L’Oréal domina o Multiculturalismo Escrito por: Yves L. Doz - TopicsExpress



          

L’Oréal domina o Multiculturalismo Escrito por: Yves L. Doz Hae-Jung Hong No cerne de toda empresa global há uma tensão que nunca é totalmente desfeita: para atingir economias de escala e escopo é preciso certa uniformidade e integração de atividades por distintos mercados. Já servir mercados regionais e nacionais exige a adaptação de produtos, serviços e modelos de negócios às condições locais. Com empresas americanas e europeias intensificando a busca de clientes em economias emergentes, as vantagens da escala global e a necessidade de diferenciação local só vão crescer. Não é fácil chegar a um equilíbrio. Embora certos bens possam parecer comoditizados — geladeiras e máquinas de lavar roupa, digamos —, em geral há variações importantes no modo como são usados. Características técnicas de uma máquina de lavar na Itália, por exemplo, não são exatamente iguais às de uma na Suécia. Já em atividades como a operação de restaurantes e cafés, que parecem ser intrinsecamente locais, fórmulas e marcas globais podem dar certo (Starbucks, Benihana e Wagamama estão aí para provar). A tensão entre integração global e capacidade de resposta local é especialmente forte quando o desenvolvimento e o marketing de produtos exigem um conhecimento complexo. Essa forma de conhecimento — em geral tácito e coletivo, revelado apenas na ação e na interação — costuma ser a mola mestra da vantagem competitiva de uma empresa. O problema é que o conhecimento tácito funciona melhor dentro das fronteiras de um país, quando trabalhadores compartilham um idioma (além de normas culturais e institucionais) e podem se valer de fortes redes interpessoais. Quando não há interação próxima e direta entre criadores e usuários do conhecimento, o elo entre unidades soltas de informação pode fugir à compreensão, tornando o conhecimento inutilizável. Para piorar, quando precisa cruzar fronteiras, o conhecimento tácito volta é meia é reduzido a informações fáceis de transmitir (palavras e números, por exemplo), mas que podem acabar sendo mal interpretadas no destino, algo difícil de perceber à distância. A gigante francesa L’Oréal é um exemplo dessa tensão entre global e local. A empresa montou uma carteira de marcas de várias culturas — francesas, é claro (L’Oréal Paris, Garnier, Lancôme), mas também americanas (Maybelline, Kiehl, SoftSheen-Carson), britânica (The Body Shop), italiana (Giorgio Armani ) e japonesa (Shu Uemura). Hoje, a empresa tem filiais em mais de 130 países. Em 2012, mais de metade do faturamento veio de novos mercados fora da Europa e da América do Norte, sobretudo em economias emergentes (não faz muito, em 2009, só um terço da receita vinha dali). Em 2012, as vendas na região da Ásia-Pacífico subiram 18,4%. Na África e no Oriente Médio, 17,6% (e isso sem aquisições de vulto). Apesar da crise econômica na Europa e na América do Norte, a L’Oréal vem crescendo e conquistando participação de mercado, basicamente à custa de concorrentes. A empresa é a líder mundial inconteste em cosméticos, maquiagem e coloração de cabelos; em xampus e afins, é a segunda maior do mundo, logo atrás da P&G. De 2004 para cá, a receita da L’Oréal subiu 50% e o lucro da empresa quase dobrou; só em 2012, o lucro líquido avançou 17,6%. Mas esse incrível sucesso internacional foi obra, em grande medida, de uma equipe de gestão com fortes raízes na cultura de origem da empresa. Ali dentro, a ascensão de um funcionário aos altos escalões tradicionalmente levava anos. No caminho, o indivíduo tecia uma densa rede de relacionamentos por meio dos quais o conhecimento sobre produtos, culturas e o trabalho em equipe ia sendo interiorizado. Desde sua fundação, há mais de um século, a L’Oréal teve apenas cinco presidentes (incluindo o fundador); à exceção de um deles, todos duraram muito no cargo. E todos eram da casa. Poucos estrangeiros chegavam aos altos escalões da empresa. Lindsay Owen-Jones, presidente de 1988 a 2006, foi um deles. Embora