Mais um escrito de colega da Bio sobre o dia 15/10. Nessa uma - TopicsExpress



          

Mais um escrito de colega da Bio sobre o dia 15/10. Nessa uma colega conta como a polícia cercou os manifestantes que se protegeram dentro de uma loja e em seguida em um estacionamento e de lá foram levados para delegacia. É longo, mas é necessário. Gostaria de deixar aqui um pouco da minha experiência no Ato que ocorreu no dia 15/10. É longo, mas acredito que vale a pena. Primeiramente, a manifestação tinha como pauta principal a democratização das universidades públicas e o acesso para todos a uma educação de qualidade. Uma manifestação pacífica e cheia de estudante e professores, afinal de contas era o dia deles. Dia do Professor, Dia do profissional que vai garantir todo o futuro de uma nação, de uma sociedade. Ser professor é ensinar, desde os primeiros anos de vida de um indivíduo até os últimos anos, e mesmo assim continuar num processo contínuo de aprendizagem e de transmissão desse conhecimento. Na minha opinião, a profissão mais importante de todas e que ,sem ela, não existiriam todas as outras. Cheguei no ato por volta das 18 horas, no Largo da Batata, e lá tinham muitos manifestantes e muitos policiais que cercavam aquela praça e que, a priori, estavam lá para” garantir a segurança dos manifestantes “ segundo nosso ilustre governador Geraldo Alckmin. Se não me engano, por volta das 19 horas, o pessoal começou a caminhar em direção à Avenida Brigadeiro Faria Lima e nela caminhamos até entrarmos na Avenida Rebouças. Nesse momento, vi uma divergência entre Black Bloc e os demais manifestantes. Tentei me informar do que estava acontecendo e conversando com o pessoal entendi que os Black Bloc estavam querendo se manter na frente do movimento, para “escoltar” a passeata e servir como Tropa de Choque do movimento e parte dos manifestantes não estavam de acordo com isso, acredito que por receio de eles entrarem em confronto com a PM e isso desencadear toda a truculência que já conhecemos. Deixando bem claro que essa “divergência” foi aparentemente resolvida e a caminhada continuou. Subimos a ponte Eusébio Matoso e uma parte seguiu reto, sentido Francisco Morato (para chegar ao Palácio dos Bandeirantes), outra parte (a maioria) virou na alça que dá acesso à Marginal Pinheiros. Lá estavámos nós na Marginal Pinheiros. Apesar das divergências de pensamentos e condutas entre as próprias pessoas que estavam lá, o ato estava sendo pacífico quando, de repente, fomos totalmente cercados pelos Policiais Militares, tanto por trás como pela frente que começaram a jogar MUITAS (mas muitas MESMO) bombas de gás lacrimogênio. Lembrando que o único local para que houvesse evasão era a loja da Tok & Stok,que estava aberta. A intenção era fugir daquela nuvem de gás e garantir a integridade física das pessoas e, infelizmente, era realmente o ÚNICO local para nos refugiarmos. Começamos a tentar subir pela grade da loja, e obviamente pelo peso das pessoas a grade cedeu.Todos saíram correndo para dentro da loja, que fez questão de abrir as portas para nós para nosso refúgio. Escutava o segurança dizendo “entra, gente, rápido, corre.. eles estão vindo. Pode entrar!” e quando olhei para trás vi bombas sendo arremessadas para dentro do espaço da loja e os policiais correndo e indo atrás de nós. Entramos correndo e fomos saindo pela outra saída, por trás da loja. Não houve depredação da loja, ninguém quis destruir nada; queríamos apenas nos refugiarmos na única opção que tínhamos e os funcionários da loja entenderam isso e foram extremamente solidários. A questão é que tudo pareceu uma grande emboscada ao meu ver. Não havia saída. Digo emboscada pois, segundo um dos policiais, eles apenas estavam cumprindo ordens superiores. Ou seja, quem dá ordens à Polícia Militar? Governador. Ficou parecendo que foi ordenado que se a protesto seguisse pela Marginal Pinheiros, era sinal de que eles deveriam agir. E agiram. As ruas para as quais tínhamos acesso todas chegavam num mesmo local, que era onde estavam os PMs. Corremos muito da polícia, do gás e das bombas e foi aí, então, que