Essa tal felicidade Texto: Nina Weingrill, Roberta De Lucca e - TopicsExpress



          

Essa tal felicidade Texto: Nina Weingrill, Roberta De Lucca e Roberta Faria // Foto: Daniela Toviansky // Produção de objetos: Marina Schmidt // Beleza: Marcos Roza / Glloss Management // Fotodesign: Felipe Gressler Todos queremos ser felizes. Mesmo sem saber exatamente o que é essa felicidade, onde ela mora ou como se encontra, traçamos planos, fazemos escolhas, listamos desejos e alimentamos esperanças pela expectativa de alcançá-la. Em seu nome, comemos chocolate, estudamos para a prova, damos festas, casamos ou separamos, compramos carro, dançamos valsa, formamos turmas, entramos na dieta, brigamos, perdoamos, fazemos promessas – nós vivemos. Às vezes, agimos pensando na felicidade como uma recompensa futura pelo esforço. Noutras, a encaramos como o bilhete dourado na caixa de bombons. Não raro, pensamos que ela é um direito. Ou um dever a ser cumprido – e, assim como em outras obrigações cotidianas, como fazer o jantar, se a gente falha em executar a meta, tendemos a procurar soluções prontas, como lasanha congelada ou antidepressivos. Por isso é tão difícil definir (e achar) a tal felicidade. A confundimos com o afeto (se encontrarmos o amor, ela virá), com a sorte (com esperança, ela vai chegar), com o alívio (se resolvermos os problemas, como o excesso de peso, então a teremos). A confundimos com a conquista: se realizarmos tudo o que queremos e se espera de nós... seremos felizes, não? Não. São pensamentos como esses que transformam a felicidade na cenoura eternamente pendurada à nossa frente – próxima, mas inalcançável. Estabelecer tantas condições para ser feliz faz a gente superestimar o poder que coisas nem tão importantes assim têm sobre nosso bem. Enganamo-nos com a promessa de que há uma fórmula a seguir e jogamos a responsabilidade pela satisfação em lugares fora de nós (e além do nosso controle), como ganhar aumento ou ser correspondido na paixão. E ao invés de responder aos nossos anseios, essas ilusões podem criar um vazio ainda maior. Podemos não saber explicar o que é felicidade – até porque é uma experiência única para cada pessoa. Mas a ciência, a filosofia e as histórias de quem se assume feliz dão pistas do que ela não é. E ela não é receita, não tem garantias, não está no futuro, nem à venda. Não pode sequer ser possuída. A felicidade é um instante passageiro e presente, em que não precisamos de nada além do que estamos vivendo. Esses momentos podem ser acumulados, e a sensação será quase constante. Mas isso não é algo a se procurar, nem a esperar. Porque não é o fim. É o caminho. A felicidade – autêntica, profunda e duradoura – está na soma dos dias de uma vida bem vivida. Diferentes, mas iguais Cada um tem sua versão do que é uma vida feliz, onde projetamos valores, experiências e expectativas. Mutável, essa definição é influenciada pela personalidade, pela realidade em que vivemos e pela fase da vida em que estamos – razão pela qual livros genéricos com receitas para ser feliz em 10 passos só alegram seus autores. “Se fosse assim, já teríamos banido a tristeza do mundo”, diz Clóvis de Barros Filho, professor de ética da Universidade de São Paulo. Mas certas coisas todos temos em comum. A começar pelo fato de que somos projetados para fugir da dor e amar o prazer. “É uma tática da natureza para garantir a sobrevivência e nos fazer passar os genes adiante”, diz Nancy Etcoff, neurocientista da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Esse mecanismo inconsciente nos faz preferir o sabor doce do que o amargo, por exemplo. Mas a procura por satisfação também é influenciada pela cultura de cada época. E durante a maior parte da história da humanidade, a ideia de felicidade não foi nada parecida com a de hoje. Tão perto, tão longe Há cerca de 2500 anos, gregos e romanos acreditavam que ela era questão de sorte. O filósofo Sócrates foi o primeiro a considerar que ser feliz podia ser um objetivo humano, não um capricho divino. Mas a fundação do cristianismo, há cerca de 2000 anos, levou a felicidade de novo para o além. Para a doutrina cristã, a mais influente no Ocidente, viemos ao mundo para sofrer: a felicidade é uma graça reservada para o paraíso. Foi o Iluminismo, movimento