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Quarta-feira, 21h50m. Enquanto cerca de 60 mil pessoas estarão no Maracanã para assistir ao segundo jogo da semifinal entre Flamengo e Goiás, num quarto de uma casa no bairro do Leblon, na Zona Sul do Rio, Dona Elvira, de 89 anos, vai rezar à espera do espocar de fogos de artifício que anunciem a classificação rubro-negra para a decisão da Copa do Brasil. Mãe do técnico Jayme de Almeida, ela não precisa ver para crer. - Ela nunca via meus jogos, nunca viu. Fica muito nervosa. Ela é muito católica, mineira. Ficava na igreja Santa Mônica, no Leblon, rezando. Saía da igreja e olhava para a cara dos porteiros dos prédios para saber se o Flamengo tinha vencido (risos). Agora ela não vê. Mas no Leblon quando sai gol do Flamengo é terrível. Ela ouve os fogos e sabe na hora – contou Jayme, orgulhoso. Boa parte da família estará no estádio para apoiá-lo. Aos 60 anos, o ex-zagueiro e ex-auxiliar retoma a carreira de treinador de forma tardia, mas com vigor de principiante. Com o risco de rebaixamento no Brasileiro praticamente eliminado, tenta levar o Flamengo à final. Mesmo com o time em vantagem – pode até perder por 1 a 0 -, não permite que ninguém no clube dê a classificação como certa. Com mais da metade da vida ligada ao Rubro-Negro, aprendeu que cautela não faz mal. - Eu acho que temos uma possibilidade enorme de chegarmos a uma final, com todo respeito ao Goiás. E se nós passarmos vai ser fantástico. A dificuldade que nós passamos, tudo que aconteceu no clube, toda aquela incerteza, a gente conseguiu reverter. A reportagem do GLOBOESPORTE.COM almoçou com o treinador rubro-negro nesta segunda-feira, no Recreio dos Bandeiras, na Zona Oeste. Com expressão cansada, mas feliz pela vitória no último Fla-Flu, falou sobre tudo que o cerca nessa experiência que ele classifica como fantástica. A palavra, aliás, foi a que ele repetiu mais vezes na entrevista. Jayme é um técnico que valoriza o passado, mas se concentra no presente. Sobre futuro ele nem quer falar. Certo mesmo é que até 8 de dezembro será o comandante rubro-negro. A partir daí, vai pensar. Inclusive no que viveram Andrade e Carlinhos, interinos que assumiram o time, venceram no clube, mas que nunca conseguiram tirar da testa a expressão técnico que só serviu para o Flamengo. - Essa história é uma experiência que a gente vê, que infelizmente aconteceu com o Andrade, com o Carlinhos nem tanto, mas é uma coisa que a gente tem que pesar também. Aconteceu. E é uma coisa que já parei para pensar algumas vezes, não consigo entender a resposta. Mas é uma coisa que realmente me deixa muito triste com o esporte. Sinceramente. Um profissional da qualidade do Andrade não ter espaço no Brasil, nunca deram uma oportunidade, preocupa principalmente porque eu vejo a quantidade de treinadores que trocam de clube com uma facilidade impressionante e o currículo deles é muito inferior ao que o Andrade conquistou. Confira a íntegra da entrevista: GLOBOESPORTE.COM: Você chegou ao restaurante e em dez minutos torcedores vieram te procurar para pedir fotos. Definitivamente sua rotina não era assim. Você passa a estar na vitrine. Como encara esse assédio? JAYME: Isso faz parte do cargo de técnico do Flamengo. Isso não me incomoda, mas não sobe para a cabeça, porque já tive isso quando fui atleta do Flamengo. Jogar no Flamengo é um peso muito grande. Já passei por isso como atleta e nunca me empolguei muito. Acho legal dar carinho para a torcida, a torcida do Flamengo é muito grande em todas as faixas de idade, classes econômicas. Sempre estou disponível para poder assinar uma camisa, tirar uma foto. É o mínimo que posso fazer pelo que eles fazem torcendo, gritando, nos ajudando. O que mais mudou na sua rotina? Deixou de fazer alguma coisa? Absolutamente nada. Não deixo isso interferir em nada. Fui criado aqui no Rio, moro num condomínio em que todo mundo me conhece, ando nos lugares que sempre andei, só que agora tirando foto, as pessoas me reconhecem. O que faço diariamente não mudou nada. Gosto de