Protocolo Cinzento Parte 02 Seguiu com o primeiro troféu em - TopicsExpress



          

Protocolo Cinzento Parte 02 Seguiu com o primeiro troféu em percursos para o depósito, um enorme lote que ficava em uma avenida nas margens do rio, e que garantia o isolamento e tranquilidade que ele tanto apreciava nos seus turnos de vigia. Havia aprendido a confiar nos retrovisores laterais mais que no interno, pois quando se reboca um veículo, pouco ou nada se enxerga através deste, mas ainda o fazia por hábito. Ao fazê-lo, quase perde a direção. Foi forçado a frear bruscamente. A borracha queimou o asfalto e o som estridente levantou da cama qualquer retardatário que ainda ousasse dormir naquela manhã preguiçosa. Olhou de novo pelo retrovisor! Não poderia ser verdade o que vira! Tinha certeza que havia checado o táxi mais de uma vez, se certificado de que estivesse vazio, mas ao mesmo tempo confiava no que vira, ou pensara que vira? Desceu da caminhonete, e correu até o carro amarelo. Olhou mais uma vez, checou no piso do carro, procurando encontrar ali uma figura escondida, agachada ou mesmo acocada. Nada. Não fazia o mínimo sentido. Pensou por alguns minutos, decidiu parar para comer algo. Apesar da rotina rígida que costumava se impor,esse episódio o convencera a se dar uma manhã de folga. Entregaria o carro, descansaria e depois voltaria ao trabalho. Praguejou, não precisava desse tipo de maluquice na sua mente, não hoje, quando a noite seria longa. O dia passou arrastando-se o máximo que pôde. E a lembrança do que vira pelo retrovisor teimava em cutucar-lhe a mente, desafiando sua mente a explicar o fato dentro de sua lógica racional. Ele tentara. De diversas maneiras e jeitos. Desde algum trote até sonolência matutina. Mas nada até agora conseguia explicar o que ele cada vez mais se convencia que vira. Dormiu no fim da tarde, julgando que um descanso era tudo o que precisava. Arrependeu-se lá pelo quarto sono. Na mente vinha-lhe imagens de ganchos, caminhonetes, neblinas, táxis, um motorista divertindo-se maldosamente dele, como alguém que passa à frente uma dívida, um problema... seguro de que agora não havia mais com o que se preocupar, era problema de outro. E claro, o vislumbre do retrovisor, que teimava em ser o elemento de loucura em todo aquele caos. Pensou em faltar ao trabalho, pela primeira vez em anos. Mas como toda pessoa racional, não conseguiu pensar em uma desculpa plausível para faltar ao dever estando em condições de fazê-lo. Ao entrar no depósito, por volta das oito horas da noite, se deparou com Seu Bené, um senhor de idade visível e pele curtida pelo sol, que cuidava de tudo pelo turno do dia. Deu o habitual “boa noite”, e acompanhou com a vista a improvável companhia se distanciando cada vez mais. Andou até o escritório, um aposento que se encontrava no canto do terreno, de onde poderia vigiar as filas de carros estacionados. No terreno em anexo funcionava o ferro velho que se encarregava de dar um fim àqueles veículos que passavam do tempo de terem sua propriedade reclamada. Aquela era uma noite sem lua, e os vestígios da neblina agora regressavam pelo rio, não tão espessa, mas visível suficiente para cobrir a superfície mais próxima à margem. Isso tudo somado às filas de veículos estacionados, a maioria em ferrugem graças à ação da umidade elevadíssima da região, e à precariedade da iluminação pública, emprestava ao local uma atmosfera digna de desconforto. Convidando ao próximo susto por qualquer evento que se passasse na visão periférica. Nunca parecera tão soturno assim. Em cinco anos de trabalho e vigia, nunca se sentira desse jeito no depósito. Era verdade, costumava ficar olhando as águas, o movimento e o som costumavam acalma-lo, mas hoje o rio estava em uma quietude ingrata, como se não se atrevesse a fazer barulho e chamar atenção para si. A noite tornava-se madrugada sem cerimônia. Por volta das três da manhã, olhou para a sala, testou as luzes do banheiro. Queimadas. Alguém pagaria por aquilo, e não seria ele. Não fazia diferença, sua tentativa de iluminar um pouco mais o local falhara. Mal fechara a porta do banheiro quando um estalo metálico causou um susto quieto no vigia. Cássio era do tipo de pessoa que, em situações de pânico, estacam! Era algo que ele não se dava ao trabalho de mudar, desconfiava que não conseguiria se tentasse. Virou-se quando sentiu resposta do corpo, olhou pela janela, e pensou ter visto algum movimento atrás da terceira fileira de carros. Pegou a lanterna de led na gaveta, rogou uma praga e saiu do escritório.
Posted on: Mon, 30 Sep 2013 00:06:10 +0000

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