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INFARTEI - PARTE IV – APARTAMENTO Concluído meu tempo de observação na UTI, concederam-me o direito a um banho em um banheiro, com chuveiro e sabonete liquido. Foi um banho longo e purificador. Eu tinha xixi até na menina dos olhos. Lavei tudo, a menina também... Minha filha Larisa, havia me dado de presente dois pijamas. Um que não sei a cor (sou daltônico) e outro que disseram ser azul. Os dois muito bonitos, muito “chic”. As enfermeiras todas diziam:_que lindo, muito bonito, ta arrasando, que elegante... e eu todo “ancho”, só conseguia dizer:_foi minha filha que me deu! Ria de orelha a orelha... Estava pronto para a longa caminhada até o apartamento do hospital, sem duvida numa cadeira de rodas. Por baixo do pijama uma fralda geriátrica imensa. Imensa é pouco, aquilo parecia querer abarcar o mundo com seus oceanos, mares e lagos. Nunca imaginei que uma fralda poderia ser tão grande. O “pingulim” cabisbaixo e humilhado escondeu-se na primeira dobra da fralda, que encontrou. Com o peito estufado e uma lagrima de saudade escorrendo na face, enfrentei a jornada para o apartamento. Senti uma saudade transbordante de minhas amigas enfermeiras e dos meus amigos enfermeiros. Senti como se os tivesse abandonando no vale de lagrimas. Despedi-me de todos, chorei por todos, até pelos meus vizinhos cirurgiados. Beijei as mãos de minha amiga Adriana Lira Pernambuco. Saí da UTI sem olhar para trás, não consegui virar-me para olhar para meus mais recentes amigos. Primeiro corredor; segundo corredor, terceiro, quinto, agora um elevador, e mais corredores. Finalmente uma porta numerada – 144. Duas batidinhas com os nós dos dedos e a “porta da liberdade foi aberta”. Entrei rolando na cadeira, levantei, agradeci e abracei minha mulher que aguardava impaciente e emocionada. Eu, assim como Lázaro, havia ressuscitado. Estivemos abraçados e molhando-nos de lagrimas por alguns momentos; compungidos, com a esperança bailando nos olhos de lago; acabara de receber uma segunda chance de vida. Estava salvo, estava vivo novamente. “Minha “cardiologista” – Dra. Aline H. Jovem, competente, talentosa e bonita como o firmamento. “PhD” em simpatia e profissionalismo. Entrava no apartamento como quem entra no terreiro de sua casa, sem a menor cerimônia, sem vexame, sem afetação. Apenas entrava, agarrava meu dedo indicador, como quem tira o osso da boca do cachorrinho assustado. Colocava um aparelho envolvendo-o e aguardava uns segundos para fazer a leitura. De esguelha eu lia: 98% de alguma coisa. Não tenho a menor idéia do que poderia ser, mas mesmo assim ficava muito orgulhoso com meus 98%. Não posso deixar de admitir que é um marco histórico, afinal 98% sempre é 98%. Se fosse 5 ou 8% eu ficaria muito decepcionado. Não tenho estatura para uma marca tão baixa. Eu adorava aquele aparelhinho da minha doutora preferida. Na próxima semana terei que ir a Recife para uma consulta com ela. Tomara que ela diga que estou bem de saúde, com franca recuperação. Vou torcer calado para ela colocar aquele aparelho em meu dedo e eu ler novamente 98%. Vou ficar exultante. Nem quero saber do que se trata para evitar, talvez, uma decepção. Se ela fica satisfeita com a marca, eu fico duas vezes satisfeito. Parece-me que a idade avançada deixa as pessoas menores, pequenas, diminutas. Cansei de ouvir: _Fique sentadinho aí, meu bem. Sua cabecinha está doendo? Deixe-me ver a cor de sua mãozinha. Ele tem as perninhas tão finas! Parece que somos todos os idosos bem pequenos, mirrados, encurtados. Sei que os discos da coluna ficam acomodados, achatados e perdemos alguns centímetros na altura. Eu tinha 1,80 m de altura e hoje não passo de 1,78m. Não estou reclamando nada, apenas constatando. Fui muito feliz com minha altura e o sou agora com dois centímetros a menos. Afinal de contas, com 75 anos para que preciso de mais dois centímetros? Quanto mais alto, maior a queda. No apartamento tinha poderes plenipotenciários de movimentos, de expressão, de vontades. Quer dizer, “de vontades” – mais ou menos, contanto que seguisse a dieta da nutricionista. Comida sem sal, sem açúcar, sem sabor, porém com muitos nutrientes, vitaminas, e outras qualidades intrínsecas desconhecidas de um leigo como eu. Era uma droga de comida, mas me deixava forte e corado. Uma amiga, infringindo todos os regulamentos, levou escondido na bolsa, um bolo de aveia e banana, dizendo que era para Larisa e Dea. Minha mulher veio para Gravatá para descansar um pouco, e remover da nossa casa tudo que lembrasse cigarro e bebida. Esperei Larisa dar um cochilo e pé ante pé fui até a geladeira, agarrei o bolo e comecei a comer, com o maior cuidado para não fazer barulho, quando, sem nenhum aviso, a porta abre e aparece no vão iluminado a figura delineada da NUTRICIONISTA. _O que é que estou vendo? Perguntou rabugenta. Quem foi o inconsciente que trouxe bolo para o hospital? O senhor comendo bolo que sabe que é proibido! E a senhorita! Que bela acompanhante! Deixa o paciente fazer o que quiser! Foi o maior vexame. Eu não sabia onde meter a cara. Larisa, coitada, queria se defender, mas, dizer o quê? Juro pra vocês que nunca mais comi bolo... durante o dia. De madrugada, quando sabia que a nutricionista estava em casa no sétimo sono, Larisa ressonando, eu me levantava e atacava a geladeira. Foi o melhor bolo que já comi em toda minha vida. Três dias depois recebi alta e vim pra casa escrever minhas memórias do enfarte. Estou vivo e continuo comento bolo. Anchieta Antunes - Gravatá – 19/09/13.
Posted on: Fri, 20 Sep 2013 12:37:25 +0000

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