Não é um pé no saco essa gente que adora dar uma acepção - TopicsExpress



          

Não é um pé no saco essa gente que adora dar uma acepção poética a certos objetos, astros, figuras etc. de forma muitas vezes exagerada, mesmo sabendo que aquele ser não transmite para si absolutamente nada de profundo e subjetivo? Ora, nenhuma existência observada (seja terrestre ou mesmo espiritual, caso você acredite) tem uma substancialidade poética per si. A poesia não está aí; a poesia está na investigação sincera de determinados sentimentos ou situações concretas, nas quais aquela coisa em particular também compunha o quadro de algum jeito. Por exemplo: A lua. Por mais que a lua seja bela, o que nos permite retratá-la poeticamente? O fato de ela nos remeter a situações concretas que, para nós, são de certa importância existencial, mesmo que bobas. Digamos: o Fulaninho deu seu primeiro beijo na Fulaninha durante a noite, e a lua estava sendo contemplada por ele naquele momento; agora, toda vez que Fulaninho vê a lua ele lembra da Fulaninha. Ou, quem sabe: o Fulaninho encontrava-se num estado de pura depressão, saiu para tomar ar e deu de cara com uma lua enorme, amarelada, compondo magistralmente uma paisagem lúgubre. Percebam que, em diferentes casos, um dos componentes do instante pode ser o mesmo, mas pode surtir efeitos variados, de acordo com os demais agentes que o compõe e, também, do estado de espírito daquele que o vivenciou. No primeiro caso do Fulaninho, a lua inspirava-lhe bons sentimentos; no segundo, agravara-lhe a melancolia, provavelmente. Outro exemplo: a beleza feminina. O que há de tão mágico num par olhos verdes ou seios fartos, num belo sorriso ou numa bela voz? Nada. Afinal, não são todas as mulheres com essas qualidades que lhe tiram o sono, hã? Se fossem, nenhum homem jamais dormiria. A poesia, então, não serve necessariamente para descrever uma mulher, mas, mesmo que implicitamente, descrever a sensação que se teve ao contemplá-la, contemplar suas características que, por alguma razão patente ou fugidia, lhe chamou verdadeiramente atenção, apesar de existirem milhares e milhares de outras mulheres de características semelhantes ou até idênticas. Quando você busca retratar poeticamente determinado ser ou objeto, sem que ele tenha tido qualquer função existencial prática na sua vida ou diretamente na sua alma (e geralmente se faz isso para satisfazer aquela voz interior, a voz da vaidade, que grita por não se conformar em não ser rapidamente um grande artista, como aqueles que o sujeito lê), o resultado é postiço, é sem graça, é banal, gay, sem sentido e completamente dispensável. O primeiro passo é sempre a sinceridade consigo mesmo. Sem isto, tudo o que escreva será apenas lixo.
Posted on: Mon, 09 Sep 2013 03:05:28 +0000

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