DOUGLAS E O DIREITO À REVOLTA Posted on 29/10/2013 by Paulo - TopicsExpress



          

DOUGLAS E O DIREITO À REVOLTA Posted on 29/10/2013 by Paulo Ghiraldelli Mel Gibson olha bem por entre as árvores, mira as cabeças de dois soldados ingleses. Zupt! Zapt! Cloc, cloc! Uma machadinha índia em cada testa, e ambos caem durinhos. Do meio da floresta para a cidade corre a lenda do colono fantasma – e terrorista. Cena de O Patriota. O que faz esse homem, o personagem de Gibson, viúvo e com tantos filhos, cair na ilegalidade e lutar contra o governo? Não qualquer governo! O governo mais forte do mundo, o do Império Britânico! Mel Gibson faz o personagem do colono americano que adere à revolução americana. Adere e apela para algo muito mais violento do que o simples “teatro da violência” dos black blocs atuais. Ele age assim por uma razão simples: não está inspirado em pensadores mornos, como Marx, Bakunin ou Lênin. Esses pensadores, que assustam meu amigo Pondé, que os amaldiçoa por eles terem lido Rousseau, nunca foram violentos, pois de certo modo estavam envolvidos, ainda que de forma precária, com a política. Mas o padrinho teórico do colono americano matador, este sim, autorizava a violência. O colono americano estava imbuído do ideário liberal de John Locke, justamente um britânico. Foi Locke quem fez os americanos aderirem à violência. Ele escreveu que um governo se torna despótico quando infringe o direito de propriedade, e se assim faz, pode ser derrubado – é legítimo lutar contra ele. A propriedade para Locke não era só a propriedade material. Antes disso, tratava-se da propriedade da vida, do pensamento, de liberdade de expressão. Locke via de modo amplo a propriedade, e se isso fosse roubado do cidadão, então ele poderia legitimamente romper o contrato pelo qual havia deixado o “estado de natureza” e entrado para a “sociedade civil” (ou estado). Quando o personagem de Gibson se viu pressionado por leis injustas e pela opressão do governo, ele não deu uns tapas em um coronel abusado, como um black bloc qualquer. Ele não fundou um partido político de vanguarda, como um Lênin. Nem mesmo pensou na “ação direta” de Bakunin (a sabotagem e o teatro da violência). O colono americano pensou exatamente nas palavras sugeridas pela leitura de Locke: insurreição. Um governo pode parecer não despótico para uns e, no entanto, ser despótico para muitos. Sou branco, tenho olhos verdes, ando bem vestido, tenho identidade e cartão de crédito, curso superior, profissão de professor universitário, paulistano e tenho muitos dentes na boca. Alguns dizem que sou são paulino. Caso eu seja assaltado, posso gritar “polícia! Polícia!”. Há chances de ser salvo pela polícia. Todavia, se alguns desses itens aí forem trocados, minha chance de ao gritar “polícia!” eu ser o alvejado, aumenta bem. Por exemplo, basta trocar a cor da pele. Pele negra. Pronto, se eu gritar “polícia, polícia”, pode ser eu o alvejado, não os assaltantes. Caso eles sejam mais negros e estiverem mal vestidos, talvez eu tome só um tiro e o resto das balas vá para eles. Ao final, sou salvo! Ou quase. Não tenho razão para achar que a democracia em que vivo é despótica, ainda que aqui e ali existam leis que ainda são do regime militar e que proíbem que eu tenha plena liberdade de manifestação (sim, existem!). Posso achar que a democracia em que vivo concentra renda, é injusta, possui mecanismos que facilitam a corrupção, tem uma legislação partidária meio que anacrônica etc. etc. Mas não acho que, lendo Locke, eu tenha inspiração para uma revolta com algum grau de violência contra o estado. Todavia, basta trocar um item de minhas características, e talvez Locke faça efeito sobre mim do modo que fez efeito sobre o personagem de Mel Gibson. É isso que muitos de nós, os que têm o direito de serem pacíficos, não percebemos. Não queremos perceber. Mesmo nós, os altamente escolarizados, continuamos com uma mentalidade tacanha em relação às relações entre estado e sociedade. Continuamos aquém do liberalismo de Locke, o liberalismo clássico. Não conseguimos ver que há alguma legitimidade na reação dos que, diante da morte do jovem Douglas, fizeram protestos na cidade de São Paulo. Douglas tinha feito dezoito anos. Era moreno. Não tinha antecedentes criminais. Um policial atirou nele. Baleado, ele disse: “Por que o senhor atirou em mim?” Foram as últimas palavras de Douglas. Que se note na frase a palavra “senhor”. Morrendo, Douglas não desacatou o policial. Vieram os protestos. Boa parte da imprensa e do Estado reagiu atacando verbalmente os black blocs e prendendo noventa pessoas. Dizem até que houve mais um morto! Decididamente, nós estamos sem ler Locke, que garantiu a todos os noventa presos o direito à insurreição. Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ BLOG ghiraldelli.pro.br
Posted on: Tue, 29 Oct 2013 17:30:44 +0000

Trending Topics



sttext" style="margin-left:0px; min-height:30px;"> SINGLE PASS HONING TOOLS FOR FUEL INJECTION COMPONENTS Dia
cialis interactions with coumadin

© 2015