Os limites de Coimbra Como fomos abandonar os trens, se é que - TopicsExpress



          

Os limites de Coimbra Como fomos abandonar os trens, se é que algum dia chegamos a adotá-los? Portugal, como a maior parte da Europa, não esqueceu os vagões, ou carruagens como eles chamam aqui. Tive essa impressão quando sai de Lisboa Para Coimbra em um confortável comboio com serviço e vídeo a bordo. Naquela uma hora e quarenta e cinco minutos de deslocamento, ocorreu-me que talvez a nossa opção pelos automóveis tenha tido alguma relação com a idéia de progresso e modernidade que alimentamos: velocidade, individualidade e a liberdade de ir e vir de qualquer lugar a qualquer momento foram algumas representações que arrebataram nosso entusiasmo e anestesiaram nossa visão de futuro. Não é difícil obtermos evidências disso. Basta acompanharmos as propagandas da indústria automobilística que “congestionam” a TV brasileira e perceberemos que ter um carro é o mesmo que ignorar os limites da nossa miserável condição de bípedes. Contudo, apenas essa evidência não atesta, necessariamente, o nosso mau senso de futuro. Ao menos quando discutimos as nossas escolhas macroeconômicass e estratégicas. Pude perceber isso ao ter uma experiência microeconômica em território português. Ao descer do trem, decidi chegar rapidamente ao hostel e optei por um táxi. Especulei com o motorista sobre o preço e ele me disse um valor aproximado, mas acrescentou que cobraria um adicional pelo transporte da bagagem. Não reclamei, mas o motorista pode perceber o quanto fiquei contrariado com esse acréscimo. Quando chegamos ao hostel, ele me disse o valor final e, com a voz irritadiça, disse-me que não cobraria o adicional da mala. Foi então que cometi uma gafe “referencial” ao lhe dizer: - Obrigado, senhor. Minha viagem é longa e sou um turista financeiramente limitado. Repentinamente, o rosto do português avermelhou-se e ele despejou um desabafo ressentido: - Limitado? Ora Pois! Limitado sou eu, um português que não tem como sair de Portugal a turismo. E estas e me dizer que és um limitado? Mas era só o que me restava ouvir: um brasileiro limitado! Fiquei tão surpreso com a reação que até esqueci de fechar a porta do automóvel, imprudência que só aumentou a indignação do meu nervoso motorista de táxi. Enquanto ele guinava bruscamente o carro por uma daquelas infinitas curvas e elevações de Coimbra, permaneci estático diante da mala que tinha sido o pivô do nosso desentendimento. Qual era o meu real limite financeiro? E o daquele português? Ao fundo e ao raso, éramos a expressão da perplexidade que hoje divide o mundo entre aqueles que pareciam ter feito boas escolhas e os que, agora, apresentam-se como candidatos a países bem-sucedidos. Os protestos recentes podem fazer os brasileiros pensarem que somos uma farsa, mas os portugueses com quem conversei não têm dúvidas: somos um exemplo de alternativa bem-sucedida, ao ponto de desejarem reiniciar o grande êxodo dos séculos XVII e XVIII para o Brasil. Conversando com um senhor mais velho e mais perspicaz do que eu, acabamos por fazer comparações entre o Brasil e Portugal. No fim da conversa, ele resumiu sua impressão dizendo que o problema eram os governantes. Querendo provocá-lo, acrescentei que o problema maior eram os financistas. Então, ele ajeito o chapéu na cabeça e disse sarcasticamente: - Mas não são eles a mesma espécie de gente? Mais uma vez, fui derrotado pelo rigoroso pensamento português. Evidente que sim! Eles e nós somos a mesma espécie submetida ao miserável limite dos bípedes. Não importa quem continuou usando os trens – cada vez melhores – ou quem optou pelos automóveis – cada vez mais velozes - ou, ainda, o limite que imaginamos ter em nossas contas bancárias. A dívida crescente das famílias e dos estados torna todos nós nessa “espécie de gente” perdida entre sonhos de progresso e modernidade; entre o passado e o futuro. Certo mesmo estava Chico Buarque de Holanda, quando compôs aquele fado no qual profetizou o futuro do Brasil: “essa terra ainda será um imenso Portugal”!
Posted on: Thu, 25 Jul 2013 11:04:46 +0000

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