filosófico do século 18, que retomou a ideia da felicidade aqui e agora. Para os iluministas, ser feliz é um direito. A teoria cresceu e chegou aos nossos dias dominante. Embora conceitos religiosos, como o de que a felicidade precisa ser merecida, permaneçam vivos, ser feliz se tornou uma meta – e o maior dos bens. Para conquistá-la, muitas ferramentas surgiram, como terapias, medicamentos e livros de autoajuda. “Mas isso não nos trouxe mais felicidade”, afirma Nancy Etcoff. “O mundo nunca foi tão rico em dinheiro e conhecimento, mas os índices de satisfação das pessoas permacem iguais há 50 anos.” A depressão, por sua vez, cresceu tanto que em 20 anos afetará mais pessoas no mundo do que problemas cardiovasculares. A vida bem vivida se equilibra sobre três pilares: os relacionamentos que mantemos, o engajamento que colocamos nas coisas e o sentido que damos à existência Intrigado com esses índices, o psicólogo americano Martin Seligman, da Universidade da Pensilvânia, dedicou as últimas décadas a investigar o que, afinal, torna as pessoas felizes. O que uns têm que outros não? Se você pensou em viver na praia, ter diploma de doutor, ganhar na loteria e não ter problemas... Errou. “Provou-se que clima, raça, gênero, idade, escolaridade e a proporção de emoções negativas que sentimos não influenciam a felicidade”, diz Martin. Ter saúde e dinheiro impactam, mas até certo ponto. Se as necessidades básicas estão cobertas e não há sofrimento físico agudo, estar na lista de milionários ou na de inadimplentes, ser paraplégico ou triatleta faz pouquíssima diferença. O que nos faz feliz, em primeiro lugar, é seguir nossa natureza. Colecionar momentos de prazer – como almoçar o prato preferido – aumenta o bem-estar instantaneamente e tem mais impacto a longo prazo do que grandes acontecimentos, como ser promovido. Mas a felicidade não se sustenta só assim. Porque o prazer é fugaz – e nos guiar por ele pode fazer o efeito contrário. “Fico feliz se como pamonha. Mas se comer duas, não fico duas vezes mais feliz. E se comer muitas, passo mal e fico triste”, brinca o professor Clóvis de Barros Filho. Comparando centenas de pesquisas, Martin e outros pesquisadores perceberam: a felicidade está naquilo que construímos de mais profundo – nossas experiências sociais. A vida bem vivida, sugere o psicólogo, é aquela que se equilibra sobre três pilares: os relacionamentos que mantemos, o engajamento que colocamos nas coisas e o sentido que damos à nossa existência. É isso, afinal, que as pessoas felizes têm em comum. Mais ricos que o rei Eles acumularam fama, sucesso e dinheiro. Suas músicas são cantadas de cor pela plateia nos 130 shows que fazem em média por ano, desde que a banda surgiu, 60 anos atrás. A longevidade os alçou ao livro dos recordes, o Guinness, como o grupo vocal mais antigo do mundo, e ao status de patrimônio paulistano. São 123 discos gravados, que lhes deram uma bolacha de ouro para pendurar na parede. E, no entanto, não são esses números que os Demônios da Garoa têm de mais especial, nem as canções de Adoniran Barbosa que tornaram hits, como Trem das Onze. O que lhes deu sucesso e uma vida boa foi a amizade. A banda nasceu em São Paulo, nos anos 1940, para mostrar que samba não era privilégio de carioca. Estão juntos desde então – embora sem nenhum dos oito integrantes originais. É que os Demônios viraram uma instituição, levada adiante pelos que chegaram depois. O mais antigo é Roberto Barbosa, o Canhotinho, 71 anos, Demônio há 40. Izael Caldeira, 67 anos, está há 27 na turma. Sérgio Rosa, 54 anos, líder do grupo e filho do fundador, Arnaldo, cresceu ao som de Samba do Arnesto. Seu filho Ricardinho, de 21 anos, entrou na banda adolescente, na mesma época que Sydnei Thomazzi, 57 anos. São vidas inteiras juntos. Juntos, os Demônios construíram uma obra de altos, mas também compartilharam os baixos. “Houve época em que o dinheiro não entrava, e precisávamos colocar comida em casa”, diz Canhotinho. “Não foi fácil ver amigos deixarem a banda”, conta Izael. Canhotinho mesmo saiu dos Demônios nos anos 1980 pra fazer carreira solo. Pouco depois, o fundador Arnaldo adoeceu. Leal ao grupo e ao amigo, Canhotinho voltou – sem disco solo. “Abandonei o sonho para dar retaguarda. Não me arrependo. Tudo