encontramos um estacionamento que estava relativamente vazio no fim da rua. O segurança do local permitiu que entrássemos lá e por lá ficamos, eu e mais 50 pessoas esperando que o tumulto passase e tentando nos recompor. Depois de alguns minutos, um helicóptero da Polícia Militar ficou sobrevoando o estacionamento e passando o holofote por todo aquele território insistentemente. Logo em seguida chegaram MUITOS policias, entraram no estacionamento e comentaram: “quer dizer que estamos com os detidos aqui?” e logo em seguida ordenaram (lê-se berraram) a todos para que ficassem parado e deitassem no chão de barriga para baixo. Um rapaz, que já estava deitado no chão, levou muitas borrachadas de um policial e eles só não continuaram batendo no cara porque outro policial pediu que parasse. O rapaz ficou com marcas do cassetete nas costas e no braço, lembrando que em nenhum momento desrespeitou o policial, pelo menos dentro do estacionamento. Chamaram a gente de “filhos da puta”, “cuzão”, “seus bostas” e daí para baixo, o que eu dispenso de citar. Levaram a gente, em fila indiana, para fora do estacionamento e falaram para nos sentarmos no chão, enquanto chegavam mais de 10 viaturas, que iriam nos levar até a DP. Enquanto esperávamos, havia uns 50 policiais (chute meu) em fileira, encarando a galera, enquanto passavam advogados de um lado para outro, jornalistas, fotógrafos e ali, naquele momento, o caos se instalou e tudo que passava na minha cabeça era de que iriam abusar de nós (moralmente ou fisicamente) de alguma maneira e que eles não perderiam essa oportunidade. Um dos nós, detidos, ouviu conversas de policiais dizendo que era mais fácil fuzilar todo mundo e pronto. Ouvimos um policial falando que era para ficarmos calmos ( a gente só não sabia como), que ele conhecia e tinha amigos que estudam na USP, mas que de qualquer maneira a gente ia ser levado até a delegacia. Nada tranquilizava, aliás, eu estava a cada minuto mais tensa e me sentindo vulnerável àquela situação. Medo, angústia, sentimento de revolta, de impotência definem bem aquele momento, que com certeza nunca mais será esquecido por mim. Imagina quem vivencia isso todos os dias nas favelas espalhadas pelo nosso país? Éramos, na grande maioria, brancos, pertencentes à classe média/alta, estudantes e professores e lutando por uma causa muito justa. Imaginem o que não sofre uma pessoa negra, pobre, sem estudo, sem amparo da sociedade : o que elas não sofrem no dia a dia? Uma tortura diária, uma repressão, uma truculência que está impressa na vida de cada uma daquelas pessoas, sejam elas honestas ou não. Merecem isso? Nós merecemos isso? Essa é a segurança que queremos e pela qual reivindicamos todos os dias? A Polícia Militar sem dúvida não me protegeu em nenhum momento durante a manifestação. O grupo em si se protegia por si só. Eles se protegem entre eles e protegem os que mandam neles. Bom, entramos no camburão e, pelo menos no carro que eu estava, tinha professor, alunos de diferentes universidades e um camelô (que estava vendendo capas de chuva durante o ato). Chegando na 14ª DP por volta das 21 horas, pegaram diversos dados pessoais nossos, tiraram foto de nós individualmente. E ficamos esperando horas para darmos depoimento um a um. Enquanto isso, tivemos oportunidade de conversar com os advogados ativistas que estavam completamente dispostos a nos ajudar e orientar da melhor maneira possível. Um trabalho admirável. Alguns dos advogados acompanharam de perto o protesto e estavam lá para nos amparar. Conversei com delegados, advogados e investigadores e aprendi muitas coisas da área judiciária, foi um aprendizado fantástico, apesar das circunstâncias serem pouco agradáveis. Eu consegui dar meu depoimento por volta das 2 horas da manhã do dia seguinte (16/10/13): perguntaram-me o que eu fazia, que curso, que universidade, se eu representava algum partido político, como eu fiquei sabendo da manifestação, se eu fazia parte do Black Bloc, se eu entrei em confronto com a polícia, se eu vi abuso de qualquer tipo e se vi pessoas serem agredidas, se entrei na Tok & Stok. Advogados nos acompanharam durante o depoimento e deram apoio até que saíssemos da delegacia. Sai de lá por volta das 2:30 da manhã e fui a penúltima a sair. Todos que estavam na 14ª DP foram liberados. Nas demais, outros não tiveram essa sorte. Saíram fotos nos jornais de nós no paredão, nas viaturas. Muitas mídias deturparam muito diversos fatos, outras nem tanto. Poucas realmente dizem a verdade. A maioria diz apenas o que vai vender mais. E fazem isso com grande primor. De acordo com o grupo de Advogados Ativistas, a atitude da polícia em nos deter ali no estacionamento foi totalmente ilegal e inconstitucional, pois não nos pegaram em flagrante. Disse também que podemos escrever uma carta em conjunto esclarecendo a situação,mas ainda não entramos em detalhes para saber como isso será feito e onde chegará este documento. Ali, qualquer pessoa que estivesse passando na rua, se sentindo em situação de perigo e que tentasse se proteger de alguma maneira no estacionamento, sofrefria todas as consequências que nós, manifestantes, sofremos. Teoricamente, os policiais partiram do pressuposto que todos nós que estávamos no estacionamento fazíamos parte do Black Bloc e que todos ali eram uns ”baderneiros” sem causa. Na delegacia, o discurso e a cordialidade mudaram um pouco, fazendo passar a idéia de que eles eram super “compreensíveis” e tentaram passar muitas vezes uma imagem “amigável”, apesar de não pararem de nos encarar a todo momento. Pra finalizar, gostaria apenas de falar qual é a minha conclusão: Estava naquela manifestação por uma causa mais que justa. Estamos falando de democratização e de educação, e acredito que elas andam juntas. Aquilo foi um dos momentos mais tensos da minha vida, nunca tinha visto nada parecido e muito menos vivenciado. Nunca tinha entrado numa delegacia, nem em um camburão e nem visto tantas armas tão de perto. Apesar da truculência, das corridas, dos olhares aflitos, dos olhos lacrimejantes, das cabeças baixas, dos gritos, dos choros, nunca me arrependerei do que fiz e nem me esquecerei do que estava fazendo lá e qual era o nosso objetivo. Agradeço ao grupo todo que ficou na frente da delegacia até que todos saíssem, dando um grande apoio. E acho que tudo isso vale para uma reflexão e uma discussão muito maiores sobre as pautas da manifestação, mas principalmente sobre que segurança é essa que o nosso país tem? Estamos protegidos? Nada de melhor pode ser feito ? Nada pode mudar? Será que nada nunca muda? Tem que ser sempre assim? Até quando? Segurança pra quem? Por que tanta truculência com toda aquela gente que estava no direito de se manifestar pacificamente? Black Bloc não é justificativa para nada do que ocorreu. Na realidade, acredito que falar que eles acharam que nós eramos do Black Bloc é uma grande desculpa para toda a repressão causada pelos policiais. E pra quem acha que na hora que soltaram as bombas eles ( Black Bloc) correram. Não, eles estavam lá, na frente de todos e combatendo firmemente a atitude policial absurda. Visto tudo isso, o que a gente precisa é de democracia e que a dignidade e a luta das pessoas sejam respeitadas. Em resposta ao que ouvi na delegacia (policiais e delegados tirando sarro dizendo “pode ficar tranquilo que amanhã vai ter educação, saúde e segurança pra todo mundo. Vou pagar só 200 reais na faculdade do meu filho (muitos risos) “) digo que sabemos muito bem o quão difícil é mudar as coisas neste país que ainda privilegia quem já é cheio de privilégios e que essas mudanças são feitas passo a passo. E existem jovens caminhando e lutando pelos direitos da sociedade todos os dias. E esses jovens são os nossos amigos, os estudantes das universidades, trabalhadores que além de fazerem tudo isso, arranjam tempo de alguma maneira para defender nas ruas toda a população, lutando por um país um pouco mais justo. Por isso, mais amor e mais respeito para com as pessoas que estão tentando fazer algo para melhorar a vida do coletivo. E desculpe o transtorno; é por uma boa causa.
Posted on: Fri, 18 Oct 2013 12:09:32 +0000

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