Estou triste. Muito triste. Tinha prometido a mim mesmo que não - TopicsExpress



          

Estou triste. Muito triste. Tinha prometido a mim mesmo que não falaria sobre isso, mas sou obrigado a falar. Fui transformado em vagabundo, filhinho de papai, em corporativista, e mais um monte de coisas que não prestam. Eu sou do interior, meu pai, cearense, é agricultor e sempre se orgulhou disso. Me ensinou tudo. Moldou meu caráter. Colhi feijão, macaxeira, catei murici, vendi queijo, vendi leite em cima de uma carroça junto com ele. Carreguei estaca de aroeira nas costas (tem gente que nem sabe o que é isso, é uma árvore usada pra fazer cercas no nordeste). Muitos dos meus colegas não precisaram disso, talvez nem eu precisasse, mas meu pai precisava me ensinar o VALOR das coisas. E pelo suor e o sacrifício de nossas mães e dos nossos pais. Passamos no vestibular. Vou repetir: PASSAMOS NO VESTIBULAR, DO CURSO QUE É UM DOS MAIS CONCORRIDOS DO BRASIL. Em uma Universidade pública. Com muita luta, após 6 ANOS. De dias, noites e madrugadas de estudo concluí a faculdade. Canudo na mão fui fazer o que tinha sonhado. Lembrei do que tinha me feito escolher a medicina: NÃO QUERIA SER IMPOTENTE. O PIOR SENTIMENTO PRA MIM É: A IMPOTÊNCIA DIANTE DAS SITUAÇÕES. Senti isso. Quando, ao lado do meu amado avô Adelson, eu o vi definhar em um hospital público. E decidi, naquele momento, que tinha que ser médico para mudar aquela realidade. Lembrei-me desse sentimento e do sonho e parti pro interior do Brasil. Passei um ano lhe dando com situações que todos conhecemos. Como poderia fazer uma receita e entregar para alguém que não sabia ler??? Atendia, então dentro da farmácia do posto, desenhava sol e lua em caixas de medicamentos. Explicava a mães cuidados de higiene básicos, porque se não a pomada não faria efeito...Mas sempre fui afeito a linha de frente, a emergência, ao choque, a unidade de graves. E fui também para porta da frente das unidades, hospitais. Por um breve momento, tudo ia bem. Até começar a perceber que precisava de RX, Desculpa Dr. não tem. Precisava de laboratório, Desculpa Dr. não tem. Precisava de medicamento, Desculpa Dr. não tem. Precisava de tubo orotraqueal, respirador, gaze, atadura, tomografia, limpeza, telha para consertar a goteira, maca, lençol... “Dr. o Sr. deve estar brincando, pensa que isso aqui é novela da globo”. Logo descobri, então, aquelas três folhinhas (branca, amarela e rosa = atestado de óbito). E DE MÃOS ATADAS, sem ter o que fazer, vi meu maior medo voltar: A IMPOTÊNCIA DIANTE DAS SITUAÇÕES. Eu não podia fazer nada. E ter que dizer a uma família que seu filho de 18 anos, seu pai de 45 ou seu anjinho de 04 anos iria morrer por falta de estrutura foi demais pra mim. Aquelas porradas de uma mãe desesperada, gritando "vai lá, o Sr. é Médico salva o meu filho, faz alguma coisa". Batia na verdade no meu coração, eram pancadas na minha alma por dias a fio me impedindo de viver, tirando o meu sono. Então, decidi que iria mudar, “talvez, se eu me qualificar mais, possa ajudar mais”. Vim para um grande centro. Eu já tinha visto tudo de ruim. "Me criei" no famigerado PRONTO SOCORRO DA 14, em Belém do Pará, (HPSM Mário Pinotti). Nada me surpreenderia. Mas surpreendeu. Primeiro plantão, por aqui, na cidade dita maravilhosa, encontrei a mesma realidade. Macas pelos corredores, pacientes internados nas cadeiras, várias ambulâncias com macas presas na emergência, e por aí vai. Ou no interior ou nas grandes cidades a Saúde dos pacientes está entregue a sorte. Fomos abandonados. Nós profissionais de saúde e o povo. Mas não desisti, busquei qualificação, trabalhei e estudei sem parar, houve anos que cheguei a trabalhar 96h por semana. Me especializei, subespecializei, fiz cursos, congressos, provas, TCCs, ... Hoje me sinto preparado, mas sempre em busca de mais. E com uma vontade enorme, um desejo incontido de voltar. Isso mesmo voltar. Voltar pro meu interior. Muitos bradam " Vc deve ser louco, nada mudou por lá. Vc tá maluco". Mas estou decidido a voltar. No entanto, estou triste. Muito triste com a ideia que criaram na população contra os médicos. Enquanto, estão mandando médicos da argentina para municípios litorâneos. Tenho muitos amigos convivendo com atrasos de salários e as incertezas da política pelo interior do Brasil. E sem esse papo furado de mais médicos e sim com MAIS CORAGEM. Se você não sabe a dor de dar a notícia de um falecimento por falta de condições de trabalho, não julgue. Porque nos telejornais nunca vi ninguém dizer que a culpa foi da máquina, do aparelho de RX, da falta de remédio ou de material, a responsabilidade é sempre do médico. E ELE, O DR. TEM O DIREITO DE NÃO CONTRIBUIR PRA ESSA CARNIFICINA. Queremos hospitais e postos de saúde "padrão fifa" sim, ambulâncias "padrão fifa" sim. Temos aceitado tudo, fomos jogados na lama. Agora me desculpe me chamar de vagabundo, filhinho de papai, não aceito não. Sou obrigado a discordar. Vou continuar lutando pra salvar vidas. Como faço todos os dias. Mas hoje tenho também um novo desafio: SALVAR IDÉIAS. PORQUE, INFELIZMENTE, ELAS ESTÃO SENDO PERIGOSAMENTE MANIPULADAS. Dr. Eduardo C. Belizário
Posted on: Sat, 24 Aug 2013 01:07:44 +0000

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