dar minhas caminhadas, de jogar minhas peladas na quinta-feira, jantar fora de vez em quando. Só esse carinho da torcida que quando me reconhece vem falar comigo. Eu sei o que representa o técnico do Flamengo e a gente tem que ter um carinho pelo torcedor. Nessa pelada de quinta os amigos estão chegando mais leve ou mais pesado? Não (risos). É uma pelada que eu jogo lá no condomínio desde 86. É uma amizade longa que a gente tem, então é tranquilo. Muita brincadeira depois com o time que perde, a gente toma um chopinho, é bem descontraído. É legal para distrair um pouco. Você chegou para o nosso almoço com expressão cansada, falando que a quarta-feira está próxima, o próximo jogo. Como auxiliar você nem viajava, podia ficar mais no Rio, curtir a família. Como é essa mudança de ritmo? O que realmente mudou foi isso. Eu não concentrava. Saía do treino sábado e ia à praia, tomar um chopinho com a família. Lá em casa sempre tinha um almoço que saía às quatro da tarde no sábado. Isso acabou, não tem mais isso, só quando chegar as férias. E eu sinto falta, porque gosto muito da família. Tenho uma mãe (Elvira) que está com 89 anos, gosto muito de estar presente também. Fim de semana ia lá, ou almoçávamos na minha casa ou no Leblon na casa dela. Sinto muita falta disso. Mas por outro lado você ganhou uma grande oportunidade... É a vida, né? Perde um lado, mas ganha do outro. A responsabilidade que foi colocada para mim, para o Cantarele, para essa comissão, era de uma dificuldade muito grande, de um momento muito ruim do Flamengo. Todo mundo ficou muito abalado com a saída do Mano (Menezes), que ninguém esperava. Foi difícil, mas a gente conseguiu, com a ajuda de todo mundo. Acho que sem os jogadores com certeza a gente não poderia fazer isso. Graças a Deus estamos conseguindo tirar o Flamengo dessa preocupação maior que era essa zona de rebaixamento e estamos tentando chegar a uma final de Copa do Brasil. A família entendeu bem essa mudança? Estou no esporte desde os 15 anos. Minha mulher (Cláudia) e meus filhos (Carla e Jayme Neto) já conviveram muito com isso. Agora os netos (Breno e Pietra) começam a conviver. Eles aceitam, me ajudam, entendem que às vezes é difícil. Isso dá muita tranquilidade, o apoio da família é muito importante, dos meus amigos. Muita gente que eu não via há muito tempo ligando para dar parabéns, desejar sorte. É uma força muito grande para a gente. Todo mundo sempre fala de você com muito carinho, principalmente seus ex-companheiros de Flamengo. Eles também fizeram contato? O quanto isso deu força na hora de assumir o time? Isso foi fundamental. Primeiro porque deixei coisas bacanas para as pessoas. E isso não foi agora que estamos fazendo sucesso, mas lá atrás, contra o Náutico, muita gente me ligando, mandando mensagem, desejando sorte. Ex-atletas meus, ex-companheiros, o pessoal de Iraty, do Japão, de quando trabalhei lá. Minha história é vitoriosa por ter feito grandes amizades e deixado uma história bonita por onde passei. Depois da vitória no Fla-Flu o risco de rebaixamento está praticamente eliminado, que era o primeiro objetivo. Mas você foi além e vive a possibilidade real de título da Copa do Brasil e de vaga na Libertadores. O sentimento já é de dever cumprido? A primeira coisa que foi legal, uma vitória nossa, e digo do grupo, foi o comprometimento de todo mundo. A partir do momento que você sentiu que o time se comprometeu, todo mundo se ajudando, até a própria torcida do Flamengo percebeu que era um outro grupo com os mesmos jogadores, mas com o sentimento diferente. Isso foi uma coisa que a gente conquistou e que guardo para mim sempre, independentemente do que acontecer daqui para frente. Eu acho que temos uma possibilidade enorme de chegarmos a uma final, com todo respeito ao Goiás. E se nós passarmos para a final vai ser fantástico. A dificuldade que nós passamos, tudo que aconteceu no clube, toda aquela incerteza, a gente conseguiu reverter. Essa união e esse comprometimento que você sempre destaca já havia vivido em outro clube como jogador ou