Rafael Jardim Entenda como a cartilha neoliberal contribuiu para - TopicsExpress



          

Rafael Jardim Entenda como a cartilha neoliberal contribuiu para os protestos violentos na Suécia Desmantelamento gradual do Estado de bem-estar social, corte de impostos só para os ricos, crescimento muito acelerado da pobreza e desigualdade, autoritarismo e repressão policial à moda Thatcher, tensão social... O (“neo”) liberalismo – os neoliberais não gostam de ser chamados assim, ficam sentidos – é culpado do quê, mesmo? Na semana passada, escrevi sobre o fato de o neoliberalismo ter chegado à Suécia, e sobre como isso tem colocado em xeque o muito bem sucedido Estado de bem-estar social, implantado e mantido pela esquerda sueca, que governou o país de forma praticamente ininterrupta desde 1932. Mostrei, com dados, que pela segunda vez em duas décadas, a direita assumiu o poder no país nórdico e que, de novo e imediatamente, a pobreza e desigualdade cresceram vertiginosamente naquele que, por ter muita gordura para queimar, continua sendo um dos países mais desenvolvidos do mundo. Os dados são claríssimos: a Suécia foi o país da OCDE cuja desigualdade aumentou mais rapidamente em duas décadas, num ritmo quatro vezes maior que dos outros países do grupo. Naquele texto, optei por um estilo, digamos assim, mais aberto, escancarando minhas críticas ao neoliberalismo e aos direitistas, como uma isca para chamá-los para o debate. Não deu outra. Minutos depois de publicado, já veio o primeiro questionamento, num estilo elegantemente irônico. Dias depois, via Facebook, vieram novos comentários, para minha satisfação. Anotei todos com carinho para, num novo texto, oferecer a minha tréplica. Considerem este texto, portanto, como uma continuação do anterior, e como resposta a (quase) todos os comentários/questionamentos que recebi. Exceção feita a apenas um comentário de alguém que preferiu não se identificar, e cujo “conteúdo”, pela evidente falta de argumentos, equilíbrio e maturidade, não merece maiores considerações. No primeiro comentário, um leitor mostrou-se cético à existência de uma relação entre as políticas neoliberais do governo direitista da Suécia e a queima de carros promovida pelos manifestantes. Segundo ele, faltou demonstrar o “nexo causal”. Pois bem. Aqui, serei o mais claro e objetivo possível. Aplicando a cartilha neoliberal, a coalizão de direita liderada pelo Partido Moderado (que até 1969 era chamado de Partido da Direita, mas, assim como vemos ocorrer no Brasil, passou a ter vergonha de se assumir como tal) simultaneamente desonerou impostos dos mais ricos e cortou benefícios sociais. Quem faz isso ao mesmo tempo em que cresce a taxa de desemprego não pode esperar outra coisa se não o rápido aumento da pobreza e desigualdade e, por consequência, da insatisfação de uma parcela considerável da população. Se não bastasse, a direita sueca inspirou-se na experiência de Reagan nos EUA e, principalmente, de Thatcher no Reino Unido ao implementar o que alguns acadêmicos chamam de “neoliberalismo político”. O termo é comumente utilizado para referir-se ao autoritarismo típico de governos neoliberais, que usam e abusam da força policial para dispersar, inibir e até perseguir todos aqueles que ousam levantar a voz e ir às ruas protestar contra as suas medidas. Alguém ainda não entendeu o apelido “Dama de Ferro” dado a Margaret Thatcher? De fato, uma breve análise histórica revela um claro padrão nas experiências neoliberais, em que os governos utilizam-se frequentemente de força policial desproporcional e abusiva para fazer valer a sua palavra e vontade. Nada que deva causar estranheza àqueles honestos seguidores de Hayek, Mises, Friedman e companhia. Afinal, Hayek demonstrava muito claramente que não tinha lá tanto apreço assim pela democracia. Na Suécia, as reclamações contra o desrespeito e despreparo por parte de policiais e os abusos e arbitrariedade da ação policial têm crescido bastante ao longo dos últimos anos. Lendo alguns depoimentos, é fácil notar que, ultimamente, o comportamento da polícia na Suécia não está tão distante do que vemos e ouvimos diariamente aqui no Brasil. Será que alguém ainda não enxergou o nexo causal entre as políticas neoliberais e as revoltas? Ora, desmantelamento gradual do Estado de bem-estar social, corte de impostos só para os ricos, crescimento muito acelerado da pobreza e desigualdade, taxa de desemprego em alta, repressão policial que faria brilhar os olhos de Margaret Thatcher, altíssima tensão social, e tem-se o cenário perfeito para a revolta coletiva. Com os nervos de todos à flor da pele, uma ação policial desastrada seria – e foi – suficiente para dar início aos protestos violentos. Lembrando, como eu também o fiz no texto anterior, que a questão migratória também é parte importante do contexto que levou às revoltas. Como expliquei na semana passada, não abordarei esse assunto, pois não é o foco da minha análise. Respondida essa questão, vamos aos outros comentários. Em um comentário, foi feita uma relação confusa e desastrada entre a crescente desigualdade na Suécia e sua alta taxa de impostos. Ora, primeiramente, deve-se lembrar que, embora a