“Onde reside o referencial do tempo da Justiça? Na posição - TopicsExpress



          

“Onde reside o referencial do tempo da Justiça? Na posição prévia e normativa do Legislador? Na estipulação resultante da decisão judicial que fixa o prazo limite? Num critério externo estatístico definidor do padrão de justiça?”. Estas questões são levantadas pelo advogado António Raposo Subtil, num artigo a propósito do novo Código de Processo Civil, que entra em vigor a 1 de setembro. “No âmbito da reforma do Código do Processo Civil (CPC), o Governo apresentou a redução e controlo dos prazos como o paradigma, que tudo resolverá! Em complemento ao objectivo estratégico e estruturante da redução dos prazos processuais, na explicação de motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII (2.ª) – que, com diversas alterações, veio a corresponder ao Novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho - é reconhecido que os poderes de intervenção do Juiz são reforçados, os quais são também designados por “poderes gestionários do Juiz”. Das linhas estratégicas do Anteprojecto de reforma do CPC constava que o juiz devia proferir sentença no prazo de 30 dias a contar da conclusão do processo, sob pena de a produção de prova realizada perder eficácia (cfr. o seu art. 613.º). Dessa forma, existia um artigo que tinha por objecto o conteúdo da sentença, e outros prazos impostos ao juiz para proferir sentença, assim como a previsão das respectivas consequências. O mencionado art. 613.º foi suprimido, e a previsão dos prazos foi, no novo CPC, integrada directamente no n. 1 do seu art. 607. Além disso, prevê-se que será expressamente assinalado no processo a inobservância de um prazo para a prática de acto pelo juiz ou pela secretaria, logo que decorram, respectivamente, três meses ou dez dias sobre o termo do prazo fixado para a prática desse acto, consignando-se a concreta razão da sua inobservância (cfr. arts. 156.º e 162.º no CPC).” No seguimento desta menção no processo em causa, caberá ao órgão de gestão do tribunal a elaboração de relatório que contenha informação respeitante ao grau de cumprimento dos objectivos estabelecidos, indicando as causas dos principais desvios, de acordo com a al. e) do art. 12.º da Proposta de Lei para a reforma da Organização Judiciária. Ora, aproximamo-nos da data de entrada em vigor do novo CPC – o dia 1 de Setembro – e ainda a “nova” Organização Judiciária não ganha sequer um vislumbre de aplicação, pelo que não são, assim, inesperadas as críticas que a Associação Sindical dos Juízes Portugueses tem dirigido a este novo figurino. Por regra, que não comporta excepções, todas as reformas legislativas do direito adjectivo (processual) tomam posição firme sobre o “tempo” de criação legislativa ou jurisdicional, que na terminologia forense tem a denominação “prazo”, “período”, “fase processual”, etc. São conhecidas as menções ao “tempo da decisão” de forma castradora e diletante, nomeadamente impondo a lei uma decisão “de imediato” (artigos 17.º-D n.ºs 1 e 3; 17.º-C, n.º3, al. a) do CIRE), no prazo de “3 dias úteis” (artigo 17.º-G, n.º3, do CIRE) e “a sentença, sucintamente fundamentada, é logo ditada para a acta” (art. 15.º-I n.º 10, do NRAU). Também temos exemplos recentes, muito significativos, ao “tempo do processo”, dos quais realçamos a previsão do artigo 17.º-G, n.º1, ex vi 17.º-D, n.º5 do CIRE, que estabelece que “caso seja ultrapassado o prazo (…) o processo negocial é encerrado”. Mas, onde reside o referencial do tempo da Justiça? Na posição prévia e normativa do Legislador? Na estipulação resultante da decisão judicial que fixa o prazo limite? Num critério externo estatístico definidor do padrão de justiça? O tempo, como prazo processual, tem sido associado a uma ideia de realização e de responsabilidade no cumprimento do objectivo fixado, sendo que, para os Advogados, por regra, a decurso do mesmo, quando impõe um comportamento, gera uma cominação (por exemplo: confissão dos factos, caducidade do direito, fixação de multa, etc.). Pretendia o Governo que, para controlo dos prazos processuais, que irão ser substancialmente reduzidos, sempre que os mesmos não forem cumpridos pelo Tribunal, fosse lavrada “em acta” a menção e a respectiva justificação, procurando atingir-se um “tempo” mais reduzido para a Justiça, por via da avaliação do desempenho dos tribunais. Desde logo, importa fazer a pergunta: e os Advogados, na sua qualidade de mandatários, também podem utilizar o recurso a “um tempo sem tempo”, mas com justificação em acta? Não. Para os Advogados é proposta outra técnica, a saber: a falta a julgamentos não tem justificação, num tempo concreto, nem, por regra, é facultado o pedido de adiamento de diligências. Entendemos as razões, louvamos o propósito do controlo do “tempo da decisão judicial”, para se atingir um “tempo da Justiça” razoável; mas existem condições para tornar esse controlo efectivo e gerador de uma cominação, como acontece com os advogados? O denominado atraso na justiça constitui, reconhecidamente, um constrangimento social e um factor de obstrução ao desenvolvimento económico. Traduz uma das vertentes em que se desdobra o princípio da responsabilidade do Estado por actos da função judicial (a par do erro judiciário, da violação do segredo de justiça e das sentenças incorrectas ou injustas, nestes dois últimos casos quando daí derive prejuízo para alguma das partes ou para terceiros), cuja relevância é atestada pelo acolhimento que lhe é dispensado no Direito Comparado. A título de exemplo, citem-se os casos: a) Brasileiro – Entre outras disposições dispersas, o artigo 133 do Código de Processo Civil disciplina a responsabilidade pessoal do juiz, determinando que este responderá por perdas e danos quando: I - No exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II - Recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no n.