns aos outros, unindo-nos numa grande corrente que nos ajude a ser fieis a novas relações com a terra e toda a natureza e a descobrir os cuidados que podemos e devemos ter para com ela, pois tudo que constitui e garante a geração e reprodução da vida na terra é bem público e deve ser cuidado por toda a sociedade. 276. Desse modo, o Estado, como instrumento do cuidado com o que é bem público da cidadania, não poderá agir como se fosse um vulgar comerciante de qualquer tipo de especiarias, submetendo o país a relações de tipo colonial; cabe-lhe servir à vida de todas as pessoas, zelando pelo meio ambiente. Apostamos no crescimento da cidadania, no seu sentido político, cultural e espiritual pleno, para que seja fonte de cuidados carinhosos da vida em nossa terra. 277. Continuam sendo atuais as antigas palavras do livro do Eclesiástico que converteram Frei Bartolomeu De Las Casas, um dos maiores profetas de nossa América Latina: como o que imola o filho na presença do seu Pai, assim é aquele que oferece um sacrifício com os bens dos pobres (Eclo 34,20). Com estas palavras nos comprometemos a denunciar toda violência que nega aos pobres o direito e o acesso aos bens necessários para uma vida digna ou ameaça e tenta roubá-los e a dar apoio às famílias e às comunidades atingidas. Queremos trabalhar para que desapareça essa violência, por meio da efetivação dos direitos garantidos e da realização efetiva da reforma agrária, que transforme a vida no campo e em toda a sociedade brasileira. A impunidade é que alimenta a violência no campo. Por isso deve ser combatida e devem ser usadas todas as formas de pressão para eliminá-la. Não esqueçamos que, segundo o secular ensinamento ético da Igreja, a opressão dos pobres é pecado que brada ao céu: “clamarão a mim e eu ouvirei seu clamor” (Êx 22,23.27). Ouvir e atender a este clamor é imperativo ético para todas e todos os fieis. 278. De maneira especial pedimos às comunidades da terra, das águas e das florestas, aos indígenas e quilombolas, sem-terra e agricultores assalariados, assentados e ribeirinhos, pescadores e pequenos produtores familiares, assim como a todos as comunidades eclesiais e a todas as pessoas de boa vontade que nos ajudem a ser fieis aos nossos compromissos, para que os mais pobres, sobretudo, os pobres da terra, das águas e da floresta possam ter vida e vida em abundância, até o dia em que, pela força do Espírito da Vida, a quem oferecemos o humilde instrumento da ação de nossas mãos, haja novos céus e nova terra, uma “terra sem males” na qual nunca mais haverá dor e lágrimas
Posted on: Mon, 04 Nov 2013 22:19:54 +0000

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