Não me lembro bem, acho que era madrugada de 2° para 3° feira. - TopicsExpress



          

Não me lembro bem, acho que era madrugada de 2° para 3° feira. Naqueles tempos a agitação era tanta que era difícil distinguir os dias da semana. A média era de duas grandes manifestações por semana, separado por várias manifestações menores, além de assembleias, plenárias e mesas de bar que tratavam do tema. Tinha rolado uma manifestação na Avenida Brasil, finalmente, a tão sonhada vontade de parar a grande artéria democrática que corta esse estado do Rio de Janeiro. Como era de se esperar em qualquer dos tempos, a repressão chegou rápido e a cavalo. Choque, PM, Exército e BOPE apareceram pra ostentar o seu poder performático e direto. Quem estivesse na rua era alvo. Se fosse só essa polícia institucionalizada era mais tranquilo, mas o problema mesmo era a polícia ideológica e comportamental que vinha pouco a pouco se instaurando e ganhando cada vez mais força dentro das passeatas. Um pessoal que resgatava gigantes da época ditadura e, sabendo ou não, reproduziam ideias que teriam caído no gosto de Fernando Collor e Cia. Iam de branco ou verde e amarelo, e perseguiam comunistas, socialistas e todos aqueles que portassem blusas ou bandeiras vermelhas que indicassem relação com os partidos de esquerda. Assim como reprimiam comportamentos que eles consideravam violentos. Então além da militar, os outros dois grupos bem definidos dentro das passeatas eram os pacifistas (os quais acabo de me referir) e os vândalos. Os vândalos eram esses que estavam na linha de fogo entre as polícias. E quem eram eles costumava-se perguntar. A mídia os definiu de diferentes maneiras e em diferentes momentos, como ela costuma fazer. 1° todos eram vândalos, depois que gostaram do discurso pacifista de brasil e sem violência, começou a exaltar os pacifistas que eram contra corrupção e perseguir os vândalos que estavam lá só para fazer baderna e cometer assaltos. E não demorou para serem considerados por todas as polícias (militares, pacifistas e midiáticas) como oriundos das periferias, de baixa renda e escolaridade. Então vândalos deixaram de ser aquelas pessoas sagazes que por sadismo ou forma de expressão resistiam as empreitadas violentas da polícia no centro e em resposta e resistência queimavam carros, depredavam patrimônios públicos, mcdonalds e bancos, para além disso, serem também os ladrões que participavam da onda de assaltos e arrastões por toda cidade. Como a quantidade de informação era imensa pela internet e no boca a boca fica difícil saber quem de fato estes eram. No meu ver, é a coisa mais natural do mundo esperar que no meio de 100 mil ou 1 milhão ou 20 pessoas, na hora que algo acontece, cada um tome uma posição de acordo com seus astros ou sua personalidade. Não precisamos de fogo e balas de borracha pra saber quem vai e quem não vai para o confronto físico. Quem joga futebol ou faz algum esporte coletivo sabe que cada um tem um comportamento à sua maneira, e que o nível de doação física ou intelectual para aquilo é muito relativo de pessoa pra pessoa. Achava um absurdo exigir de cada um o mesmo comportamento. E pra quem foi até as zonas de conflito sabe muito bem que boa parte dos vândalos tinha um senso de equipe muito grande. Nos confrontos diretos, em diferentes momentos, foram eles os responsáveis por proteger boa parte dos pacíficos que se tivessem ficados sentados no chão teriam tomado belas borrachadas. Meu irmão e amigos no dia 20 de junho de 2013 na Presidente Vargas deixaram de passar perrengues maiores graças a um grande cartaz da Coca-Cola que foi rasgado pelos vândalos, sob vaias e gritos de sem violência por parte de pacifistas e sob a mira das armas de efeito moral da polícia, para ser colocada no meio da pista da avenida e incendiada fazendo uma grande barreira