Quando morre um homem, morre com ele uma parte da humanidade - TopicsExpress



          

Quando morre um homem, morre com ele uma parte da humanidade Entre a data do fato (homicídio) e a presente data, transcorreram mais de 04 (quatro) anos... E sequer a Denúncia foi ofertada... A impunidade concorre pro aumento da criminalidade. Quando o Estado é ineficiente na administração da justiça ele é partícipe da ação criminosa que ele deveria repreender. _______________________ Quando morre um homem morre com ele uma parte da humanidade Fatos como a morte e a própria fatalidade da morte têm o poder de nos colocar diante das nossas dúvidas e questionamentos existenciais. É diante da constatação da nossa finitude que valoramos a nossa própria condição de ser (ontológica) em um mundo de difícil compreensão. Talvez seja essa a centelha primária de todo o amplo e admirável mosaico da filosofia, uma ampla e sistemática ponderação em torno da morte. A própria noção do divino, creio, nasce dessa constatação. Sem me arvorar a condição de criador de conceitos, posso traduzir o que sinto diante da força da expressão de Deus, enquanto um axioma teológico-existencial-transcendental. Em um mundo marcado por injustiças, desigualdades, ambigüidades, ignomínias, contradições, Deus se me afigura como um axioma, uma verdade que prescinde de provas; teológico, pois vinculado à noção do divino, o mistério da criação; existencial, pois, possui reflexos diretos em nossas ações, conduta valorada; e transcendental porque fixa as condições formais a priori de tudo o que podemos conhecer, fazer e admirar. Se há a possibilidade do conhecimento, é porque, em tese, ele existe em um formato absoluto, um saber total, uma cognição absoluta, e isso é Deus; se existe a possibilidade de justiça nesse mundo, é porque existe uma justiça e bondade em um estado originário e absoluto e isso eu posso rotular de Deus; se existe a possibilidade de admiração da beleza, é porque ela existe em um estado de perfeição, mesmo que ela não esteja ao meu alcance e isso é Deus. Deus é assim uma expressão da minha limitação (incapacidade) lingüística, cognitiva, ética e estética. A nós... o saber, a bondade e a beleza se dá de modo fragmentário, se Deus é axioma do saber absoluto, da suma bondade e da beleza em estado de perfeição, nós, por uma limitação estrutural-cognitiva só teremos um saber, bondade e beleza precários. Assim, viver é estar em um mundo marcado por contradições, ambigüidades, incompreensões, é constatar a beleza e a feiúra do mundo, é constatar os grandes gestos e atos bem como as mazelas da humanidade, pois o mundo é uma expressão fragmentada de um axioma teológico-existencial-transcendental que é mesmo um pressuposto lógico-linguístico de sua existência. Em outras palavras se Deus é Sábio, Justo e Bom, o mundo não o é, pelo menos não de forma absoluta. Há mais ou menos um ano eu tive o privilégio de conhecer um homem que pra mim é a expressão do homem paraibano. Um homem do meio rural, de pouca instrução formal, que levou uma vida dura, massacrante eu diria, mas dotado de uma admirável consciência política. Enfim, um homem que tinha sede de justiça e que não a vivia no plano da formulação conceitual, mas a fazia concretamente... em face de suas limitações materiais, logísticas, intelectuais... ele perseguia o valor do justo. Eu o conheci por força de um Centro de Atendimento a pessoas vítimas de Violência, ele mesmo uma vítima da violência institucional e posteriormente vítima da violência no campo. Odilon Bernardo era a expressão desse homem simples, rurícola que só lutava por aquilo que lhe parecia justo, em era de cibernética, ele ainda vivia em um pedaço do Brasil marcado por populismo e latifúndios. Um mundo de analfabetismo, de abandono, de descaso, com seu povo sofrido, enquanto a hipocrisia engravatada propala discursos retóricos e vazios e se enriquecem a custas da miséria desse mesmo povo como representado pelo meu amigo Odilon. Admirava a consciência política nascida de um agricultor que vivia em meio à pobreza, um homem simples e destemido. O que evidencia que a consciência cívica é uma consciência universal e que floresce em todos os lugares, até mesmo nos mais remotos grotões. Odilon me deu uma lição que não aprendi com nenhum grande nome da jurisprudência nacional ou estrangeira, a sua luta pelo direito (alusão a uma obra de Rudolf Von Ihering) foi material, concreta, histórica... anônima. Sem a expressão dos grandes vultos da eloqüência e heroísmo. Expressão da simplicidade quase ingênua do homem do campo. Lição que carregarei sim, como advogado pro resto da vida. O homem sem formação acadêmica em uma sociedade que a exige para qualificar a própria condição de humanidade e dignidade. O homem que por seu turno conhecia tão bem a linguagem da natureza, como agricultor e pescador, tão mais próximo da consciência ecológica que passa ao largo de uma sociedade presa aos padrões ocidentais do consumerismo materialista. Esse homem, símbolo de uma legião de paraibanos e nordestinos anônimos que ainda lutam por terra, água, comida, civilidade. Ao mesmo tempo me deu uma lição de civismo... nosso contato se deu sob o formato burocrático entre o homem simples com seus reclamos e um filho dessa outra sociedade, burocratizada e engravatada, de termos e expressões de estranha compreensão... Admirava sua curiosidade com os termos técnicos do direito... os quais tentava traduzir... Diálogos que começava com: “ O que seria isso... expedida carta precatória, o que seria isso...” Odilon... que emergiu das dores de uma sociedade que me remete a expressão de Goethe: Weltschmertz, literalmente as dores do mundo... Dores e angústias de um mundo que fazem de homens bons, vítimas injustiçadas. Ontem, quarta-feira, 29 de julho, estive com meu amigo Odilon... o que parecia mais um diálogo sobre as ações que eu acompanhava... se traduziu em um contato derradeiro... ao me despedir não sabia que não mais avistaria o amigo e dali em diante seria apenas memória... memória revisitada e valorada, como agora. Meu bom amigo Odilon Bernardo Filho foi assassinado poucas horas depois, em Pedro Velho, zona rural de Aroeiras... Por um anônimo com dois tiros de espingarda calibre 12... A estupidez pôs fim a trajetória existencial de um homem justo, cuja vida foi marcada por uma massacrante sucessão de injustiças, injustiças as quais ele não se resignou, e cujo capítulo derradeiro nessa vida sofrida, foi selado pelo estampido da estupidez com a qual ele dialogou e contra a qual ele lutou... Odilon... homem bom e justo... Saiba que com você... morre uma parte da humanidade, uma humanidade admirável, simples e honesta, que essa sociedade está longe de compreender... te reduziram ao rótulo de pescador assassinado... eu digo... Homem bom e justo que sabia a exata medida da justiça. Quando um homem morre, morre com ele uma parcela da humanidade, pois a humanidade é a soma de todas as consciências, de todas as experiências vividas por essas consciências em conjunto... com a morte de um homem, uma parcela dessa experiência se perde para sempre e jamais será recuperada, pois ele a levou... a humanidade ficou mais pobre. Rodrigo Caldas.
Posted on: Wed, 28 Aug 2013 22:21:32 +0000

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