Felicidade legítima? Era uma tarde de domingo de fim de julho. O - TopicsExpress



          

Felicidade legítima? Era uma tarde de domingo de fim de julho. O dia estava frio e preguiçoso, como os domingos de julho costumam ser. Eu converso com uma amiga que mora bem longe. Eu tinha tantas coisas pra dizer, tantas coisas que gostaria de perguntar, mas tudo acaba se resumindo a conversas vazias e fofocas. Eu olho para o meu próprio rosto na webcam e me esforço para parecer feliz. Meu sorriso insistente talvez a distraia dos meus olhos. Após me contar seus planos, ela se despede e fica offline. Está indo para algum lugar, afinal de contas, é verão nos Estados Unidos. Eu fico um pouco mais, sonhando com as praias dos Outer Banks. Inclino a cabeça para um lado, num gesto de saudade, e sorrio, sonhando com todas coisas que poderia fazer se tivesse a chance de estar nos Outer Banks. Mas então eu me lembro que não tenho qualquer controle sobre a minha vida e que tenho medo de tudo, inclusive dos meus sonhos (na verdade, acho que é deles que eu mais tenho medo). Eu olho pras imagens frenéticas da TV e tento me lembrar de quando foi que eu me tornei essa pessoa com tanto medo de tudo. Quando foi que eu me tornei tão arrogante, tão egoísta, tão preguiçosa, tão negativa, tão infeliz? Eu penso no meu passado, tentando me lembrar da última vez em que me senti realmente feliz. Isso leva um tempo, afinal, há vários tipos de felicidades. Por exemplo: eu estava feliz quando finalmente passei na USP, mas acho que isso foi mais uma conquista do que qualquer coisa, eu trabalhei pra isso, então foi apenas um resultado; eu também fiquei feliz quando me inscrevi para o programa de aupair. A ideia de um ano cheio de possibilidades me deixava feliz, mas acho que isso era apenas esperança. Eu tento não pensar naquela tarde. Eu não quero seguir escrevendo a mesma história pelo resto da minha vida. Eu tento desesperadamente me lembrar de um momento de felicidade. Mas de felicidade legítima, espontânea, que te pega de surpresa. Ah, sim! Quando eu fui pra Boston com a Kate. Eu estava feliz. Eu era livre. Sinto falta daquela tarde em que cruzamos o rio Charles e nos sentamos nos banquinhos perto das margens, escrevendo cartas para quem estava distante. É incrível constatar que eu nunca vivo o presente, que estou sempre pensando no passado ou planejando o futuro, mas sou incapaz de aproveitar os dias atuais ou curtir a pessoa com quem estou. Será que nunca vou aprender? Era verão em Boston. Eu acordei às 7h40, com o despertador tocando “Oh, really...”. A Kate estava dormindo na cama ao lado da minha. Ela acordou com um sorriso e seus cachos vermelhos cobrindo quase todo o seu rosto e eu perguntei a mim mesma como alguém pode ser assim tão linda e alegre quando acaba de acordar. “Bom dia” ela disse, e eu contei a ela o sonho que tinha tido. Foi bom ter alguém com quem conversar pela manhã. Fazia meses que eu silenciava meus sonhos. “Talvez seja um sinal”, ela disse, seus olhos azuis arregalados e aquele sorriso cheio de alegria e esperança que eu sempre quis ter. Eu sorri também e a luz dourada que entrava pela janela fez aquele dia ser especial. Não sei por que. Talvez seja a sensação de ter encontrado alguém que...não, não é isso. É a sensação de ter sido encontrada. Nunca me passou pela cabeça que um dia eu estaria acordando em Boston, num albergue velho, cheio de pulgas e de quadros e objetos assustadores, mas com uma linda garota tcheca na cama ao lado. Nunca pensei que merecia tal coisa e isso fez eu me sentir especial. Naquela noite nos sentamos no gramado em frente ao albergue, fumando narguilé e conversando sobre músicas bregas da nossa infância. Foi engraçado perceber que apesar de sermos de países e culturas tão diferentes, compartilhávamos experiências em comum. Seria esse o lado positivo da globalização? Hoje aqueles dias parecem mais uma memória distante, como uma felicidade perdida. Sinto falta dela. Ainda sonho com o dia em que alugaremos um carro e cruzaremos os EUA dirigindo. Eu sei que posso fazer isso sem ela, mas acho que não faria sentido. Longe daqueles dias em Boston está uma outra tarde de domingo, mas uma bem diferente. Eu estava no banco traseiro de uma Brasília velha, voltando de um fim de semana no interior. A paisagem corria pela janela e cada coisinha parecia brilhar. Era quase pôr-do-sol quando ele me abraçou um pouquinho mais apertado, então olhei pra ele e nos beijamos. Eu senti algo diferente e quando abri os olhos, percebi que ele havia sentido o mesmo. Ele até me perguntou “Você sentiu isso?” e eu sorri e fiz que sim com a cabeça. Seu abraço ficou ainda mais forte, de forma que consegui sentir seu coração e nesse momento eu tive certeza de que ele me amava. Dez anos mais tarde eu ainda não sei ao certo o que foi aquela sensação. Eu achava que era amor, mas já não sei. É bem como a Meryl Streep fala naquele filme, “As Horas”, Eu achei que era o começo da felicidade, mas eu me enganei. Aquilo ERA a felicidade. E ela foi embora com o pôr-do-sol. E nunca mais voltou.
Posted on: Sun, 28 Jul 2013 00:10:22 +0000

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