Cousas antigas Eu amo immensamente essas cousas antigas que tem - TopicsExpress



          

Cousas antigas Eu amo immensamente essas cousas antigas que tem o ar grave e bom das pessoas amigas. E ellas me amam também... Sentindo-as ao meu lado, vejo nellas viver e fallar-me o passado. Relíquias em que dorme a lembrança saudosa de um querido ancestral, de alguma avó bondosa, essas cousas, por certo, hão de saber, inteiras, as nossas tradicções.... Ouviram, nas lareiras os antigos contar aos mais novos a historia de que guardam, talvez, bem nítida memória. Dorme nellas assim todo um longo passado! Quantas scenas de amor tem ellas presenciado! Quantas magoas também! Terras distantes viram. Que de vezes sem fim ellas não pressentiram um sorriso feliz num lábio cor de rosa ou lagrimas rolando em face silenciosa! Têm, como o céu e o mar, um segredo que occultam. E ao vel-as na minha alma as saudades avultam.... Cousas antigas! O que nellas leio e vejo! E o que me evocam á Saudade e ao Desejo! Si esta velha moldura, este livro, este pente fallassem como nós, os homens, certamente doce ouvir-lhes seria as fallas mysteriosas. O pente: Tranças de ouro, esplendias, formosas, onde agora occultaes a vossa refulgência? O livro. Ai! nunca mais, em horas de indolência, senti folhearem-me essas mãos acariciantes! A moldura: Onde estaes lampejos irisantes de crystaes, flores, riso, esplendores de gala, vozes que, outrora, á noite, enchiam a ampla sala? Si soubessem fallar! Mas ellas fallam....Quantas recordações gentis, reminiscências tantas lhes tenho ouvido, a sós, no intimo de minha alma! É por isso que eu amo, em meio á noite calma, com ellas conversar, como num sonho absorto, revivendo a illusão desse passado, morto.... Para quem as comprehende é uma felicidade, fazer ressuscitar, numa suave saudade, tudo o que o tempo encobre em sua cinza fria e que revive á nossa ardente fantasia! Um velho móvel tem muito mais eloqüência que os compêndios da fria e árida sciencia; um antigo papel guarda em sua leitura toda a recordação de uma vida obscura.... E nesse ar de tristeza e magoa que lhes vemos, nós — homens fúteis e vazios — aprendermos esta grande licção de alcance alto e profundo de que tudo é illusão e vaidade no mundo. Por isso é que eu adoro essas causas antigas que têm o ar grave e bom das pessoas amigas. - José de Mesquita, Lavôres, Da Arte - em "Poesias". Cuiabá, 1919. (grafia original).
Posted on: Sun, 08 Sep 2013 22:17:11 +0000

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