PARTICIPAÇÃO DE POLICIAL EM CRIMES RELATIVOS À ORGANIZAÇÃO - TopicsExpress



          

PARTICIPAÇÃO DE POLICIAL EM CRIMES RELATIVOS À ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA Atribuição do Ministério Público: exercer o controle externo da atividade policial Cezar Roberto Bitencourt O § 7º do art 2º da Lei 12.850/13 traz em seu bojo dois aspectos distintos: em primeiro lugar assegura que a investigação da “participação de policial nos crimes que envolvam organização criminosa”, definidos na Lei 12.850, é atribuição da própria polícia, através de sua Corregedoria; em segundo lugar, reconhece que, havendo a participação de policial, nesses crimes, a função do Ministério Público limita-se à sua atribuição constitucional de exercer o controle externo da atividade policial, nos termos do art. 129, inciso VII, da CF. A despeito da clareza do texto legal haverá, certamente, interpretações divergentes, com ou sem razão de ser. Rogério Sanches e Ronaldo Batista Pinto, ambos promotores de justiça, sustentam: “O parágrafo em comento é desdobramento lógico do controle externo da polícia exercido pelo Ministério Público, dever constitucionalmente previsto, garantia fundamental do cidadão (art. 129, VII, CF). A atuação da Corregedoria, acompanhada pelo Ministério Público, obviamente não impede que o Promotor de Justiça ou Procurador da República conduza investigação (atribuição exaustivamente debatida e reconhecida como constitucional nos vários fóruns competentes, culminando com a rejeição da PEC 37). Aliás, um dos cenários mais alarmantes a justificar a investigação conduzida pelo Ministério Público é aquele em que indícios apontam agentes do Estado envolvidos com o crime organizado” . No entanto, em sentido diametralmente oposto é o magistério Guilherme Nucci, verbis: “Houve expressa opção política pela atribuição investigatória da Corregedoria da Polícia no tocante ao colhimento de dados probatórios contra policial de qualquer escalão, quando envolvido em organização criminosa. Com isso, afasta-se a atividade da Corregedoria de Polícia Judiciária, a cargo do juiz, bem como a ativiade investigatória direta do Ministério Público” . Não desconhecemos, logicamente, a aspiração do Ministério Público de transformar-se em polícia, uma polícia privilegiada, é verdade, ou seja, com o direito de escolher os fatos de grande repercussão mediática, mas polícia. Não ignoramos, igualmente, que esse tema, há longa data, é objeto de demanda perante o Supremo Tribunal Federal, cuja solução alonga-se no tempo, sem prazo para ser concluída. No entanto, a previsão desse tão importante diploma legal, que, finalmente, define, entre outros tópicos, o que é uma organização criminosa, bem como os meios investigatórios que podem ser utilizados, além de outras providências. Esse texto legal poderia ter sido omisso, deixando sua definição ao Supremo Tribunal Federal, ou então, poderia ter optado por atender os reclamos do Parquet. Contudo, não fez nenhuma coisa nem outra, e, corajosamente, enfrentou a questão e determinou que quem investiga policial envolvido em organização criminosa é a própria polícia, por meio de sua corregedoria, independentemente do cargo ou escalão que referido policial ostente. Mais que isso, destacou, igualmente, que a função do Ministério público será exercer o controle externo da atividade policial, determinando que: “a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão”. Ora, essa previsão legal atende textualmente a determinação constitucional, qual seja, que cabe ao Ministério público exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, VII). Logo, é absolutamente impossível dar-se a interpretação assumida por Rogério Sanches e Ronaldo Batista Pinto, posto que absolutamente contrário a texto expresso em lei. Ou seja, ao Ministério Público caberá “acompanhar o feito até a sua conclusão”. Acompanhar a investigação não se confunde com assumir a investigação e muito menos comandá-la. Na verdade, o Ministério Público tem o dever de acompanhar e exercer efetivamente o controle externo da atividade policial, mas jamais assumir o seu papel, a sua função policial judiciária. O Ministério Público é o titular da ação penal, que não se confunde com investigação preliminar, que é constitucionalmente atribuída à polícia judiciária. 