de fogo que freasse o ataque do Choque. Foi ali, graças daquela chama de ódio que muitas pessoas conseguiram se livrar daquele inferno. Então, na minha cabeça, aqueles que eu vi lutando lá na frente, resistindo a polícia, podiam ser qualquer pessoa que tenha essa necessidade física e mental de ir para o confronto direto. Trabalhadores em grande maioria, e claro, jovens procurando a forma ideal de se expressar e de registrar seu discurso no tempo e no espaço. Pra quem tem a voz abafada durante anos ou não a tem, escrever nas paredes brancas e centenárias do passo imperial ou encurralar a PM do rio de janeiro dentro da ALERJ é um ato muito mais eloquente do que tão somente vândalo. Isso é reduzir a potência discursiva de tais acontecimentos. Eu não preferia um modo de se expressar ao outro, só achava errado marginalizar um e exaltar o outro como forma correta/ideal de se manifestar. Bato palma pra quem senta na frente de um caveirão com a bandeira do Brasil. Só acho que isso só funciona no centro e na praia. Pois a gente sabe que nas favelas um caveirão significa um "salvasse quem puder" e esse é sim um instrumento exterminador de jovens de periferia, em grande maioria negros, da cidade. Não existe violência por parte de pessoas sem armas de fogo contra um tanque de guerra urbano. No máximo algum tipo de violência. Outra coisa que me revoltou na Presidente Vargas foi a violência planejada contra partidos de esquerda. Covardemente foram juntados em plena avenida. O que aquilo queria dizer? Muita gente remetia as ideias de Collor de por abaixo as bandeiras vermelhas e acima as verdes e amarelas, e isso sim, de fato, estava acontecendo. Era de fato uma manipulação da direita ou uma casualidade histórica? Era difícil imaginar que aquele multidão estivesse servindo de massa de manobra para a direita, ao mesmo tempo que era difícil acreditar que não tivesse sido contratada e estratégica aquela violência organizada. Eu sempre me considerei apartidário e também nunca fui fã das várias bandeiras lá na frente, afinal as passeatas que fui entre 2009 e 2012 eram bem diferentes das que fui em 2013. Antes eram com bem menos gente, e no meu ver as bandeiras de fato faziam um volume tão grande lá na frente que davam a entender que eram passeatas dos partidos. E também porque não acho que o partido seja mais a única forma de organização e representação política existente. Por isso em vez de me vincular a um e ter que aturar aquela linguagem que pra mim sempre foi muito entediante, eu preferia pirar em outras possíveis formas de organização e manifestação política. O que me foi uma rasteira quando vi em 2013 essas manifestações terem dentro delas esses núcleos fascistas de perseguições a partidos de esquerda. Se antes eu era contra bandeiras, a partir dali era mais contra ainda a proibição dessas em qualquer ato político, não só pelo direito democrático como também pelo respeito no histórico das lutas nesse país no qual os partidos tem grande participação de formação e construção. Na minha cabeça somos todos bandeiras, então seria uma solução todos levarmos bandeiras, e não proibir umas ou outras, ainda mais utilizando-se da violência organizada para tal. Muitos falavam sem violência e em seguida gritavam palavrões para os vândalos e enfiavam a porrada nos partideiros. O sem violência era para com a polícia. EU não conseguia entender bem aquilo. Sabe-se que na polícia assim como no presídio nem todo mundo é bandido. E isso serve para qualquer lugar, as representações e estereótipos não sentem e achatam as diferenças. Mas a polícia do rio é de fato muito violência e eu não consigo imaginar em que mundo vive uma pessoa que não tem dimensão disso. No meu ver, a violência, infelizmente, é uma coisa natural dos homens. E no dia de 17 de junho na ALERJ fiquei surpreso ao saber que só haviam sido