História real Por Gregorio Duvivier (em - TopicsExpress



          

História real Por Gregorio Duvivier (em www1.folha.uol.br/colunas/gregorioduvivier/2013/10/1359632-historia-real.shtml) A primeira vez que eu fumei maconha foi no aterro do Flamengo, depois de uma pelada. Éramos quatro pernas de pau do liceu francês. Perdemos de muito a zero. Sentamos debaixo de uma árvore e o Marcio apertou (mal) um baseado pra atenuar a derrota. Tomamos um esculacho. O esculacho maior estava por vir. O beque mal apertado ainda não tinha dado uma volta completa quando brotaram, do nada, dois PMs trincados: Cadê o flagrante?. O flagrante, a essas alturas, estava longe. Bruno tinha isolado o beque pro mato. O PM bom disse que se a gente não achasse o tal flagrante eles levariam a gente para Bangu 2, onde bandidos comeriam o nosso cu. Argumentei, me sentindo Mel Gibson em Coração Valente, que se eles não achassem o flagrante, não haveria prisão, porque só pode haver prisão com flagrante. E que nós éramos menores de idade e não iríamos pra Bangu. Mas essa última frase eu não cheguei a dizer, porque o PM mau me deu um soco no peito e eu fui parar no chão. Se eu fosse Mel Gibson, teria revidado. Se eu fosse Mel Gibson, eu estava morto. A sorte é que eu não sou Mel Gibson e a garganta apertou. Comecei a chorar. Bruno, Marcio e Antonio, que tampouco eram Mel Gibson, começaram a procurar o flagrante no chão, de quatro. Acharam. Pronto, não tinha mais o que fazer. Ou melhor: tinha. Esvaziamos nossas carteiras, que, juntas, deram R$ 10. Naquela época o ônibus custava R$ 0,90. Achamos R$ 10, era uma fortuna. O PM mau não achou. Marcio disse que morava ali perto. Eles ficaram com as nossas carteiras de identidade, pra gente não sumir (Retenção de documentos não é crime?, teria dito Mel Gibson). Na casa do Marcio, a mãe dele estava vendo TV na sala. Atravessamos cabisbaixos. Boa noite, mãe. Saímos do quarto dele com uma mochila pesada, contendo tudo o que ele tinha de mais valioso na vida: uma nota de R$ 50, um PlayStation velho, meia dúzia de jogos de PlayStation, um videocassete, algumas fitas de VHS, os controles do PlayStation. A gente já volta, mãe. Deixamos a mochila na viatura, com muita dor e vergonha. No dia seguinte, rachamos o prejuízo: uns R$ 200 pra cada um. E uma raiva que eu iria levar pra vida. Desde então, aprendi a temer a polícia. Aprendi que ela não existe pra me proteger. Aprendi que as coisas não mudam. A sorte é que tem gente que não é feita do mesmo material que eu. Tem gente que toma soco no peito e revida. Assim, quem sabe, um dia, ninguém mais vá precisar tomar porrada.
Posted on: Tue, 22 Oct 2013 12:06:28 +0000

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