EUA, França e Inglaterra regulam a mídia igual à - TopicsExpress



          

EUA, França e Inglaterra regulam a mídia igual à Argentina Eduardo Guimarães: Antes de adentrar o assunto do post, vale explicar que ele é longo, bem longo. Mas se você quer tirar de verdade qualquer dúvida sobre a regulação da comunicação que agora vige na Argentina – à exemplo do que ocorre em países desenvolvidos –, e se anseia que vigore também no Brasil, não pode deixar de ler. Se o fizer, suas dúvidas serão dissipadas. Nos últimos dias, mais uma vez se confirmou a decrepitude da legislação brasileira sobre a comunicação social, sobretudo em relação a mídias eletrônicas, com destaque para a televisão, ainda o meio de comunicação mais influente do país, à diferença do que ocorre nos países desenvolvidos, onde a internet, há muito, já se tornou o principal meio de comunicação. A evidência do atraso brasileiro na legislação sobre mídias se deu na forma distorcida e, inclusive, mentirosa com que a dita “grande mídia” reportou a decisão da Corte Suprema de Justiça da Argentina no sentido de considerar “constitucional” a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, dita “Ley de Medios” – ou, em bom português, “Lei da Mídia”. A grande mídia brasileira é composta por cadeias de televisões e rádios, jornais e revistas impressos, grandes portais de internet e redes de tevê a cabo pertencentes a um reduzido grupo de magnatas do setor. Ela tratou de apresentar o novo marco regulatório argentino como produto de “Guerra entre o governo da presidente Cristina Kirchner e o grupo Clarín”. Mais do que isso, tenta vender a ideia de que na lei argentina recém-aprovada haveria alguma coisa diferente do que há nas legislações de países desenvolvidos, sobretudo dos Estados Unidos e de países da Europa central. Claro que, quando se fala em televisão, para evitar o risco de sofrer uma contestação de peso a nossa mídia trata o assunto superficialmente, em matérias de poucos minutos ou até de segundos, pois qualquer aprofundamento no tema desmascararia a farsa. Assim, um Jornal Nacional, por exemplo, dá sua opinião e pula fora do assunto rapidamente. O resto do trabalho de desinformação fica aos cuidados de pessoas que, na internet, tentam se passar por cidadãos comuns enquanto defendem com unhas e dentes o oligopólio decrépito de meios de comunicação no país, um oligopólio que não poderia existir em países como EUA, França ou Inglaterra, só para ficar nos exemplos mais gritantes. Entre esses que saem pela internet espalhando mentiras sobre a regulação da comunicação nos países desenvolvidos pode haver até cidadãos equivocados ou desinformados, mas há, também, pessoas pagas por interesses constituídos para evitar que as pessoas entendam como, no Brasil, a legislação sobre a comunicação social é atrasada e precisa mudar. Na última quinta-feira (31/10), este Blog publicou artigo ironizando o discurso da grande mídia sobre regulação do setor, ou seja, de que a nova legislação argentina violaria, de alguma forma, a “liberdade de imprensa”. A ironia foi construída em cima da recente sanção pela rainha da Inglaterra de um documento chamado Carta Real, que aprofunda a regulação da imprensa no país. O artigo aqui publicado perguntava se a grande mídia também considera “bolivariana” a legislação inglesa que, a partir de agora, aumentou fortemente a regulação dos meios de comunicação. O artigo irônico gerou comentários de leitores deste espaço e artigos em outros blogs e sites. Todos disseram que a legislação recém-aprovada na Argentina difere da que existe nos países desenvolvidos. E, sobretudo, tentaram desmentir que os países desenvolvidos combatam oligopólios no setor de comunicação. Vejamos, então, dois textos nesse sentido. O primeiro, postado aqui por um leitor; o segundo, informado a este blog pelo leitor Carlos Alberto. Trata-se de texto publicado em um blog e que, além de insultar pesadamente o autor desta página, distorce absurdamente os fatos. Vale explicar, ainda, que o texto publicado no tal blog será parcialmente reproduzido, mas sem indicação da autoria para não premiar o mentiroso e insultador com publicidade do espaço no qual mente e insulta desbragadamente. Aos textos, pois. (…) Talvez, leitor, você se pergunte por que foi necessário reproduzir tudo de absurdo que o segundo texto contém, como por exemplo que a Argentina seria uma “ditadura”. Afinal, em ditaduras o poder não pode ser alcançado por opositores via eleições e nem o mais radical dos radicais diria que isso acontece no país vizinho. Explica-se que a reprodução desse longo trecho do tal blog se deve à necessidade de expor a profundidade da desonestidade intelectual do autor. A pergunta que se segue, portanto, é a seguinte: é verdade que não há veto à propriedade cruzada em países como Estados Unidos, França ou Inglaterra, entre tantos outros que combatem duramente, sim, oligopólios nas comunicações? Note-se que tanto o comentarista deste blog quanto o articulista do blog que não foi citado se apoiam na premissa de que nos países