o que tenho, ganhei aqui.” Trabalho em equipe “As pessoas têm mais prazer quando fazem algo juntas e não quando estão sozinhas, pensando na vida. O maior erro da psicologia foi colocar a felicidade no eu. Ela está no nós”, afirma Nancy Etcoff. Para Martin Seligman, é a extroversão que nos dá as maiores chances de felicidade. Ela pode ser praticada com a turma de amigos da escola, em um casamento afetuoso, em laços familiares fortes, com bons companheiros no trabalho ou pelo simples hábito de manter uma vida social intensa – o que significa não só ir a festas, mas gostar de gente, de conversar com vizinhos, de jogar bocha no clube. “As pessoas felizes passam a maior parte de seu tempo acompanhadas. De bem com os outros, pensamos menos em nós mesmos e queremos partilhar o que temos de bom”, diz Martin. É o que acontece entre os Demônios. O grupo compartilha o cotidiano da carreira, mas também a intimidade e o afeto. “Desde que eu era criança, todos se encontravam na casa da minha avó. Minha mãe fazia bolo e nos divertíamos tocando. Até hoje é assim”, diz Sérgio. “Sabemos do que o outro precisa com um olhar. Somos felizes por estar juntos”, completa Canhotinho. A história da banda ilustra como uma vida fundamentada em valores duráveis – como amor e confiança, tão ligados à convivência – nos aproxima da felicidade verdadeira. Ainda acha que bom mesmo é o sucesso? Um exercício para colocar as prioridades em ordem, propõe o psicólogo americano Steven Hayes, é escrever seu epitáfio. “O resultado nunca é ‘Aqui jaz Pedro, que tinha um carrão’. Em geral, é ‘Aqui jaz Pedro, que amava sua família’”, diz Steven. “Queremos ser lembrados pelo que nossa vida teve de melhor: nossos valores.” Quem pode, pode Os Demônios não fazem ideia, mas muitas vezes fizeram Margarete Gomes, 52 anos, dançar na plateia. Margarete adora shows: já viu ao vivo Maria Bethania, Roberto Carlos e até Michael Jackson. Ela também ama atividades manuais, e frequentou dezenas de cursos de culinária e de artes. Na verdade, gosta de aulas em geral: estudou espanhol e biodança na Espanha, onde morou por dois anos, fez cursos de administração, se formou na faculdade de turismo com 50 anos e acabou de se matricular no inglês. “Não recuso um convite, nem a chance de aprender algo novo”, conta. É boa a vida de quem gosta do que faz. Um privilégio de quem tem tempo e dinheiro de sobra, né? Bem, não no caso de Margarete, que mora de aluguel no centro de São Paulo, não tem carro e concluiu o ensino médio depois dos 40 anos, porque largou a escola aos 16 – quando se casou, grávida do primeiro de seus três filhos. Aos 27, se separou para ser independente. Desde então, se vira – foi até faxineira na Espanha. Cursos? É ver as palavras “aula” e “grátis” na mesma frase que se inscreve. A faculdade fez com bolsa. Aos shows, vai sem ingresso: na porta, compra mais barato de quem tem sobrando. Se for o caso, banca o luxo vendendo cerveja na fila. Como se vê, problemas não impedem Margarete de fazer o que lhe dá na telha. Ficando mais perto da verdade, nos libertamos de várias ilusões e esperanças tolas. Isso nos ajuda a amar mais a vida do que a felicidade, a verdade mais do que a fantasia, o amor mais do que a fé ou a esperança Gosto pela coisa Essa disposição representa o que o psicólogo Martin Seligman considera o segundo pilar da boa vida: o engajamento. É aquele jeito que certas pessoas têm de fazer as coisas, seja no trabalho, em casa ou no lazer, com envolvimento e empolgação. Caso de Margarete, cuja profissão – vendedora – já se prestou a muitos produtos. Hoje, ela trabalha em uma agência de viagens. Mas já vendeu uniforme de garçom, assinaturas de revistas, cosméticos, velas em cemitérios, bolos, planos de saúde, bijuterias e ovos de Páscoa. Mudava o produto, a dedicação continuava. “Ter descoberto que essa é a minha vocação é o que me fez mais feliz.” Dar seu melhor nas tarefas gera um fenômeno no cérebro chamado flow – “fluxo”, em português. São momentos em que ficamos tão absortos no que estamos fazendo que perdemos a noção do tempo e somos tomados pelo sentimento de gratificação. Espécie de paz interior, o fenômeno foi observado em monges e atletas. Mas também pode acontecer quando se resolve tirar o sábado para pintar a sala. O fluxo está em