mandados 150 policiais para o local sabendo que pela Rio Branco se encaminhavam nada menos que 100 mil pessoas e que naquelas redondezas existem batalhões da PM e do CHOQUE. Como não parar pra pensar a respeito disso? Aos poucos a delícia de fazer parte de um momento revolucionário histórico se transformava no medo de fazer parte de um golpe de governo histórico. Se eu sou PT ou fanático pela Dilma e Lula? Não, claro que não, nem poderia, em 2002 quando Lula finalmente ganhou as eleições para a felicidade de minha mãe, o meu sonho ainda era ser jogador de futebol. Mas minha relação com eles sempre foi boa. Eu consegui entender que os acessos tinham aumentado pra quem não os tinha, e que daqui há 15 anos eu teria em vista e em grande escala o resultado desses programas atacados como populistas, paternalistas, etc. Quero que se foda! A classe média pira! E eu confesso que sinto um prazer com isso, mas o que me importa mesmo é que Meus filhos terão aulas com professores negros ou de origem popular formados nas melhores faculdades deste país. O direito e o acesso ao conhecimento intelectual e ao consumo de bens materiais empodera o país que está no horizonte. Amanhã veremos o resultado disso tudo. O discurso com os 5 pactos da Dilma e propondo uma reforma política que envolva a participação popular fez pirar ainda mais a oposição. Eu gostei. E lá nas passeatas que fui eles também foram alvos de ataque. A globo gosta e direciona a massa para um discurso anticorrupção que se refere diretamente ao mensalão do PT e nada mais. A Veja comemora a queda de 8 pontos de Dilma no Ibope. Eu novamente paro pra pensar, e receio estar fazendo parte de uma grande emboscada. Não acho o governo do PT ideal, claro que não!, mas ele ainda me reserva um certo prazer. E outra, sem dúvida uma bandeira vermelha de estrela quase apagando, do que um tucano sorridente vestido de verde e amarelo. Essa é minha triste realidade na política partidária: Ficar com o que eu acho menos pior, em vez de lutar pelo o que eu acho ideal. É, realmente na política partidária minhas esperanças são menores. Não tem jeito. Voltando à Avenida Brasil lotada. Eu estava meio atordoado pelas semanas mal dormidos e o peito comprimido pelos gases e sprays disparados pela polícia. A vida desde o 1° ato era uma manifestação contínua. Andava-se nas ruas com receio de ser abordado por alguma polícia ou de ser procurado pela internet. Eram tempos de censura e obscuridade. Em SP um grande amigo tinha sido preso logo na grande manifestação por lá, e aquilo tinha mexido comigo de uma forma diferente. Não queria que ninguém fosse preso ou machucado. Eu via na Brasil meus amigos fotógrafos fazendo suas coberturas de vídeo e foto. E a distância admirava a sagacidade e talento deles que durante semanas cobriram todas as manifestações. Os amigos que fiz na Maré estavam todos lá e naquela região ali eles estavam em casa. As imagens mais uma vez viriam em alta qualidade. Já imaginava meu compartilhamento nas redes sociais. Vi também os parceiros do hackerativismo que na minha cabeça são e serão os grandes gênios do século XXI. Os guerreiros de braços finos. Era emocionante ver o Rio desaguar na sua principal artéria, tendo consciência que legitimar a Brasil como lugar de vida e não só de passagem era legitimar uma nova percepção de estado que engloba outras forças, da Baixada ao Centro, passando pela zona oeste e norte. Estava em transe até começar a sequencia de bombardeios. As ondas de pessoas desesperadas que iam e voltavam correndo, como o refluxo das ondas no mar. O desespero é um grande inimigo nessas horas. Muitas pessoas caiam no chão e se machucavam. As coisas se desenhavam rápido, os pacifistas se sentavam e levantavam as mãos, enquanto os vândalos molhavam de vinagre a camisa que cobria o rosto. Ia começar tudo de novo. Os que