EUA flertam com a autodestruição Valor Econômico - - TopicsExpress



          

EUA flertam com a autodestruição Valor Econômico - 02/10/2013 Por Martin Wolf Será que os Estados Unidos são uma democracia em pleno funcionamento? Nesta semana os parlamentares decidiram fechar o caminho do governo federal em vez de autorizar a lei de saúde para entrar em vigor no momento combinado. Eles poderão ir além: se não aprovarem, em votação, a elevação do chamado "teto de endividamento", se arriscam a decretar o calote da dívida do governo dos EUA - destino muito pior do que a suspensão dos serviços do governo ou o acionamento do gatilho fiscal automático de cortes previstos em lei. Se a oposição estiver preparada para infligir tamanho dano a seu próprio país, o limite que permite com que a democracia funcione deixou de existir. Por que isso aconteceu? Qual poderá ser o resultado? O que o presidente deveria fazer? A primeira questão é a mais desconcertante. Os republicanos estão fazendo tudo isso para obstruir um modesto aprimoramento do pior sistema de assistência médica dentre todos os países de alta renda. O Patient Protection and Affordable Care Act [Lei Federal de Proteção e Assistência Financeiramente Acessível ao Paciente] (conhecida como "Obamacare") tem como modelo a lei aprovada em 2006 no Estado de Massachusetts pelo seu governador na época, Mitt Romney. Seu objetivo, aparentemente criminoso, é dar cobertura a 32 milhões de pessoas desprovidas de seguro-saúde e garantir assistência a pessoas com doenças pré-existentes. O programa é complexo, é verdade. Mas foi edificado sobre um sistema defeituoso. O fato de a maioria das pessoas que trabalham receberem seguro-saúde por meio de seus empregadores é um obstáculo à flexibilidade do mercado de trabalho, por complicar as decisões de sair de um emprego, principalmente para pessoas portadoras de doenças crônicas. É uma forma de escravidão. Comparemos o sistema de saúde dos Estados Unidos aos dos de outros grandes países de alta renda. Os EUA gastam 18% de seu Produto Interno Bruto (PIB) com saúde, comparativamente aos 12% desembolsados pelo país seguinte que mais gasta, a França. O setor público americano gasta uma parcela maior do PIB do que os de Itália, Reino Unido, Japão e Canadá, apesar de muitas pessoas ficarem sem cobertura. Os gastos per capita dos EUA são quase 100% maiores que os do Canadá e 150% mais que os do Reino Unido. O que os EUA recebem em troca? A esperança de vida ao nascer é a mais baixa dentre esses países, e a mortalidade infantil é a mais alta. Numa democracia, as pessoas derrubam leis ganhando as eleições, e não ameaçando com a paralisia do governo ou mesmo com um calote puro e simples. Toda vez que o governo cede, acumula mais dificuldades para si. Mas os EUA farão o que precisa ser feito no fim A ideia de que alguém deveria suspender os serviços do governo - ou correr um risco de dar um calote - para barrar o seguro-saúde universal, dado como favas contadas por outros países de alta renda, parece loucura. Talvez isso mostre o quanto alguns republicanos não toleram Barack Obama. Metade dos parlamentares que conclamaram o presidente republicano da Câmara dos Deputados a suspender a verba destinada à lei de saúde é originária do velho sul. Sua aversão ao governo federal pode ser parte da explicação. Eles temem que o programa funcione, consolidando a credibilidade do governo. O que pode acontecer agora então? Suspensões dos serviços do governo são relativamente previsíveis. Já aconteceram antes. O Goldman Sachs observa que "a mais longa suspensão dos serviços do governo equivalente à atual situação ocorreu em 1995 e durou cinco dias". O Goldman estima que cerca de 800 mil servidores federais entrarão em licença. Apenas as atividades custeadas pela via específica da verba do Congresso - cerca de um terço dos gastos federais - serão afetadas; um pouco mais do que metade das atividades classificadas nessa categoria tendem a ficar isentas desses efeitos. Nas áreas não isentas, os salários dos funcionários serão cancelados durante a suspensão, mas a maior parte dos produtos e serviços fornecidos ao governo serão compensados subsequentemente. Mesmo assim, será um transtorno. Por isso a maioria dos analistas supõe que a suspensão dos serviços do governo não se estenderá por muito tempo. O Goldman estima que uma suspensão de dois dias reduzirá o crescimento do país no quarto trimestre em 0,1 ponto percentual, a uma taxa anualizada, enquanto uma paralisia de uma semana custará 0,3 ponto percentual. Consideremos agora o teto de endividamento. Segundo o Goldman, sem uma elevação desse teto, o Tesouro não conseguirá mais emitir títulos a partir de 17 de outubro e esgotará seu caixa até o fim do mês. Há pouca clareza sobre o que acontecerá se o Tesouro ficar sem dinheiro e não puder aumentar o volume de seus papéis em circulação. O ponto de vista otimista é de que ele conseguirá cobrir suas prioridades, entre os quais o serviço da dívida, pela administração de seus pagamentos. Se isso se confirmar, não precisará ocorrer nenhum calote. Jack Balkin, da Universidade de Yale, argumenta exatamente isso. O ponto de vista pessimista é que administrar seus fluxos de caixa dessa maneira será ilegal e talvez impossível - especialmente porque as receitas de caixa oscilam significativamente. Mas o Tesouro defenderia a tese pessimista mesmo se acreditasse que poderia enfrentar bem a situação. No melhor dos casos, a não elevação do teto de endividamento exigirá um corte significativo dos gastos. No pior, os Estados Unidos darão um calote. Analistas do Bank of America Merrill Lynch argumentam que alcançar o teto exigirá que os EUA equilibrem seu orçamento imediatamente, reduzindo os gastos em cerca de 20%, ou 4% do PIB. Isso empurraria o país para mais uma recessão - mesmo se não houver calote. As consequências de um calote efetivo, especialmente um que se estenda por algum tempo, são imprevisíveis. Ao contrário de uma suspensão de serviços do governo, não há precedentes, por bons motivos. Porque a ideia é suicida. O que o governo deveria fazer então? Numa democracia, as pessoas derrubam leis ganhando as eleições, e não ameaçando com a paralisia do governo ou mesmo com um calote puro e simples. É impossível governar um país sério sob a ameaça de chantagens desse tipo. Toda vez que o governo cede, acumula mais dificuldades para si. Alguns argumentam que a 14ª. emenda à Constituição dos EUA, que estabelece que "a validade da dívida pública dos Estados Unidos, autorizada por lei... não será questionada", dá ao presidente o poder de tomar empréstimos, a fim de saldar a dívida. Mas essa medida seria muito arriscada. O Supremo Tribunal possivelmente tomaria o partido do presidente, mas uma crise constitucional pode, por si só, comprometer a capacidade dos EUA de tomar empréstimos em condições favoráveis. Mais uma vez, a proposta inteligente de cunhar uma moeda de um trilhão de dólares e usá-la como segurança no Federal Reserve pode também gerar o caos. Disputar uma queda de braço potencialmente autodestrutiva com pessoas plausivelmente temerárias é sempre apavorante. Mas o governo não pode ceder. Continuo, a exemplo de Winston Churchill, otimista: os Estados Unidos farão o que precisa ser feito no fim, embora não antes de esgotar todas as alternativas. (Tradução de Rachel Warszawski) Martin Wolf é editor e principal comentarista de economia do FT
Posted on: Wed, 02 Oct 2013 17:13:52 +0000

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