atividades desafiadoras, em que a recompensa é a própria realização do trabalho. “Elas nos colocam em contato com as nossas forças”, diz Martin. A satisfação de se sentir capaz é outra emoção durável – e, portanto, canal para a felicidade autêntica. O engajamento é também uma forma de viver o instante presente. Margarete entende disso. “Acho que as pessoas ficam muito presas em construir e ter. Temos que ser mais livres”, diz. Planos são necessários, mas expectativas demais são frustrantes. “É feliz aquele que vive bem no mundo como ele é”, diz o professor Clóvis de Barros Filho. Ou, como diria Margarete: “A felicidade está nas coisas que a gente faz todos os dias. É isso que levamos da vida”. A verdade de cada um Hoje, Cláudia Dias Batista de Souza, 63 anos, não quer levar nada da vida. Mas houve um tempo em que quis o mesmo que todo mundo. “Achava que ser feliz era ter um bom marido, um bom emprego, um bom carro, sucesso”, conta. Cláudia cresceu em um bairro nobre de São Paulo, casou aos 14 anos, teve a única filha aos 17, se separou, estudou direito, virou jornalista. Aos 24 anos, mudou para a Inglaterra. De lá, foi para os Estados Unidos, onde conheceu o segundo marido. E aos 36 anos descobriu que não queria mais nada daquilo. Cláudia virou budista. Hoje é conhecida como monja Coen – palavra japonesa que significa “só e completa”. Foi porque estava em busca de algo que a ajudasse a se conhecer melhor que Cláudia procurou o budismo. O encontro provocou uma reviravolta: ela percebeu que a vida que levava não lhe trazia realização. Em busca de um sentido, mergulhou na filosofia budista e mudou radicalmente de vida. Dos Estados Unidos, partiu para o Japão, onde morou por 12 anos em um mosteiro. Lá, abriu mão de conviver com a filha, raspou os cabelos, sofreu por não entender a língua e os costumes, deixou os confortos modernos, conheceu o terceiro marido, foi rejeitada por não ter origem japonesa, acordou muitos invernos às 4 horas da manhã para meditar, recolheu donativos na rua, virou monja. E descobriu onde estava sua felicidade. “Eu era bravinha, exigente com os outros e comigo. No budismo, aprendi que o caminho da iluminação é conhecer a si mesmo. Isso me trouxe plenitude”, conta. “Vi que sou um ser integrado ao mundo e, para ficar bem, preciso fazer o bem. A recompensa é incrível.” Encontrar um sentido para a vida é isto: saber por que você faz o que faz, qual o seu papel no mundo. E seu impacto na felicidade está ligado à paz que ter respostas traz à vida. “Ficando mais perto da verdade, nos libertamos de várias ilusões e esperanças tolas. Isso nos ajuda a amar mais a vida do que a felicidade, a verdade mais do que a fantasia, o amor mais do que a fé ou a esperança”, diz o filósofo francês André Comte-Sponville. Mapa do acaso É como no clássico Alice no País das Maravilhas. A certa altura, Alice encontra o Gato Que Ri e pergunta para onde vai a estrada onde está. O gato responde: “Para onde você quer ir?”. Ela balança a cabeça, confusa. Ele devolve: “Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve”. Não ter um propósito é como andar no escuro. É trabalhar para pagar as contas, casar por comodidade, ter filhos porque sim, escolher pela moda, fazer só por fazer. O sentido pode estar em uma religião, na filosofia, no autoconhecimento. Tanto faz. Assim como a felicidade, cada um encontrará a sua versão: construir uma família, seguir princípios sagrados, deixar uma obra, ajudar os outros – não há resposta certa. “Há uma frase atribuída a Buda que diz: ‘A vida tem o sentido que você der a ela’”, fala Coen. Para ela, outra lição sobre a felicidade é entender que tudo passa. “Assim, se pode ser feliz mesmo na perda ou na doença”, diz. O psicólogo Steven Hayes concorda. “A felicidade não é a ausência da dor – ela é inevitável. Aceitar isso é libertador, porque nos ensina a lidar melhor com a frustração e não faz da felicidade uma ditadura.” Senão, diz ele, acabamos paralisados. E deixamos de correr atrás da vida plena que gostaríamos de ter, para não enfrentar o risco de perder – ou de ser feliz. dê uma nota para esta matéria: Participe: Tags: procura, felicidade, busca, transformação, definição.
Posted on: Fri, 02 Aug 2013 14:07:05 +0000

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