Era uma casa muito boa de frequentar. Sempre limpa, cheirosa. E com um inevitável doce sobre o fogão à lenha. Pra onde quer que essa senhora se mudasse a exigência era de um fogão "lá fora". O de dentro era pra ferver um leite depois que as portas eram fechadas. Essas portas possuíam trancas pesadas. Tinha uma em forma de X que gostava de prender o dedo da gente. Passar por ali à tarde e enfiar a cara no portão, era batata ser convidada a entrar e ralar a casca de laranjas enormes para fazer compotas. Roubada pura. Muita laranja e o trabalho não rendia. Ou passar a linha nos panos de pratos. Isso eu gostava. Escrever as receitas que ela ditava também era bom. "Coloca aí: 02 colheres de açúcar" Ela jamais leu, porque era analfabeta, mas fazia a gente repetir o que havia escrito. Mas às vezes estava tudo muito quieto e isso era o melhor. Numa dessas eu entrei e fui me sentar na sala que estava numa penumbra confortante. Sentei na poltrona e fechei os olhos respirando aquele ambiente. Quando os abri ela estava na minha frente rindo e falando: "oh! você dormiu por instantes! devia estar muito cansada" Desse dia em diante, sem que combinássemos, eu fugia pra lá. Sempre à tarde. Foi aí que comecei a ler O diário de Anne Frank. Até o dia em que a tia chegou mais cedo e me pegou lendo. Falei qual era o livro e ela me deu a maior bronca dizendo que não era livro pra uma menina de doze anos ler. Tudo bem....eu já tinha lido.
Posted on: Mon, 07 Oct 2013 22:58:29 +0000
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