10.1. Ilegitimidade de investigação criminal realizada diretamente pelo Ministério Público A leitura do art. 129 da Constituição Federal permite constatar, de plano, que não foi previsto o poder de investigar infrações penais, diretamente, entre as atribuições conferidas ao Ministério Público. Extrair interpretação em sentido contrário do rol contido no dispositivo constitucional referido seria “legislar” sobre matéria que o constituinte deliberadamente não o fez. Aliás, a um órgão público não é assegurado fazer o que não está proibido (princípio da compatibilidade), mas tão-somente lhe é autorizado realizar o que está expressamente permitido (princípio da legalidade); e a tanto não se pode chegar pela via da interpretação, usando-se argumento a fortiori, especialmente quando há previsão expressa da atribuição a outro órgão estatal, como ocorre. na hipótese, em que essa atividade está destinada à Polícia Judiciária . Não se poderia conceber que o legislador constituinte assegurasse expressamente o poder de o Ministério Público requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial e, inadvertidamente, deixasse de constar o poder de investigar diretamente as infrações penais. À evidência, trata-se de decisão consciente do constituinte, que não desejou contemplar o Parquet com essa atribuição, preferindo conferi-la à Polícia Judiciária, minuciosamente, como fez no art. 144 da CF. Ademais, fazendo-se uma pequena retrospectiva sobre a elaboração da norma constitucional citada, constata-se que as propostas de introdução de texto específico versando sobre a condução de investigação criminal pelo Ministério Público foram todas rejeitadas. Em outros termos, trata-se de uma firme, refletida, sensata e deliberada opção da Assembléia Nacional Constituinte de 1988 de não atribuir poderes investigatórios criminais ao Ministério Público. Nesse sentido, merece ser destacado o entendimento sustentado pelo Ministro Nelson Jobim, contido no RHC No. 81.326-7 (DF), que está expressado nos seguintes termos: “Na Assembléia Nacional Constituinte (1988), quando se tratou de questão do Controle Externo da Polícia Civil, o processo de instrução presidido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO voltou a ser debatido. Nesse sentido, leio voto que proferi no RE 233.072, do qual fui Relator para o acórdão: ‘...quando da elaboração da Constituição de 1988, era pretensão de alguns parlamentares introduzir texto específico no sentido de criarmos, ou não, o processo de instrução, gerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO. Isso foi objeto de longos debates na elaboração da Constituição e foi rejeitado’”. Em outras oportunidades, como na seguinte, o STF já decidiu que o Ministério Público não tem poderes para realizar investigação criminal, cabendo tal atribuição à Polícia Judiciária: “CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. ATRIBUIÇÕES. INQUÉRITO. REQUISIÇÃO DE INVESTIGAÇÕES. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. C.F., art. 129, VIII; art. 144, parágrafos 1o. E 4o.. I – Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, C.F., no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes a apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (C.F., art. 144, parágrafos 1o. e 4o. ). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância superior. II. R.E. não conhecido” (RE no. 205473/AL, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, j. 15.12.1998, DJ 19.3.1999, p. 19) – (grifos acrescentados) . Portanto, o inciso VI do art. 129 do texto constitucional, que diz respeito à expedição de notificações, pelo órgão ministerial, nos procedimentos administrativos de sua competência (como os preparatórios de ação de inconstitucionalidade ou de representação por intervenção), a fim de requisitar informações e documentos para instruí-los, não se refere à atuação do Ministério Público nas investigações criminais. O mesmo ocorre com referência ao inciso IX do mesmo dispositivo constitucional, cujas atribuições ali mencionadas, não podem ser estendidas para abranger também a investigação criminal. Invoca-se, nesse sentido, o magistério de Ada Pellegini Grinover que, com a acuidade que lhe é peculiar, conclui: “Não tenho dúvida de que o desenho constitucional atribui a função de Polícia