O milagre da vida Algures, na encosta da vetusta serra Que o sol queimava e a neve congelava Na alternância das estações do ano, Estabelecera domicílio a rocha mais velha da terra. Ferida pela idade e fendida pelas sequelas Da brutal amplitude térmica, No seu corpo esventrado estabeleceram-se grutas e cavernas; E até uma nascente, profunda, cantarolava, Por entre as fendas do seu corpo mal tratado. Cume descabelado e triste, Onde a erosão e o deserto há séculos fixaram o seu domínio, Ninguém suporia que outra coisa exista e sobreviva, Em ambiente de tal desolação!... Prenúncio de abandono, onde nem a morte se atreve No rescaldo do calor infernal Ou debaixo do profundo manto de neve, Que fique para sempre relegada à sorte da secular solidão!... Mas, ó milagre inaudito! Quem ousará lançar o interdito sobre o mais inóspito lugar? Eis que, de uma fenda escondida e estreita, Longe da vista, num lugar inacessível, Crescia, gracioso e inconfundível, um amor-perfeito. A vida é sempre uma surpresa: Emerge, espreita, pula, dança, chora e grita, Onde menos se espera. António Poças
Posted on: Tue, 06 Aug 2013 13:28:54 +0000
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