membro de comissão técnica? Dá para comparar com algo que viveu no próprio Flamengo? O que a gente procurou passar foi justamente isso. Quando comecei minha carreira no profissional, a gente mesclou a juventude do nosso time bicampeão carioca com jogadores mais experientes que deram suporte para a gente poder jogar. Eu, Geraldo, Júnior, o próprio Zico, Rondinelli, o próprio Vanderlei (Luxemburgo) jogava. O Liminha, que infelizmente faleceu, o Renato goleiro, o Arilson, Doval. Isso de se juntar e procurar fazer, com eles dando apoio e a gente tentando fazer o melhor, foi marcante na minha carreira. O Flamengo é muito disso, de se juntar e ir à luta. Eu falei isso para eles. Se a gente se juntar, a torcida vem com a gente. Se a torcida perceber que queremos, ela vai vir com a gente. Nós começamos a jogar e me lembro bem que contra o Botafogo, no jogo que foi 1 a 1 pela Copa do Brasil, não esperava tanto flamenguista e foi um jogo muito bonito. Fizemos um jogo esquisito contra o Náutico (empate sem gols pelo Brasileiro) e viemos para o Maracanã com todo mundo achando que o Botafogo daria um show no Flamengo. Aquele dia notei que a coisa estava começando a andar. Esse espírito foi fundamental. Eles procuraram fazer da melhor forma mesmo sem treinamento, era jogo quarta e domingo, alguns jogadores sem a condição física ideal. Mas acertamos o caminho. Você falou da questão do comprometimento da sua geração e citou jogadores fora de série. E esse Flamengo não tem nenhum astro. Está aí também um mérito seu e desse grupo? Todo mundo dá o seu melhor pelo objetivo. Cada um está procurando fazer sem egoísmo, sem pensar em ser o melhor. É dar o melhor e ajudar o outro. Todo mundo percebeu, não só os onze, mas o grupo todo. Perdemos para o Atlético-MG, mas poderíamos ter vencido. Contra o Fluminense, jogamos de igual para igual. Todo mundo sentiu que pode se ajudar, trabalhando, correndo, se doando com humildade. Não tem estrela, mas tem um grupo que precisa fazer sempre o melhor. Você assumiu o Flamengo e está fazendo sucesso. Voltou a ser treinador. Pode-se dizer que virou um caminho sem volta? Você retomou o caminho e não volta a ser auxiliar? Sinceramente eu não parei para pensar até porque desde que assumi foram dificuldades, muitos problemas, não podia perder. Todo mundo sabe que sou funcionário do clube. Meu compromisso com a diretoria é até dezembro e a partir de dezembro vou avaliar tudo, a gente vai conversar, e a partir daí vou seguir minha vida. Pode ser aqui, pode ser em outro lugar. Mas não defini ainda o que vou fazer depois do dia 8 de dezembro, que é quando meu compromisso verbal com o Wallim (Vasconcellos, vice de futebol) e com presidente (Eduardo) Bandeira de Mello, isso que nós acertamos. Vou procurar levar da melhor maneira possível. Você tem 60 anos. A ideia de voltar a ser treinador estava adormecida ou era algo que você alimentava? Voltei a ser treinador. A ideia estava adormecida. Minha formação sempre foi para ser técnico, e as oportunidades a gente nunca sabe quando vão acontecer. Tive experiências maravilhosas como técnico, mas tenho certeza que se tivesse feito num centro mais qualificado teria uma carreira que seria vista mais rápido. Fiz trabalhos maravilhosos, mas em cidades menores, ou então em Terceira Divisão, ou trabalhando com coreano, japonês. Isso não deu visibilidade para a minha carreira, mas eu sempre acreditei no trabalho. Nunca me achei melhor que ninguém, mas nem pior que ninguém. A chance apareceu, tenho que agradecer a esse grupo de jogadores que está me proporcionando um momento legal na minha carreira. Sem eles, sinceramente, eu não conseguiria absolutamente nada. O trabalho na Desportiva, do Espírito Santo, foi o mais especial para você? Pouca gente sabe, mas você foi campeão capixaba lá em 1992. Fiquei no Flamengo de 88 a 91 trabalhando no infantil, juvenil, juniores. Fui técnico, preparador físico, sou formado em Educação Física, fui auxiliar. Terminou 91, em 92 a Desportiva começou o Campeonato Brasileiro da Segunda Divisão, o time tinha quatro