Judiciária e a apuração das infrações penais à Polícia Federal e às Polícias Civis, sendo que a primeira exerce, com exclusividade, as funções de Polícia Judiciária da União (art. 144). Parece-me evidente, também, que a referida exclusividade se refere à repartição de atribuições entre Polícia da União e Polícia Estadual, indicando a indelegabilidade das funções da primeira às Polícias dos Estados” . Na realidade, a Constituição Federal distinguiu, com precisão, em incisos diferentes, a atuação ministerial em procedimentos administrativos de sua competência, como, por exemplo, o inquérito civil, daquela referente à investigação criminal, limitando, nesse caso, a atividade do Ministério Público à requisição de inquérito policial e de diligências investigatórias. No mesmo sentido, vale a pena destacar a seguinte passagem do erudito parecer emitido pelo Prof. JOSÉ AFONSO DA SILVA, a pedido do IBCCRIM, que sustenta, in verbis: “6. Percorram-se os incisos em que o art. 129 define as funções institucionais do Ministério Público e lá não se encontra nada que autorize os membros da instituição a proceder a investigação criminal diretamente. O que havia sobre isso foi rejeitado, como ficou demonstrado na construção da instituição durante o processo constituinte e não há como restabelecer por via de interpretação o que foi rejeitado”. Não se pode conceber, venia concessa, um Ministério Público “polícia”, quando a própria Constituição Federal atribui-lhe, dentre tantas atribuições, às de exercer o controle externo desta. Ficaria sem sentido outorgar o poder de controle externo a um órgão que controlar a própria atividade desenvolvida, pois, nesse caso, o controle externo caberia necessariamente a órgão diverso, posto que do contrário tratar-se-ia de controle interno, que sempre existe em toda administração pública. Isso, gize-se, não diminui a importância do Ministério Público, titular da opinio delicti, nessa fase preliminar, contudo, sempre como assistente, acompanhando a investigação, sem, contudo, substituir a polícia, Instituição verdadeiramente encarregada da direção e presidência do procedimento investigatório. À autoridade policial caberá, não há menor dúvida, com exclusividade, a direção de tais investigações, nos termos do art. 144, § 1º, IV, da CF. Com efeito, nem mesmo as Leis Orgânicas que regem as atividades do Ministério Público dispuseram sobre tais poderes desse órgão, na esfera processual penal. Realmente, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei no. 8625, de 12.2.1993), em seu art. 25, inciso IV e art. 26, inciso I, que relaciona, entre as funções ministeriais, a promoção e a instauração do inquérito civil, não faz qualquer menção sobre essa possibilidade relativamente ao inquérito policial, ou qualquer investigação criminal comandada pelo Parquet. Pelo contrário, quanto a estes limita-se a estabelecer, no art. 26, inciso IV, que poderá o Ministério Público “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII da Constituição Federal”, isto é, “podendo acompanhá-los”, mas não os presidir, isolada ou cumulativamente. Não se afasta, assim, e nem poderia faze-lo, da previsão constitucional. E, convenhamos, requisitar diligências investigatórias e/ou instauração de inquérito, não se confunde com poder para o Ministério Público investigar diretamente a existência de infrações penais. No mesmo sentido, em parecer emitido para o IBCCRIM, referindo-se ao controle externo da atividade policial, pelo Ministério Público, é incensurável a conclusão do emérito professor da USP, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, in verbis: “Ora, se a Constituição dá ao Ministério Público o poder de ‘requisitar a instauração de inquérito policial’ é porque obviamente não lhe dá o poder de realizar a investigação criminal que se faz por meio de tal inquérito. Se o Ministério Público pudesse realizar tal inquérito, para que autoriza-lo a requisitar a sua instauração?” . Não se pode perder de vista, ademais, que o verbo nuclear do art. 7º da Lei Complementar 75/93 é “requisitar”, e tais requisições destinam-se à autoridade policial, que procederá às investigações ou instauração de inquérito, cabendo ao Ministério Público, se o desejar, acompanhar tais diligências, visto ser o destinatário das mesmas. É falaciosa, por