gostam de ficar, ficariam, e os que gostam de vazar, vazariam. Caveirões ali faziam parte do cenário. Eram como árvores numa floresta. A favela estava lá. Mas é claro, aonde a favela não esteve na história do Rio de Janeiro? A favela nunca dormiu. Eu peguei fui metendo o pé, como faço quando começa a correria, o grita grita, e a trocação de fogo. Por que eu sempre meto o pé? Porque é assim, ninguém tem que contrariar os seus instintos. No futebol eu não gostava tanto de correr, nem de participar de encontrões físicos, preferia fazer a bola correr, mas nunca deixei de afirmar que era de fato um esporte violento. E que quem não bate, apanha. Senti saudade da minha namorada na hora também, queria ela comigo ali e também não. Nessa horas prefiro estar sozinho pra caso dê alguma merda, e também porque me preocupo mais com ela que comigo. Mas na verdade eu só queria ela perto, pra poder abraça-la e contar-lhe as coisas que só digo à ela ou a um papel. Olhar-lhe nos olhos e ve-la pensar. Prefere escutar do que falar, mas quando fala me faz pensar. Queria ela comigo. Ela é minha bandeira do amor. A minha luta por acreditar no amor. Nas manifestações eu gostava de olhar os cartazes e o campo de diálogo que eles estabelecem. Os gritos acho que poderiam ser mais legais. Assim como acho que devia se pensar mais a performance. Temos que quebrar os símbolos e os gestos preparados. Se a polícia vê alguém com a camisa na cara ela mete bala, mas se ela vê um palhaço, um telletubie ou um power ranger vermelho no front, ela faria o mesmo? Acredito que não. O discurso clama por uma performance. Os vândalos são performáticos, e os pacifistas também. Ambos legítimos. Eu meti o pé e fui pro Hotel da Loucura dormir. Não dava pra voltar pra Tijuca. O Hotel da Loucura fica dentro do Instituto Nise da Silveira, o Hospício do Engenho de Dentro. Alguns parceiros e parceiras de manifestação também foram se refugiar lá até a manhã seguinte. Alguns foram ver na TV a cobertura, mas como era na Avenida Brasil não havia cobertura nenhuma. O resumo da ópera viria através de alguma manchete de jornal no dia seguinte fazendo o recorte de qualquer coisa como eles sempre fazem. Eu fiquei no corredor do Hotel esperando o sono chegar, sabendo que ele não viria. Sentado no chão eu lia aquelas várias frases escritas por gente de tudo que é lugar desse país e que acredita em mudança registradas naquelas paredes. Não demorei a remeter aos cartazes das passeatas. Aquele corredor ali é em si uma manifestação eternizada no concreto. Pensei no Norte Comum e na minha condição de manifestante do cotidiano. Todo dia uma nova passeata quando acordo e vou pra rua falar que eu quero ser feliz e me sustentar fazendo as coisas que acredito serem importantes pra ajudar a reduzir as desigualdades sociais e a viver num mundo mais justo e mais divertido. Lembrei dos meus parceiros de luta do dia-a-dia, são muitos, uns vândalos e outros pacifistas, todos performers, mas se respeitam nas suas diferenças e formas de luta. Uma manifestação todo dia, um espírito manifestante que não pode sair da gente nunca. Um espírito que não abaixa a cabeça diante do patrão e nem das injustiças sociais. Um ser que é em si, a todo momento um histórico de lutas, uma bandeira. A luta começa na tua esquina e acaba na multidão. Na madrugada de 2° para 3° feira eu acordei com os mosquitos, militantes da insônia me tirando da cama pra escrever esses ideias tortas que apontam pra um mundo novo que se constrói. Não tenhamos medo de desenhar algo diferente. O importante é ficar de pé e resistir, como as casas nas favelas feitas pelos melhores engenheiros e arquitetos que esse país já viu. Não tenhamos medos de experimentar esses novos modos de desenhar a vida.
Posted on: Tue, 25 Jun 2013 06:27:15 +0000

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