desenvolvidos um magnata das comunicações não sofre restrições como há agora na Argentina para se deter a propriedade de múltiplas plataformas de mídia. Em primeiro lugar, portanto, vamos conhecer o tamanho do oligopólio do grupo Clarín, que está na raiz da regulação da mídia argentina. Confira abaixo, então, a lista de todas as concessões desse grupo empresarial que agora, por força da “Ley de Medios”, terão que ser vendidas à proporção de cerca de três quartos. (…) Essas são as plataformas de mídia que o grupo argentino Clarín tem hoje e das quais terá que se desfazer em grande parte. Alguém diria que não se trata de um oligopólio? Alguém é capaz de dizer que não são empresas demais? Seja como for, o que importa, aqui, é sabermos se é verdade que nos países desenvolvidos (Estados Unidos à frente) é permitido deter tantas plataformas de mídia e tantas concessões públicas e se é verdade que, como diz o comentarista dito “Almada”, o Brasil seria “Um dos países mais avançados do mundo em regulação de mídia eletrônica”. Comecemos pelo segundo tópico. O próprio comentarista “Almada” diz que “(…) A regulação de mídia eletrônica no Brasil é muito mais antiga do que a da França; o Brasil tem órgão regulador DESDE 1931 (…)”. Ora, se é tão antiga a regulação da mídia no Brasil, como pode ser tão “avançada”? De 1931 para cá – ou desde a Constituição de 1998, quando houve a última grande intervenção de Estado no setor – não mudou alguma coisinha na comunicação? A internet, a fibra ótica, a multiplicação das plataformas de mídia, tudo isso não gerou obsolescência na legislação brasileira? Vamos aos fatos. Estudo do “consultor legislativo” Cristiano Aguiar Lopes feito para a Câmara dos deputados sob o eloquente título REGULAÇÃO DAS OUTORGAS DE RADIODIFUSÃO NO BRASIL – UMA BREVE ANÁLISE esclarece a decrepitude de nosso marco regulatório sobre a comunicação social. Abaixo, alguns trechos. —– “Em toda a história da regulação da radiodifusão no Brasil, houve uma grande centralização das atribuições de outorga e de renovação de outorgas no Poder Executivo Federal. Trata-se de uma tradição consolidada há muito tempo – seu início pode ser precisamente datado em 1931, quando o governo federal baixou o primeiro decreto especificamente para regrar a radiodifusão. (…) Um longo tempo se passou até que em 1988, a nova Constituição Federal alterou significativamente as regras sobre outorga e renovação de outorga de radiodifusão. A Carta Magna de 88 reafirmou a competência da União para explorar, diretamente ou por meio de outorga a terceiros, os serviços de radiodifusão (…) É justamente esse arcaísmo legislativo, que faz com que a letra da lei pouco tenha de útil a acrescentar à realidade atual, o que beneficia sobremaneira os atuais detentores da propriedade sobre a radiodifusão brasileira (…) O resultado é que, de fato, os radiodifusores hoje têm a propriedade sobre um bem público, e o utilizam a seu bel-prazer, sem grandes interferências públicas ou estatais em suas estratégias de mercado. As atividades de radiodifusão se encontram, portanto, em um patamar bastante próximo da auto-regulamentação. O resultado é que os proprietários dos meios de comunicação podem promover, sem qualquer tipo de reação do Estado, uma grande concentração de mercado, por meio de propriedade cruzada, de concentração horizontal e dodomínio vertical de todas as etapas da cadeia de valor das comunicações (…) O arcaísmo da nossa legislação tem provocado insegurança nos investidores, além de ser um fator que dificulta o controle da concorrência no setor e o estabelecimento de regras que possam beneficiar novos entrantes. Daí podemos concluir que a ausência de marcos legais confiáveis para a comunicação eletrônica de massa está a estabelecer um entrave aos investimentos nas comunicações (…) —– O trabalho do consultor legislativo em questão é imenso e merece ser lido (no link postado antes de sua reprodução parcial) por quem quer, de fato, entender os problemas da comunicação social no Brasil. Mas, como se vê, os técnicos na matéria não consideram tão “avançada” a legislação brasileira sobre a propriedade e o uso das concessões públicas de radiodifusão como diz o comentarista “Almada” e tantos outros que, como ele, saem pela internet espalhando teorias que elaboram sentados no colo dos donos dos grandes grupos de mídia. Mas e sobre os países desenvolvidos – sobretudo os EUA – não regularem a propriedade de meios de comunicação, como ocorre agora na Argentina? É verdade, como dizem os textos do comentarista “Almada” e do blog insultador que comentou o artigo desta página, que os países desenvolvidos permitem toda e qualquer acumulação de propriedade de mídias? Sim, nos Estados Unidos há grandes impérios de mídia como os citados pelo comentarista “Almada”, mas o que ele não diz é que, apesar de o Federal Communications Commission ter deixado de limitar (mas só em nível nacional) o número de veículos que um mesmo proprietário pode ter, naquele país a regulação não é feita nacionalmente, mas por cidades. Vamos