outro lado, a tese do Ministério Público - constituindo forma dissimulada de burlar o texto constitucional - pretender iniciar investigação através de inquérito civil, para, ao final da apuração, dar ao conteúdo investigado conotação penal e, com base nele, oferecer denúncia. Não existe nada no texto constitucional que autorize o Ministério Público a instaurar e presidir investigação criminal, ao contrário das pretensões do Parquet. “Embora o tenha feito – como destaca José Afonso da Silva – por via do inquérito civil previsto no inc. III do art. 129, com notório desvio de finalidade, já que o inquérito civil é peça de instrução preparatória da ação civil pública consignada a ele no mesmo dispositivo e não evidentemente de instrução criminal. Ou tem pretendido usar de procedimento administrativo próprio, como o art. 26 do Ato 98/96 do Procurador-Geral de Justiça de São Paulo definiu, com desvio ainda mais sério, porque, a toda evidência, procedimento administrativo não é meio idôneo para proceder investigações criminais diretas. O fato mesmo de se recorrer a tais expedientes demonstra, à saciedade, que o Ministério Público não recebeu da Constituição o poder para promover investigações diretas na área penal”. Extremamente elucidativo, nesse particular, a seguinte síntese de Luis Guilherme Vieira que, subscrevemos, e, por sua pertinência, importante transcrevê-la, in verbis: “O próprio Supremo Tribunal Federal quando abordou o tema, pela vez primeira, no RE 205.473-9 interposto pelo Ministério Público, contra concessão de habeas corpus pelo TRF da 5ª Reg, trancando a ação penal. Na oportunidade, o Juiz Lázaro Guimarães, relator do writ, afirma que não se compreendia “o poder de investigação do Ministério Público fora da excepcional previsão da ação civil pública (art. 129, III, da CF). De outro modo, haveria uma polícia judiciária paralela, o que não combina com a regra do art. 129, VIII, da CF”. A hipótese era de ação penal por desobediência, a qual foi considerada não ocorrente e o recurso extraordinário não foi conhecido, em julgamento datado de 15.12.1998, com parecer, nesse sentido, do então Subprocurador-Geral Cláudio Fonteles. Na ementa, contudo, o eminente relator do recurso, Min. Carlos Velloso, consignou sua desaprovação às investigações criminais realizadas pelo Ministério Público: ‘não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial’” . Enfim, observa-se que as normas regentes da matéria, em qualquer esfera, constitucional ou não, se mostram coerentes em tudo permitir ao Ministério Público, em termos de inquérito e ação civil públicos, não se estendendo, deliberadamente, à área criminal, restando, por conseguinte, os chamados “procedimentos investigatórios/administrativos criminais” completamente ao desamparo da lei e da constituição . Por partilhar do mesmo entendimento, não há como deixar de subscrever a impecável conclusão de Ada Pellegrini Grinover, nos seguintes termos: “Nessas condições, não me parece oportuno, no atual sistema brasileiro, atribuir funções investigativas ao MP. Em primeiro lugar, por uma razão prática: o Parquet, declaradamente, não tem estrutura para assumir todas as investigações relativas a determinados crimes, sem proceder a uma insustentável seleção de casos. Em segundo lugar, em nome da busca da maior eficácia possível nas investigações criminais: para tanto, é necessário que Polícia e MP deixem de digladiar-se, querendo para si uma atribuição que, isoladamente, será sempre insatisfatória. É preciso que as duas instituições aprendam a trabalhar em conjunto, como tem ocorrido em alguns casos, com excelentes resultados. É mister que Polícia e MP exerçam suas atividades de maneira integrada, em estreita colaboração. E é necessário promulgar uma nova lei sobre a investigação criminal, que substitua o inquérito policial burocrático e ineficiente de que dispomos, estimulando a atividade conjunta da polícia e do MP” . Sintetizando, os próprios termos da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público não atribuem poderes investigatórios ao aludido órgão, na esfera criminal. Não há na Constituição, repetindo, nada que autorize o Ministério Público a presidir investigação criminal.
Posted on: Mon, 11 Nov 2013 12:09:30 +0000

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