jogadores do Flamengo emprestados lá, já que havia uma parceria, e o treinador começou mal, aí o Isaías Tinoco (ex-gerente de futebol do Flamengo) disse a eles: ‘Tem o Jayme aqui que está prontinho’. Fui para lá sem conhecer ninguém. A Desportiva estava em último na Segunda Divisão e quando acabou o Brasileiro estava classificada, chegamos em primeiro e classificamos para a Primeira Divisão. Depois fui campeão capixaba. Foi um ano maravilhoso. Se eu faço um trabalho desse num centro maior, com certeza a visibilidade seria outra. Depois que você faz tudo isso, encontrava os amigos aqui no Rio e eles perguntavam: ‘Onde é que você estava?’. É duro. A realidade é essa. Mas foi um aprendizado muito grande. Lá na Desportiva fui supervisor, técnico, ajudava na cozinha, os cozinheiros me adoravam, ajudava a servir comida. Fiquei lá sozinho, sem a família, passava o dia todo envolvido com o clube. Experiência fantástica. No Flamengo você é chamado de Jaymão por quase todo mundo. É essa a relação que você mantém com funcionários e jogadores que te ajuda? O que é muito legal no Flamengo é que como sou um cara simples, e como tenho muito tempo de clube, minha convivência de onde entro no Flamengo até o presidente do clube é muito legal. No Ninho, na Gávea, tudo facilita. As pessoas têm um carinho por mim porque eu também dou muito carinho. Gosto, pergunto se está tudo bem. Comigo não tem esse negócio de hierarquia. Vou na cozinha, brinco com todo mundo, com os seguranças tenho umas brincadeiras. É uma intimidade legal. E quando fui colocado como treinador as pessoas perceberam que não mudou nada. Você percebe quando vai no Ninho que todos estão muitos felizes por eu estar lá como técnico. O astral do Ninho é fantástico. E você trabalhando com pessoas que querem facilitar é fantástico. Tenho isso no Ninho, no Flamengo, carinho de todos. Estar no Flamengo numa situação dessas, com toda a dificuldade do início, foi fantástico. Sempre agradeço por ter conseguido isso, por estar num local onde todo mundo convive bem e torce para que dê certo. Continua botando apelidos nos jogadores? Eu coloco alguns (risos). Eu brinco assim. Quem me vê na televisão, eu sou um cara que na hora do trabalho sou muito sério. Me cobro muito, cobro dos jogadores, porque tem que ter seriedade. Mas fora a gente tem muita intimidade, sou um cara que brinca, coloca apelidos, o pessoal ri muito. É bem descontraído. É prazeroso estar com todo mundo lá e eu me divirto muito. É muito legal. Você não é o tipo de treinador que costuma gritar, gesticular na beira do campo. É um jeito diferente de lidar com o futebol? É contrário a esse tipo de comportamento? Às vezes o pessoal extravasa, está tentando falar alguma coisa. Mas é difícil falar com alguém, ninguém vai te escutar, cara. Não adianta. O Léo (Moura) passa ali na lateral, mas é muita concentração, é muita torcida. A gente tenta dar um recado, um detalhe, mas não adianta querer mudar o todo. O que eu penso é que você tem que tentar ajeitar o time para chegar pronto no jogo, saber o que vai fazer em campo. Tem muita coisa no campo que não dá para o técnico resolver, os jogadores têm que resolver, assumir a responsabilidade. Não podem ficar esperando o treinador. Eles também estão entendendo isso. Você é o tipo de treinador que vai defender seus jogadores até o fim? Vai brigar por eles? Eu sou um tipo de treinador, e uma pessoa, que gosta das coisas do jeito mais correto possível. Se eu tiver que falar algo, não vai ser pela imprensa. Vai ser sempre interno. Não vou expor ninguém, nunca fiz isso, não gostaria que fizessem isso comigo. Acho falta de respeito. Ninguém erra de propósito. O que dá errado a gente procura consertar. Quando a gente perde, é porque é um todo. Às vezes a gente chama e conversa para tentar corrigir algo que esteja errado. Você disse que é muito sério no trabalho. Se considera um treinador linha dura? Você não precisa ser linha dura. Mas ter o respeito do companheiro é fundamental. Se eu marco o treino às três e o cara chega atrasado, é falta de respeito