entender, portanto, como funciona a regulação da propriedade de meios de comunicação em países como Estados Unidos, França e Inglaterra, para ficar só nestes porque a regulação se dá em praticamente todos os países desenvolvidos. Para entender a questão, nada melhor do que ler, abaixo, trechos de artigo do coordenador da ONG Intervozes, João Brant, no Observatório do Direito à Comunicação. Brant é um dos maiores conhecedores da questão no Brasil, na atualidade. —– “(…) Historicamente, são duas as razões para se limitar a concentração de propriedade nas comunicações. A primeira é econômica, e pode ser entendida como tendo a mesma base das leis antitruste. A concentração em qualquer setor é considerada prejudicial ao consumidor porque gera um controle dos preços e da qualidade da oferta por poucos agentes econômicos, além de desestimular a inovação. Em alguns mercados entendidos como monopólios naturais (como a de transmissão de energia, de água ou telecomunicações), a concentração é tolerada, mas para combater seus efeitos são adotadas diversas medidas que evitam o exercício do ‘poder de mercado significativo’ que tem aquela empresa. O segundo motivo tem mais a ver com questões sociais, políticas e culturais. Os meios de comunicação são os principais espaços de circulação de ideias, valores e pontos de vista, e portanto são as principais fontes dos cidadãos no processo diário de troca de informação e cultura. Se este espaço não reflete a diversidade e a pluralidade de determinada sociedade, uma parte das visões ou valores não circula, o que é uma ameaça à democracia. Assim, é preciso garantir pluralidade e diversidade nas comunicações para garantir a efetividade da democracia (…) Limites à propriedade cruzada [um mesmo empresário ter jornais, revistas, rádios, televisões, tudo ao mesmo tempo] têm a ver fundamentalmente com essa segunda justificativa. Países como Estados Unidos, França e Reino Unido adotam esses limites por entenderem que a concentração de vozes afeta suas democracias. É importante notar que nesses países esses limites são antigos, mas têm sido revistos e, via de regra, mantidos – ainda que relaxados, em alguns casos. Mesmo com todos os processos liberalizantes, revisões regulares de seus marcos regulatórios e convergência tecnológica, esses países seguem enxergando a propriedade cruzada como um problema. (…) Os Estados Unidos, por exemplo, tinham uma regra clássica de limite à concentração cruzada em âmbito local: nenhuma emissora poderia ser dona de um jornal que circulasse na cidade em que ela atua. Essa regra foi levemente flexibilizada em 2007, quando se passou a levar em conta o índice de audiência das emissoras e o número de meios de comunicação independentes presentes naquela localidade. Mas essa flexibilização só vale para as vinte maiores áreas de mercado dos EUA (são 210 no total) e só acontece se o canal de TV não está entre os quatro mais vistos e se restam pelo menos oito meios independentes. Dá para ver, portanto, que a flexibilização é a exceção, não a regra. Na França, há regras para propriedade cruzada em âmbito nacional e em âmbito local. Em cada localidade, nenhuma pessoa pode deter ao mesmo tempo licenças para TV, rádio e jornal de circulação geral distribuídos na área de alcance da TV ou da rádio. No Reino Unido [Inglaterra], nenhuma pessoa pode adquirir uma licença do Canal 3 (segundo maior canal de TV, primeiro entre os canais privados) se ela detém um ou mais jornais de circulação nacional que tenham juntos mais que 20% do mercado. Essa regra vale também para o âmbito local. No caso britânico, há outras regras que utilizam um complexo sistema de pontuação para sopesar o impacto de licenças nacionais e locais de TV e rádio e jornais de circulação local e nacional (…) —– Aí está a malandragem do comentarista “Almada” e do blogueiro insultador. Eles tentam fazer crer que a legislação que se impõe agora na Inglaterra ou as que há em países como Estados Unidos permitem um “liberou geral” em termos de “propriedade cruzada”, como há no Brasil. A legislação argentina (“Ley de Medios”), porém, foi considerada pela ONU uma das mais avançadas do mundo exatamente porque se amparou nas experiências desses e de outros países desenvolvidos. Tanto nos EUA quanto no Canadá, na França, na Inglaterra, na Alemanha e em praticamente todas as nações mais democráticas e econômica e socialmente mais desenvolvidas não só as leis são duras com oligopólios inclusive de mídia como, também, as populações desses países, mais escolarizadas, entendem que excesso de poder de um único grupo de mídia é danoso à sociedade. A conclusão que se extraí dessa longa jornada que fizemos pelos fatos, portanto, é a de que você que não sabia de tudo isso vem sendo enganado pelos espertalhões que controlam a comunicação no país, que andam vendendo que o que a sociedade argentina conquistou seria alguma espécie de “violação da democracia” quando, em verdade, é justamente o contrário.
Posted on: Sun, 03 Nov 2013 14:03:04 +0000

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