De como morreu o coração de Silvestre da Silva Meter-se na - TopicsExpress



          

De como morreu o coração de Silvestre da Silva Meter-se na política XIV (continuação) Muitas palavras seria necessário usar para elucidar, hoje, o modo como Camilo Castelo Branco, chegado ao Porto, em Novembro de 1848, se meteu na política, e por causa dela foi jantar à Ponte da Pedra, comeu lampreia e foi agredido. E nenhuma imagem de época existe que eu aqui possa usar em substituição das longas explicações que os protagonistas fizeram chegar aos jornais. Para que os meus fiéis seguidores possam formar as suas próprias opiniões aqui deixo alguns extractos das crónicas que Camilo Castelo Branco publicou no anticabralista O Eco, usando o pseudónimo de Saragoçano. 1849.01.20 – O Eco Popular – “Crónica” – “Os que viram ontem o Hernani saíram para fora com um pesadelo terrível! Verdi! Verdi! Porque não abrirás um processo contra estes ímpios!(...) Depois da referência à pateada surge o elogio à actuação de Clara Belloni: “uma trovoada de bem merecidos aplausos”; (...) “é a tábua de salvação a que se agarra a empresa”. 1849.01.23 – O Eco Popular – “Crónica”. (...) Hernâni de novo; nova e estrepitosa pateada, quando um imundo barbeiro defensor da carta, entre na plateia insulta os pateantes, invoca os caceteiros, espanca um indivíduo e anima os punhais: Bárbaros que nos dominais! Chefes de caceteiros! Defensores da carta e da rainha, a crónica de quinta feira, será vossa. Há um génio negro a pairar sobre vós, infames! Este génio é o Saragoçano” 1849.01.25 – O Eco Popular – “Crónica.Teatro”. (...) Moura Teles levanta o grito de morram os burros – morram os patuleias – pergunta-se-á – a questão era teatral ou política? (…)”. Pergunta retórica bem se vê. Era política antes de ser teatral, como política seria a crónica seguinte, que começaria por um ataque feroz a Saldanha, à data chefe de governo, prosseguiria enchendo de ridículo os seus ministros, para terminar com a antevisão das próximas cenas teatrais. 1849.02.01 – O Eco Popular – “Folhetim do Eco, Fevereiro 1. Crónica”. “Antes quero um ladrão ao pé de mim, do que um hipócrita. Saldanha é tão charlatão como feroz, tão feroz como hipócrita. Quer ser mártir por qualquer dogma de religião, desde que foi beber nas fontes do grego e hebraico. Leu Voltaire, Rousseau, Diderot, D’Alembert, Dupui e Volney; esqueceu-lhe dizer que lêra a Teresa Filósofa, e as Memórias de Saturnino. (…) O Franzini foi surpreendido com a pasta no fundo do seu gabinete, no acto em que somava a estatística dos ratos que morreram em Lisboa no ano de 47 a 48 – Lopes Branco parece que aceitou a pasta como quem aceita um bilhete de teatro a benefício da Caridade. O homem compreendeu perfeitamente a importância relativa do seu crâneo financeiro com as necessidades do país. (…) Abre-se hoje o teatro lírico. Passou o interregno do cacete; se a fatal hora não tiver soado ainda, contaremos a festa, mas se lá morrermos com a mesma sensaboria com que morre um drama, pios leitores e leitoras, rezem por alma do Saragoçano”. Assim escrevia Camilo a inícios de Fevereiro de 1849, em O Eco Popular. Seguir-se-iam ainda outras crónicas, entre as quais a de 15 de Fevereiro, na qual descreve o baile onde veria, pela primeira vez, “as três pérolas de criação”, as “três lindas virgens”, Ana Plácido e as duas irmãs que a acompanhavam, Maria Amália e Emíla. “Entre todas, entre tantas, tão despóticas do coração do homem, (...) não vos nomearei três pérolas de criação, três astros cintilantes de amor celeste que vós, homens de ocidente, nem sequer sabemos ver em sonhos” (Teles 2008:26 e seg.s). E mesmo face a tanta beleza o jovem Camilo não esquece a ironia política: “Aqui é que se não dispensa um bocado de estilo bíblico! Perdoe-me o beato Saldanha, mas lá vai. E eu vi os segredos ocultos do Criador a revelarem-se nas faces daquelas mulheres”. (...) Hoje, passados 150 anos, sabemos que, naquele baile, Camilo conheceu a que veio a ser a mulher da sua vida. O que naturalmente complica a narrativa em que me meti para explicar como morreu, em 1852, o coração de Silvestre da Silva, o alter ego de Camilo. Por isso, tenham os meus fiéis seguidores paciência: deixemos os amores de Camilo, as preferências musicais e mesmo as preferências políticas e sigamos em frente. Dito isto, direi que a última crónica escrita por Camilo em O Eco Popular seria a do dia 17 de Fevereiro. Continuaria, depois desta data, a escrever em O Nacional e iniciaria a colaboração em O Jornal do Povo, uma folha declaradamente cartista, na qual adoptaria o pseudónimo de Anastácio das Lombrigas para polemizar com os seus antigos colegas de O Eco. (Teles 2008:52). Estas brevíssimas notas terão de ser suficientes para chamar a atenção para a complexidade das relações políticas e não só que, penso, se escondem por trás da cena de pancadaria que se desenrola no célebre banquete de homenagem a Adélia Dabedeille, promovido pelos seus admiradores na estalagem da Ponte da Pedra, no dia 6 de Março seguinte. Desse jantar e do que lá se comeu e bebeu tratarei em próximo capítulo. Até lá, e porque não ficaram registos do canto de Clara Belloni ou de Adélia Dabedeille, deixo Maria Callas, a cantar Verdi, Hernâni, Surta è la notte... Ernani,Ernani involami. LINDO. BB e links: TELES, Manuel Tavares - Camilo e Ana Plácido: Episódios ignorados da célebre paixão romântica. Porto, edições Caixotim, 2008. Para saber mais sobre as razões aduzidas por Camilo Castelo Branco, escrevendo em O Eco Popular sob o pseudónimo Saragoçano, para justificar a preferência por Clara Belloni consultar: RIGAUD, João-António - Vivência Musical no Porto da Segunda Metade de Oitocentos. Artigos Meloteca, 2011. Texto completo aqui: meloteca/pdfartigos/joao-heitor-rigaud_vivencia-musical-no-porto-da-segunda-metade-de-oitocentos.pdf Para saber mais sobre a polémica em Camilo Castelo Branco: RODRIGUES, Sónia Valente – “A escrita fragmentária da «Revista dos Dois Mundos», de Camilo Castelo Branco: da crónica à polémica”. In Revista da Faculdade de Letras «LÍNGUAS E LITERATURAS». Porto, II série, XXII, 2005, pp. 527-547. Texto completo aqui web.letras.up.pt/srodrigues/pdfs/ad_hfif.pdf Ouvir Maria Callas aqui: youtube/watch?v=TayTWqTqj2o&feature=share
Posted on: Sun, 01 Sep 2013 11:02:32 +0000

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