Miguel Monjardino, "Os Açores precisam de uma nova bússola - TopicsExpress



          

Miguel Monjardino, "Os Açores precisam de uma nova bússola estratégica," Diário Insular, 7 Julho 2013 2013 está a ser o ano em que a orfandade estratégica dos Açores se tornou clara. O sentimento de abandono por parte de Washington é evidente. Os decisores regionais e os partidos políticos apelam à defesa dos interesses dos Açores e dos trabalhadores portugueses na Base das Lajes na negociação com Washington sobre a redução do contingente militar norte-americano. Os jornais estão cheios de notícias e colunas de opinião sobre o interesse da China – um país que fica do lado de lá do mundo e não tem uma única base no estrangeiro - em ter uma presença militar nas Lajes, uma possível aliança com o Brasil e o aparecimento de novas potências interessadas nos Açores. De indispensável do ponto de vista estratégico, a região parece ter passado a ser marginal, fraca e vulnerável. Chegou a altura de começarmos a recuperar a nossa bússola estratégica. Fazer isto exige compreender que estamos a ser influenciados por três acontecimentos ao mesmo tempo – a evolução da grande estratégia e do posicionamento militar dos EUA, o crescimento da globalização no Atlântico e as incertezas e dúvidas em relação ao futuro da zona euro e de todo o processo de integração europeia. O primeiro ponto é o que tem gerado mais discussão, apreensão e diligências políticas regionais em Lisboa e Washington. A globalização no Atlântico e as incertezas em relação à situação europeia são normalmente ignoradas nas nossas conversas sobre o futuro da região. É um erro fazer isto. O futuro geopolítico e geoestratégico dos Açores dependerá da maneira como o triângulo EUA-globalização-Europa evoluir. Dependerá também na nossa capacidade de ler o que está a acontecer, da nossa visão, recursos e meios e capacidade de concretizar os nossos objectivos. Começando pelo primeiro ponto, a grande estratégia da administração Obama parece-me ser claramente defensiva. Washington, obviamente, não quer abdicar da sua posição de primazia internacional mas é agora muito mais cautelosa. O realismo, a prudência e o cepticismo de Barack Obama e dos generais no Pentágono em relação a intervenções militares no Médio Oriente e na Ásia têm sido evidentes nos últimos anos. As sondagens mostram que a maioria da opinião pública apoia esta orientação estratégica. A política externa norte-americana privilegia agora muito mais as suas alavancas ao nível da economia, comércio e finanças internacionais. As dificuldades orçamentais são reais em Washington. Uma das frases mais usadas no Pentágono e no Congresso hoje em dia é “Não é o preço, é o dinheiro. Não temos o dinheiro.” Numa situação destas, fazem-se escolhas claras a nível externo. Especialmente quando a esmagadora maioria dos membros da Câmara dos Representantes e do Senado não aceitam as recomendações do Pentágono para encerrar uma série de bases e instalações militares em território norte-americano e reduzir os custos da saúde com os veteranos. Ao nível que nos interessa, a escolha da administração Obama tem sido privilegiar Madrid em detrimento de Lisboa e dos Açores. No Pentágono, a avaliação que foi feita das necessidades logísticas norte-americanas e a evolução da tecnologia tornou a Espanha bem mais atraente do que Portugal em termos militares. A base de Rota no sul de Espanha é vista agora como essencial para o trânsito do poder aéreo dos EUA que usa o corredor central para atravessar o Atlântico. As Lajes são desde há alguns anos uma base secundária, uma Bela Adormecida militar, que apoia e complementa Rota. A viragem da política externa espanhola na direcção de Washington tem contribuído para acentuar a actual marginalização de Portugal. No final do seu mandato em 2011, José Luiz Zapatero fez uma opção estratégica – apoiou o programa de defesa anti-míssil norte-americano na Europa quer foi negociado na cimeira da NATO em Lisboa. A parte naval deste sofisticado programa militar ficou colocada em Rota. A transferência de quatro fragatas com o sistema Aegis da costa leste dos EUA para Espanha custará cem milhões de dólares e criará de forma directa e indirecta cerca de mil novos postos de trabalho. Na base espanhola ficarão mais 1239 militares americanos e à volta de dois mil familiares. O recente acordo entre os EUA e a Espanha para o estacionamento de uma força de reacção rápida de fuzileiros apoiada por meios aéreos próprios na base espanhola de Móron de la Frontera confirma apenas a crescente importância estratégica de Madrid para Washington no que diz respeito ao sul da Europa, Mediterrâneo, norte de África e Atlântico. O segundo ponto a ter em conta é a crescente globalização ao nível económico e energético do Atlântico. O Atlântico está em paz há várias décadas. A Guerra Fria acabou em 1989. Os EUA e os seus aliados europeus são senhores dos mares e não está no horizonte de ninguém uma guerra pelo domínio da Europa continental ou uma disputa pela supremacia aero-naval à volta dos Açores. Vale a pena acentuar este ponto. Os pressupostos em que assentam as nossas conversas sobre o momento que estamos a viver assumem que o controlo aéreo e marítimo do Atlântico está em causa e que o oceano está cada vez mais fragmentado do ponto de vista económico. Basta olhar para o mapa e para os fluxos comerciais e energéticos para compreender que estes pressupostos estão obsoletos. Nos últimos vinte e cinco anos, aconteceu exactamente o oposto. O que está à nossa frente é uma região