com todos os outros. Não é só comigo, mas com quem chega no horário. Eu coloco essas coisas para a pessoa perceber e entender que ela fazendo isso vai estar prejudicando todo mundo. Com conversa, com diálogo, é sempre melhor. Desde que você voltou ao Flamengo, no fim de 2010, auxiliou e conviveu com cinco treinadores: Luxemburgo, Joel Santana, Dorival Júnior, Jorginho e Mano Menezes. Você consegue dizer o que conseguiu tirar de melhor de cada um? Cada um tem seu modo de montar equipe, modo de ver o futebol. Uns mais defensivos, outros mais ofensivos. Outros mais pragmáticos, outros com o time mais amarrado. Mas são todos bons treinadores. Nunca tive problema com nenhum deles, foi uma coisa importante. Como conheço muito bem o clube, eles pediam muitas informações. Sempre fui muito honesto nesse momento. A convivência e o aprendizado foram grandes. Eu observo o técnico do mirim do Flamengo, o Gilmar, que está fazendo um trabalho fantástico. Eu fico olhando os treinos, gosto de observar. O ser humano tem de estar sempre atento para aprender, para melhorar. Tive a oportunidade de conviver com cinco grandes técnicos do futebol brasileiro. E de estilos muito diferentes, né? Não só profissionalmente, mas de personalidade. O Vanderlei como tinha muita intimidade com ele era muito mais relaxado. Um que falavam e que parecia muito fechado, mas me tratava com muita abertura, foi o Mano. Foi muito legal. Ele passa uma imagem séria, mas quando comecei a conviver foi fantástico. Um cara que eu achava mais fechado, mas tinha muita intimidade, até brincava. Uma experiência muito bacana. Depois que você assumiu o comando técnico do Flamengo, muito se falou de Andrade e de Carlinhos. Treinadores que viveram o que você vive hoje, fizeram sucesso, mas nunca conseguiram tirar da testa a expressão ‘técnico que só serviu para o Flamengo’. Você diz que está concentrado apenas em 2013, mas é algo que inevitavelmente te faz pensar? Eu conheci os dois, convivi com os dois. São pessoas fantásticas como homens. Muito corretos. Se não deram certo fora do Flamengo, eu acho que o Andrade nem teve chance. O Andrade não teve chance nenhuma. Não sou advogado do Andrade, mas o que aconteceu com ele é uma coisa que se especulou até racismo, eu não acredito nisso. Mas o Andrade foi campeão brasileiro em 2009, mas não foi só campeão. O Andrade foi o melhor técnico do ano. E nunca mais teve um emprego num time da Primeira Divisão do futebol brasileiro. E você vê treinadores aí que nunca ganharam título nenhum e saem de um time para o outro. O Andrade foi convidado, e eu sei disso, para tentar salvar time de Segunda Divisão. Foram os convites que ele teve. O Andrade nem chance teve, a verdade é essa. E é uma coisa que me deixou muito triste, acho que é uma injustiça para um profissional. Sai de uma conquista dessa (2009), a história que ele tem no futebol, uma história bonita, capacitado, mostrou que tem condições, mas nunca foi chamado. E o Carlinhos eu não sei dizer, mas ele é muito Rio de Janeiro, sossegado. E aqui no Rio só poderia trabalhar no Flamengo. Acho que por isso não decolou a carreira dele fora do Rio. Ele tem uma rotina meio Flamengo, meio Rio de Janeiro. Então eu acho que ele é muito carioca. Eu acho. Não posso afirmar se é isso. Mas os dois foram fantásticos. Eu vejo as coisas que conseguiram no Flamengo, tem que ter muita capacidade. Porque o Flamengo é uma ebulição, uma pressão, tem que ter cabeça fria, muito controle, para levar o Flamengo, nesse turbilhão que é esse clube, às conquistas que eles conseguiram maravilhosamente. Isso é algo que você pode pesar na hora de decidir se fica ou não no cargo? Eu acho que cada época tem sua história, cada pessoa tem sua história. Essa história é uma experiência que a gente vê, que infelizmente aconteceu com o Andrade, com o Carlinhos nem tanto, mas é uma coisa que a gente tem que pesar também. Aconteceu. E é uma coisa que já parei para pensar algumas vezes, não consigo entender a resposta. Mas é uma coisa que realmente me deixa muito triste com o