inglês, membros da família fundadora diziam que tinha a “alma francesa” (era “français dans l’âme”). Durante décadas, a L’Oréal foi poucas vezes ao mercado em busca de executivos. Depois de vários anos na casa, essa gente fazia questão de explicar que trabalhava havia muito para a empresa e exibia orgulho do francês impecável. À medida que a tensão entre global e local foi crescendo, a saída encontrada pela L’Oréal para administrar o conflito foi instalar profissionais com experiência multicultural no desenvolvimento de novos produtos, a maior fonte de vantagem competitiva da empresa. Essa estratégia, segundo a alta cúpula, é a principal razão para o fenomenal êxito da L’Oréal em mercados emergentes. No processo de transformação da L’Oréal (que de uma francesíssima fabricante de produtos de beleza passou a ser uma líder global), executivos multiculturais exerceram um papel fundamental no desenvolvimento de produtos. E não só em Paris, mas também em Nova York, Tóquio, Xangai, Rio de Janeiro e Mumbai. Como equilibrar global e local Na L’Oréal, as principais categorias de produtos são altamente sensíveis a economias globais de escala e escopo. Só que, para conquistar clientes, também precisam computar o gosto local. Essa tensão talvez seja mais crítica na marca L’Oréal Paris, que é vendida em mercados de massa ao redor do mundo e responde por metade das vendas da divisão de produtos para o grande público. A L’Oréal precisa, ainda, lançar um fluxo constante de novidades (todo ano, cerca de 20% dos produtos são novos) a fim de ampliar a participação de mercado diante da forte concorrência de rivais como Estée Lauder e Revlon e do braço de beleza de gigantes globais como Unilever e P&G. A L’Oréal, que investe 3,5% do faturamento em pesquisa e desenvolvimento, gasta mais do que todas as principais concorrentes: a Revlon, por exemplo, gasta 1,7% em P&D; a Estée Lauder, cerca de 1%. Ao enfrentar esses desafios, gestores da L’Oréal devem estar cientes de que os produtos da empresa são muito mais do que fórmulas químicas. São símbolos mundiais de moda e sofisticação, e apelam para a autoimagem idealizada do usuário. Inovação técnica e capacidade de se ajustar ao gosto local não devem ferir a marca. Abordagens tradicionais de internacionalização provavelmente não teriam resolvido a tensão entre global e local na L’Oréal. Soluções estruturais, como criar subsidiárias e entidades regionais basicamente autônomas (o que poderia comprometer economias de escala) ou unidades de negócios globais (que poderiam ignorar ricas diferenças culturais de mercado para mercado), não teriam funcionado para a maioria dos produtos da L’Oréal, dada a necessidade tanto de adaptação local como de integração global. Reorientar a empresa em torno de uma carteira ou mais local ou mais global teria significado subordinar o todo à parte e abrir mão de muitas das vantagens de marketing e distribuição da empresa. A única alternativa à internacionalização da estrutura era internacionalizar a equipe de gestão. Foi o que a L’Oréal fez, mas com um toque diferente. A rápida infusão de executivos estrangeiros teria desestabilizado a coesa comunidade de altos gerentes que é crucial para o sucesso da L’Oréal. Montar equipes internacionais — em torno de um departamento ou de um projeto — teria sido igualmente difícil. Equipes culturalmente diversas costumam sofrer da chamada síndrome da Torre de Babel: um membro não entende o que o outro diz e o trabalho em equipe vai para o espaço. A empresa logo percebe que pouco conhecimento está sendo de fato compartilhado; até um conhecimento aparentemente universal e inequívoco, como a matemática, fica sujeito a interpretação. Para enfrentar esses entraves, a saída da L’Oréal foi recrutar e montar equipes em torno de gerentes que, em virtude de sua formação e experiência, exibem familiaridade com normas e comportamentos de várias culturas e podem facilmente alternar entre uma e outra.
Posted on: Sat, 15 Jun 2013 03:37:54 +0000

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