º II) só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de dez (10) dias. Também o artigo 49 da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional - Lei Complementar n.º 35, de 14 de Março de 1979) apresenta uma redacção em tudo similar à do artigo 133 do CPC, apenas substituindo a palavra “juiz” por “magistrado”. A importância deste dispositivo tem sido associada à ampliação de aplicação do princípio em causa a todos os ramos do direito, como o criminal, militar, eleitoral. b) Espanhol – O incumprimento dos prazos nas diligências judiciais por parte dos tribunais e do pessoal ao serviço da administração da justiça, na ausência de justa causa, será corrigido disciplinarmente nos termos da Lei Orgânica do Poder Judicial (Ley Orgánica Nº 6/1985 de 1 de julio de 1985 del Poder Judicial, artigos 414 ss.), sem prejuízo do direito da parte lesada de reclamar compensação pelos danos daí decorrentes (artigos 411 e 412 da Ley Orgánica, em sintonia com o artigo 132, n.º 3 da Ley 1/2000, de 7 de enero, de Enjuiciamiento Civil). O atraso na justiça viola o direito adjectivo à justiça célere e equitativa e viola, também, o próprio direito substantivo que se pretenda fazer valer em tribunal, o qual sempre ficará, em si mesmo, coarctado, por força daquele atraso, como de há muito vem sendo afirmado pela jurisprudência europeia e acolhido em muitos Estados com evoluídos sistemas de responsabilidade do Estado. O artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra, genericamente, o princípio da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, preceito que tanto a doutrina como a jurisprudência têm considerado directamente aplicável e não dependente de lei para ser invocado pelo lesado, por estar sujeito ao regime dos direitos, liberdades e garantias (artigo 17.º CRP). Esta disposição é complementada com as referências ao dever do Estado de indemnizar o lesado, nos termos legalmente estabelecidos, pela privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei (artigo 27.º, n.º 5); o mesmo sucedendo nos casos de injusta condenação (artigo 29.º, n.º 6). O Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (RRCEE) desenhava-se no contexto de um Código de Processo Civil, ora revogado, onde o artigo 160.º determina, em matéria de prazo para os actos dos magistrados, que “1 - Na falta de disposição especial, os despachos judiciais e as promoções do Ministério Público são proferidos no prazo de 10 dias. 2 - Os despachos ou promoções de mero expediente, bem como os considerados urgentes, devem ser proferidos no prazo máximo de dois dias”. Este novo Código introduz algumas inovações na matéria, sinteticamente reconduzíveis à identificação de um novo paradigma processual, assente na redução e controlo dos prazos. Nesta linha de orientação, bem se compreende que, paralelamente à consagração de um princípio segundo o qual as audiências serão, por regra, inadiáveis e a programação da audiência final imporá a todos (juízes, advogados, partes e testemunhas) uma rigorosa disciplina (artigo 603.º n. 1 a contrario). A reforma também vem impor que no processo se assinale expressamente a inobservância de um prazo para a prática de acto pelo juiz ou pela secretaria, logo que decorram, respectivamente, três meses ou dez dias sobre o termo do prazo fixado para a prática desse acto, consignando-se a concreta razão da sua inobservância. Assim e no que respeita ao prazo para os actos dos magistrados, o artigo 156.º desdobrou em três os dois números do artigo 160.º do anterior CPC, mantendo o respectivo conteúdo; acrescentou-lhe, por outro lado, dois novos números, a saber: “4 - Decorridos três meses sobre o termo do prazo fixado para a prática de ato próprio do juiz, sem que o mesmo tenha sido praticado, deve o juiz consignar a concreta razão da inobservância do prazo. 5 - A secretaria remete, mensalmente, ao presidente do tribunal informação discriminada dos casos em que se mostrem decorridos três meses sobre o termo do prazo fixado para a prática de ato próprio do juiz, ainda que o ato tenha sido entretanto praticado, incumbindo ao presidente do tribunal, no prazo de de 10 dias contado da data de recepção, remeter o expediente à entidade com competência disciplinar”. Em conclusão, sabemos que, no passado recente, noutras reformas processuais, se pretendeu atingir um idêntico objectivo, reduzindo os prazos da decisão e fixando um “tempo do processo” (prazo limite para a sua conclusão), mas sabemos também que os resultados foram reduzidos, por não existir um controlo gerador de responsabilidade para quem, em última instância, viola o tempo da Justiça (o Estado). Vamos aguardar a reforma da Lei da Organização Judiciária para avaliar se o respeito, por todos, do “tempo” numa dimensão efectiva, constitui um objectivo da anunciada “revolução” legislativa ao nível do novo CPC, em benefício dos cidadãos e reconhecendo o imperativo constitucional de que a administração da justiça incumbe aos tribunais e que a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça (cfr. artigos 202.º e 208.º da CRP). António Raposo Subtil Sócio da RSA Advogados
Posted on: Wed, 17 Jul 2013 11:56:30 +0000

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