direita esteja desmantelando gradualmente o Estado de bem-estar social sueco, felizmente tal processo levaria muito, mas muito tempo. Por isso, é claro que sua taxa de impostos não sofreu grandes alterações. Em segundo lugar, é fundamental perceber que, por se tratar de um país de clara tradição socialdemocrata, os neoliberais não cometeriam o suicídio político de desmantelar de uma vez o Estado sueco e diminuir drasticamente os impostos. Até porque, o mais importante para os seguidores de Mises & Cia seria diminuir os impostos sobre os mais ricos, e isso sim foi feito. Por isso, não é de longe uma contradição que a taxa de impostos da Suécia continue em patamares próximos aos de anteriormente e a desigualdade tenha aumentado. É o reflexo claro de uma política neoliberal que já surtiu efeitos desastrosos em pouco tempo, mas que ainda não destruiu – por ser impossível e também inviável politicamente – o Estado de bem-estar social. Uma estratégia típica dos direitistas – e utilizada no comentário – é botar em um mesmo caldeirão tudo o que vai de socialdemocracia até a anarquia. Assim, socialdemocrata, comunista, petista (!?), stalinista, marxista-leninista, castrista, maoista e anarquista tornam-se a mesma coisa. Na tentativa frustrada de menosprezar meus argumentos, o leitor saiu da Suécia, pegou um avião e foi lá pra Cuba. Nessa viagem, o leitor (talvez sem querer) aludiu nas entrelinhas que a Suécia seria socialista. È interessante observar o seguinte: quando a direita quer elogiar o sucesso do modelo nórdico, a Suécia vira capitalista. Assim, ela seria um trunfo do próprio capitalismo. Mas quando é para criticar o modelo, a Suécia vira socialista, num estalo de dedos. Curioso. Foi comentado também acerca da crise europeia, e como eu não entenderia os efeitos dela para explicar a situação da Suécia. Ora, no texto anterior, eu mostrei que o novo aumento da desigualdade iniciou-se depois de 2006, e antes, portanto, do estouro da nova crise econômica mundial. Ou seja, não dá para colocar na conta da crise, muito embora ela obviamente tenha contribuído para a situação (tão somente a partir de 2009, quando seus efeitos foram sentidos). Sobre isso, nunca é demais lembrar que, como tem mostrado claramente a Europa, o remédio neoliberal para as crises só piora as mesmas. De tudo o que foi comentado, a melhor parte (para mim) foi a que citou a Suécia como uma das líderes mundiais no Índice de Competitividade Global. Eu já esperava um comentário como esse, por ser sintomático da ideologia neoliberal. Ora, ninguém pode negar a relevância de um índice de competitividade, mas será mesmo que sua importância pode ser minimanete comparável à de um Índice de Gini? É aí que está o centro de toda a discussão. Para os neoliberais, mesmo aqueles que porventura neguem pensar que desigualdade é algo bom, medir o nível de competitividade de um país é sim mais importante que medir a sua desigualdade. A lógica deles é: é preciso que o país tenha uma alta competitividade, para que mantenha um bom ambiente de negócios, para que as empresas lucrem mais, para que o país cresça mais, de tal forma que daqui a 30 anos, talvez e se der tudo certo, nós poderemos pensar em distribuir esse delicioso bolo construído pelos corajosos e esforçados empreendedores, os verdadeiros heróis da nação. Nessa linha de pensamento, se for para aumentar a competitividade do país, vale implementar medidas que aumentem a desigualdade (arrocho salarial, por exemplo). Isso (e mais algumas coisas) é neoliberalismo, para quem ainda não entendeu. Ainda sobre a desigualdade, é interessante perceber que, na hora de teorizar, os neoliberais não se constrangem em dizer que a desigualdade não é em si um grande problema, pelo contrário, é, segundo eles, natural e até necessária. Mas quando a desigualdade aumenta em decorrência da cartilha neoliberal, todos somem e passam a fingir que não é com eles. Para finalizar, não resisto a responder a mais um comentário feito, de que estão sediadas na Suécia empresas importantes, como a Volvo, Ericsson, Electrolux, Scania e a SKF. Em primeiro lugar, é um argumento nulo, pois não diz nada concreto. Em segundo lugar, vale lembrar que a maioria das grandes e principais empresas suecas foram consolidadas em tempos de socialdemocracia. E em terceiro lugar, talvez o leitor tenha estrategicamente “esquecido” de citar a Saab, famosa montadora sueca de carros, que decretou falência em 2011, em decorrência do desmantelamento da indústria no país. Esqueceu-se de citar, também, que por esse mesmo contexto, a Volvo Cars teve de ser vendida, tendo sido comprada em 2010 pela Geely, montadora chinesa de carros. Esqueceu-se, por fim, que nesse mesmo contexto, a Volvo e a Ericsson têm feito demissões aos milhares. Desigualdade e pobreza crescentes, autoritarismo e repressão policial à moda Thatcher, tensão social... O (“neo”) liberalismo – os neoliberais não gostam de ser chamados assim, ficam sentidos – é culpado do quê, mesmo? jornalopcao.br/colunas/contradicao/entenda-como-a-cartilha-neoliberal-contribuiu-para-os-protestos-violentos-na-suecia
Posted on: Sun, 25 Aug 2013 02:01:14 +0000

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