PALAVRAS PARA ESCHER | CRÔNICA | JOEL GEHLEN | 29 de agosto de - TopicsExpress



          

PALAVRAS PARA ESCHER | CRÔNICA | JOEL GEHLEN | 29 de agosto de 2013 E da noite vão surgindo contornos e volumes que avançam para ranhuras mais amenas rumo à claridade que, conforme aumenta, faz surgir formas pelo contraste e, enfim, chega à perfeição em perspectiva de uma revoada de negros patos recortados à contraluz. Faz-se um voo simétrico sobre a placidez de campos semeados onde serpenteia um rio docemente inclinado para seu afluir sem que lhe oprimam margens. E uma cidade de pedra e telhados surge por entre os destroços de um árido branco estourado de luz. De claros e escuros se inventa uma ponte, um moinho e campônios, entre outras vidas recém saídas do grafite de Escher, no pêndulo a que chama Noite e Dia. Na metamorfose inversa, a paisagem branca domina a planura do vale até onde a vista alcança, numa lonjura feita a lápis e engenho sobre a superfície lisa do papel. O céu se infinita mesclado ao horizonte numa linha de fuga tão vasta que poderiam perceber – os mais imaginosos – a arcada tênue da circunferência terrestre. Como se o desenho pusesse o observador em órbita. E nessa amplidão branca de nata surgem as linhas que se estendem em asas e pescoço onde adivinho o ovo do voo ainda vazio de formas, mas prenhe de altitude e deslocamento, até que se faça o inequívoco de um cardume de patos negros como nuvens sem chuva sobre o bucolismo de uma paisagem rural. Finalmente os olhos decifram linhas paralelas levemente curvadas a oeste jungidas para o infinito como se fossem dardos lançados contra o horizonte. São os campos arados, estendidos numa geometria fértil e semeada em que suponho futuros triguais de Van Gogh. E vão ganhando volume, adensando-se de negro nanquim até conjurarem céu e terra, tornados também patos planando já sem tanta altitude. Há esse momento em que não se pode distinguir aves e chão como se tudo voasse levado por um súbito vendaval que se abate sobre lençóis estendidos num varal. Sem esforço sobressaem os pescoços esticados indicando patos migratórios cavalgando no céu, lançando-se sobre a noite em desabalada correria como um ataque de cossacos rumo ao breu indistinto a Leste do desenho. Enfim, reina a noite sideral, austera e definitiva, encimada de silêncio e vazio onde dormem as formas no mais absoluto nada até que um ponto de luz as impele para fora e resvalam na forja das revelações.
Posted on: Thu, 29 Aug 2013 19:29:45 +0000

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