euro-atlântica que representa quase metade do produto mundial e trinta por cento do comércio internacional. O ano passado, por exemplo, o comércio entre europeus e americanos chegou aos 650 mil milhões de dólares. Os países europeus investiram oito vezes mais nos EUA do que na China e na Índia. Washington, por sua vez, investiu três vezes mais na União Europeia do que na Ásia. O Atlântico é a zona mais integrada do mundo em termos comerciais e financeiros. O início das negociações de uma Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento amanhã em Washington é uma tentativa da Casa Branca e das capitais europeias integrar ainda mais esta região ao nível económico e proteger a posição euro-atlântica ao nível da gestão das regras da globalização. Dois exemplos mostram como é que o Atlântico está a mudar do ponto de vista geopolítico. A passagem do Noroeste no Ártico é vista como uma grande oportunidade por russos e chineses até ao fim desta década. Vale a pena olhar para o relacionamento da Islândia com Pequim. Mais a sul, temos o alargamento e entrada em funcionamento do Canal do Panamá em 2015. O novo canal dará mais oportunidades a muitos países da América Latina de se integrarem nas cadeias logísticas da globalização, permitirá ao Panamá transformar-se numa Singapura regional e tornará bastante mais curtas as viagens para a Ásia e a Europa. As consequências para os EUA serão quase de certeza muito interessantes. Os investimentos que estão ser feitos nos portos de Nova Iorque, Nova Jersei, Baltimore, Charleston, Savannah, Jacksonville e Miami mostram-nos como é que a nova geografia da globalização está a mudar o sul e o leste do país. A prosperidade e a importância geopolítica do Panamá explicam o sonho da Nicarágua construir um canal com financiamento chinês. Tudo isto terá consequências importantes para os portos e plataformas logísticas na América Latina, Europa e África ocidental. É aqui e não na verdadeira miragem de uma presença militar de Pequim nas Lajes que veremos cada vez mais investimentos por parte de empresas chinesas e de outros países. A globalização do Atlântico coloca Portugal numa excelente posição do ponto de vista geográfico. Finalmente, temos a situação da zona euro e todo o processo de integração europeia. Este tem sido o ponto mais ignorado nas nossas conversas estratégicas sobre os Açores. Imagino que a desintegração seja considerada impossível pelos decisores políticos e opinião pública. Na realidade, o futuro da zona euro é incerto. A história europeia mostra-nos que os processos de integração podem acabar por causa de rivalidades estratégicas ou relutância das sociedades abdicarem de coisas que consideram essenciais ao nível político, económico e cultural. A sobrevivência da zona euro exigirá escolhas muito difíceis para Portugal (e também, embora por razões muito diferentes, para a Alemanha). Ficar na zona euro significa, entre outras coisas, mudar definitivamente todas as regras e a prática política e económica nacional. Estas escolhas só serão possíveis depois de um debate estratégico. É apenas uma questão de tempo para que isto aconteça em Portugal. Tendo em conta o que está em jogo, os Açores deverão preparar-se e participar activamente neste debate. O momento de pontuação na história europeia que estamos a viver tem consequências óbvias na relação com os EUA. A crescente hegemonia e indecisão alemã está a levar muitas capitais europeias a olhar cada vez mais para Washington como uma opção geoestratégica para ganharem margem de manobra ao nível da sua política externa. Lisboa é apenas uma das capitais que está a fazer este caminho mais ou menos silenciosamente. Isto explica a actual dificuldade dos decisores e diplomatas nacionais equilibrarem esta opção geoestratégica com um discurso público reivindicativo a propósito das Lajes. O dilema português é obviamente bem conhecido numa capital norte-americana que olha para Berlim como um aliado essencial a nível político e económico. A sobrevivência da zona da zona euro e da integração europeia poderão consolidar este processo de marginalização militar dos Açores. O final da zona euro teria o efeito oposto. Dividiria profundamente a Europa mas tornaria os Açores outra vez essenciais do ponto de vista estratégico. A bússola estratégica dos Açores deverá ter em conta três coisas. A primeira são as opções dos principais actores estratégicos e económicos no triângulo EUA-globalização-Europa. A segunda é a surpresa. Há coisas que sabemos que não sabemos e que terão consequências muito importantes para o futuro estratégico dos Açores. A mais importante é o futuro da zona euro. Também não sabemos, por exemplo, como é que um Norte de África e um Médio Oriente diferente e muito mais volátil daquele que conhecemos vai funcionar na próxima década. Além disso, há coisas que não sabemos que não sabemos. A política internacional é feita destas surpresas e da capacidade de nos adaptarmos a elas. A terceira coisa a ter em conta tem andado algo esquecida mas é essencial. Qual é a nossa visão para o Atlântico? Que meios temos? Como é que vamos concretizar os nossos objectivos? Se não começarmos a ter respostas para estas perguntas, ficaremos entre os sonhos e os desejos e completamente dependentes de terceiros. As primeiras versões deste artigo foram publicadas nas colunas “Globalização avança a sul” (8 de Junho), “Uma oportunidade única,” (18 de Maio) e “A tenaz estratégica” (4 de Maio) no Expresso.
Posted on: Tue, 09 Jul 2013 16:42:40 +0000

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