esporte. Sinceramente. Um profissional da qualidade do Andrade não ter espaço no Brasil, nunca deram uma oportunidade, preocupa principalmente porque eu vejo a quantidade de treinadores que trocam de clube com uma facilidade impressionante e o currículo deles é muito inferior ao que o Andrade conquistou. É sabido que o planejamento de 2014 já começou. Você deixou bem claro que sendo ou não o treinador do Flamengo para o próximo ano vai colaborar. Como tem sido esse trabalho, o que você tem conseguido fazer? Pela minha função, independentemente de ser técnico agora, a reformulação, os jogadores para 2014, começou o processo há um mês para não ficar muito em cima. Tivemos uma conversa, chegamos a algumas conclusões e o clube está começando a viabilizar alguma coisa. Eu torço para que as coisas andem bem. O próprio Wallim falou que se o Flamengo conseguir o sonho de ir para a Libertadores vai rever até o orçamento para o futebol. Isso depende também desse resultado ainda. A gente não conta com a vitória na Copa do Brasil, mas temos que começar o trabalho para 2014 e esse trabalho começou a ser feito, independentemente da minha permanência como técnico do Flamengo. O quanto a chance de devolver o Flamengo para a Libertadores mexe com você? Qualquer título que você consiga no Flamengo é uma vitória para o resto da vida. Se tiver a oportunidade de chegar à final, de ser campeão, aí vai ser uma alegria, uma emoção, um marco na carreira de todo mundo que esteve nesse barco, que está nesse barco. É fantástico. A gente já teve essa experiência de ter sido campeão pelo clube. Se tiver a oportundiade de chegar à final, vamos fazer o possível para conseguir esse título. Foi uma vez só e durou poucos minutos. Mas o que você sentiu com aqueles gritos de ‘burro’ da torcida no Maracanã no jogo contra o Bahia? A reação da torcida nem foi só pela saída do Elias. Eu ia botar o Rafinha no lugar do Paulinho. A história desse jogo é complicada. Vencíamos o Bahia por 1 a 0, um time perigoso, e vieram quatro jogadores nossos falando para eu não trocar porque não sabiam se conseguiriam continuar até o fim. E eu já tinha feito duas substituições. Mas tudo bem. A gente vai controlando, olhando dali, daqui. O Paulinho pediu para sair e estava 1 a 0. Pedi para ele segurar. Aí o Bahia empatou. E o Paulinho falou que não aguentava mais, que era para colocar o Rafinha porque precisávamos ganhar. Quando fui chamar o Rafinha, e a torcida do Flamengo viu o Rafinha, o Elias viu que ia sair o Paulinho e falou: ‘Jayme, acabei. Me tira que a gente vai perder o meio’. E nessa história tem que pensar rápido. O empate não era bom, mas não era ruim. Se a gente abre o meio e toma o segundo gol, a gente apanha, toma a virada. O único que tinha para substituir o Elias era o Val. Não é inventar. E na hora que volta o Rafinha e vem o Val a torcida viu que ia sair o Elias e começou a gritar burro. Mas aí eu não fiquei magoado, não. Sinceramente. Eu acho que a torcida estava impaciente com a situação. E o Val enfrenta certa resistência. Mas a gente confia nele. Mesmo quando ele joga bem há resistência para reconhecer. Pelo menos me chamando de burro não ofenderam o menino que a gente precisava. E acabou que logo depois da troca fizemos um belo gol (assista ao vídeo). Futebol é assim. Mas eu não tenho mágoa, entendo. Gostaria que você falasse sobre dois jogadores que nem estão mais no clube, mas você conviveu com eles e como conhece bem o Flamengo pode falar de ambos: Ronaldinho Gaúcho e Adriano. Ronaldinho perdeu a chance de ser ídolo em um dos maiores clubes do Brasil? Eu acho que no caso do Ronaldinho houve erros dos dois lados. O que posso dizer é isso. Precisava de um pouco mais de boa vontade dos dois lados. Ele tinha tudo para se tornar o grande ídolo depois da era do Pet. Não quero criticar ninguém, mas eu convivi lá e acho que faltou paciência de um lado e profissionalismo do outro. Do próprio clube. O início foi tão bonito, aquela apresentação lá na Gávea foi tão fantástica, mas não deu certo. Uma pena porque eu acho que se tivesse um pouquinho mais dos dois lados com certeza poderia fazer uma história bonita, o jogador fantástico que ele é, poderia dar muito mais ao Flamengo. E o Adriano? Você acha que ele ainda pode voltar a jogar e a ser um jogador de alto nível? Adriano eu conheci garoto, nunca trabalhei com ele porque na última volta dele ele não jogou. É um garoto que tem um coração grande, tem algumas dificuldades que só ele pode resolver. Tomara que resolva, é um garoto muito bom, potencial fantástico para jogar futebol. Mas eu acho que primeiro tem que resolver os problemas para seguir a vida dele normalmente. Ele tem um coração bom, índole boa, a gente torce por ele. Eu já vi muita coisa no futebol. Jogador que machucou, você acha que não joga mais e acaba voltando. Depende muito do que ele tem dentro do coração, do que ele sonha alcançar na vida. Só depende dele. Ninguém pode determinar se joga ou não. Eu não posso julgar. Você hoje é o responsável por armar o time, mas por muito tempo ficou mais na observação de novos talentos para o clube. Paulinho vive um grande momento. Esse jogador tem potencial para construir uma história no Flamengo? O que a gente vê no Paulinho e vê pouco no futebol brasileiro de hoje, que era uma característica marcante do nosso jogador, do jogador da minha época, é que é um jogador de velocidade, que dribla bem para os dois lados, e que tenta. Ele tem uma coisa que pouca gente tem. Você vê que ele é rápido, mas dribla bem e não tem medo de tentar. O que ele está conquistando é justamente isso. Ele tem um potencial muito grande e com a confiança do dia a dia, dos jogos, a liberdade que a gente dá para ele, está conseguindo jogar acima do nível que o pessoal joga aqui no Brasil. O jogador brasileiro que tinha capacidade de driblar você quase não vê hoje em dia. Ele pode crescer ainda mais. É um menino, está em idade boa, veio de time pequeno, está conseguindo conquistar uma torcida. E isso é muito difícil. Você sai do interior de São Paulo e chega num time como o Flamengo, que não estava num bom momento, não era um time montado. A gente fica feliz de ver um garoto que, através do trabalho, está conquistando o espaço dele. Você começou a jogar futebol de campo no Flamengo com 15 anos e passou mais da metade da sua vida dentro do clube. Consegue imaginar a vida sem o Flamengo? Primeira coisa: se minha mãe não morasse do lado do Flamengo, no Leblon, eu nem seria jogador de futebol. A minha ideia de futebol quando tinha de 13 para 14 anos era jogar bola por lazer. Eu pensava em me formar em medicina. Mesmo dentro do Flamengo, quando comecei, não tinha a intenção de jogar. Aí fui me envolvendo, tomei gosto, foi quando comecei a fazer esse monte de amigos de uma geração maravilhosa com Zico, Rondinelli, Cantarele, Vanderlei, eu, Geraldo, que morreu, Leovegildo (Júnior), nós formamos aquela panela. O Flamengo me proporcionou isso. Mas hoje é difícil pensar. Já passei em vários clubes, mas o Flamengo está dentro do coração. Fui criado lá. Aprendi a amar e a respeitar esse clube, a torcida. Quando voltei para o Flamengo em 2010 foi com muito orgulho, para trabalhar com o Vanderlei (Luxemburgo), que é um amigo de 40 anos. Tenho muito orgulho de ser funcionário e de trabalhar no Flamengo. É impossível que nem quando encosta a cabeça no travesseiro para dormir não pense na possibilidade de conduzir o Flamengo ao título. Eu só vou pensar nisso se a gente passar pelo Goiás. Não posso jogar uma coisa para cima se ainda não aconteceu. Se a gente passar, vamos fazer muita força, estádio vai estar cheio, torcida vai estar lá, mas a gente não passou ainda. Se conseguirmos passar, aí a gente sonha em ser campeão. Com muita honestidade, ainda não parei para pensar. Tenho muito respeito pelos adversário. Não posso sonhar ser campeão se não passei. Quarta-feira não vai ser fácil, o Goiás é qualificado, perde pouco, encostou na frente no Brasileiro. Temos uma vantagem, mas ainda não estamos na final.
Posted on: Tue, 05 Nov 2013 16:42:47 +0000

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