Sobre Heróis à moda dos Açores, por vários autores Heróis - TopicsExpress



          

Sobre Heróis à moda dos Açores, por vários autores Heróis à moda dos Açores (Lugar da Palavra Editora, 2013) é uma colectânea de narrativas escritas por Gabriela Silva, Humberta Araújo, Paula Espada, Rita Bonança e Rúben Correia, e vem provar e comprovar que o povo açoriano tem, na oralidade, uma das suas mais ricas expressões culturais. Com imaginação à solta, eficácia narrativa e algum humor à mistura, estes autores açorianos lançam-se à escrita, sendo que um propósito os move a todos: o de registar, resgatar e incorporar palavras e expressões populares açorianas que, nas páginas deste livro, surgem grafadas a negrito. Com efeito, a obra parte em busca de uma identidade cultural através das marcas linguísticas que caracterizam os falares dos Açores. Aqui se lançam olhares à idiossincrasia açoriana, cujos traços distintivos, para além do léxico, passam pela sabedoria popular, pelos usos e costumes e pela memória do vivido, do sentido e do evocado. Avancemos com este pressuposto: os Açores são de Portugal, e uma cultura açoriana é inseparável e indissociável de dois milénios e meio de civilização europeia, de quase 9 séculos de história portuguesa e de mais de 5 séculos de vivência nestas ilhas. É, pois, neste contexto ocidental que os autores de Heróis à moda dos Açores invocam e convocam sensações, sentimentos e estados de alma que ficaram enraizados nas suas memórias, havendo em todos eles uma declaração de amor, um maravilhamento e uma ternura pelos sons e pelos tons das palavras, ou não fossemos nós, ilhéus, herdeiros de uma tradição musical e poética com raízes fundas e profundas na melhor poesia trovadoresca.Aliás, coloquei Heróis à moda dos Açores na minha estante destinada ao léxico, e o livro não poderia estar em melhor companhia: entre os mais clássicos, tenho lá os volumes Ilha Terceira, Notas Etnográficas (Instituto Histórico da Ilha Terceira, 1980), de Frederico Lopes (João Ilhéu); Ilha Terceira, Estudo de Linguagem e Etnografia (Secretaria Regional de Educação e Cultura, 1982), de Maria Alice Borba Lopes Dias; O nosso falar ilhéu (Blu edições, 1997), de Olímpia Soares de Faria; O falar micaelense, fonética e léxico (João Azevedo editor, 2003), de Maria Clara Rolão Bernardo e Helena Mateus Montenegro; Dicionário de Falares dos Açores – Vocabulário Regional de todas as ilhas (Almedina, 2008), de João Maria Soares de Barcelos, sendo deste mesmo autor Falares do outro arquipélago, Flores e Corvo (Coingra, 2009); e Dicionário sentimental da ilha de São Miguel, de A a Z (Publiçor, 2011), da saudosa Fátima Sequeira Dias. A língua constitui uma marca indelével do nosso carácter, sendo certo e sabido que não há literatura sem geografia. “Para nós, açorianos, a Geografia vale outro tanto como a História”, escreveu Vitorino Nemésio, autor paradigma da “açorianidade”, conceito por ele criado em 1932 por decalque de “hispanidad”, do seu amigo Miguel de Unamuno. A “açorianidade” remete-nos para a influência do meio geográfico no espírito dos açorianos. Mais de cinco séculos de isolamento físico, de contacto permanente com o mar, de horizontes finitos, de muitas formas de solidão atlântica, a que se juntou uma religiosidade gerada no terror sagrado de sismos, vulcões, cheias e tempestades marcaram e moldaram definitivamente a maneira de ser, pensar e agir do povo açoriano. E digo povo açoriano porque ele efectivamente existe: trata-se de um povo historicamente definido, dotado de um imaginário, possuidor de uma cultura e de uma identidade próprias. Desde o século XV que os Açores constituíram sempre território (ultra)periférico relativamente ao Continente português, à Europa e às Américas; ou seja, estas ilhas foram sempre um espaço fechado e, como tal, não muito permeável a influências linguísticas exteriores. Resultado: este fechamento foi factor determinante no sentido de, nestas ilhas, se armazenar e preservar a expressão portuguesa mais pura, mais autêntica e mais genuína. Por isso o arcaísmo (palavra ou expressão antiga caída em desuso) é, a par da oralidade, uma característica essencial da linguagem açoriana. Sobre Heróis à moda dos Açores, por vários autores Heróis à moda dos Açores (Lugar da Palavra Editora, 2013) é uma colectânea de narrativas escritas por Gabriela Silva, Humberta Araújo, Paula Espada, Rita Bonança e Rúben Correia, e vem provar e comprovar que o povo açoriano tem, na oralidade, uma das suas mais ricas expressões culturais. Com imaginação à solta, eficácia narrativa e algum humor à mistura, estes autores açorianos lançam-se à escrita, sendo que um propósito os move a todos: o de registar, resgatar e incorporar palavras e expressões populares açorianas que, nas páginas deste livro, surgem grafadas a negrito. Com efeito, a obra parte em busca de uma identidade cultural através das marcas linguísticas que caracterizam os falares dos Açores. Aqui se lançam olhares à idiossincrasia açoriana, cujos traços distintivos, para além do léxico, passam pela sabedoria popular, pelos usos e costumes e pela memória do vivido, do sentido e do evocado. Avancemos com este pressuposto: os Açores são de Portugal, e uma cultura açoriana é inseparável e indissociável de dois milénios e meio de civilização europeia, de quase 9 séculos de história portuguesa e de mais de 5 séculos de vivência nestas ilhas. É, pois, neste contexto ocidental que os autores de Heróis à moda dos Açores invocam e convocam sensações, sentimentos e estados de alma que ficaram enraizados nas suas memórias, havendo em todos eles uma declaração de amor, um maravilhamento e uma ternura pelos sons e pelos tons das palavras, ou não fossemos nós, ilhéus, herdeiros de uma tradição musical e poética com raízes fundas e profundas na melhor poesia trovadoresca. Incorporando cinco histórias bem construídas e em diversos registos, o livro termina com um glossário em forma de dicionário – “Dicionário do corisco”, – onde armazenado está muito do vernáculo popular dos Açores, isto é, da riqueza lexical da língua portuguesa. Em tempo de massificação e de uniformização linguística, quero saudar vivamente este projecto que deve merecer a nossa melhor atenção, por ser um importante contributo para o estudo do nosso vocabulário mais castiço. Aliás, coloquei Heróis à moda dos Açores na minha estante destinada ao léxico, e o livro não poderia estar em melhor companhia: entre os mais clássicos, tenho lá os volumes Ilha Terceira, Notas Etnográficas (Instituto Histórico da Ilha Terceira, 1980), de Frederico Lopes (João Ilhéu); Ilha Terceira, Estudo de Linguagem e Etnografia (Secretaria Regional de Educação e Cultura, 1982), de Maria Alice Borba Lopes Dias; O nosso falar ilhéu (Blu edições, 1997), de Olímpia Soares de Faria; O falar micaelense, fonética e léxico (João Azevedo editor, 2003), de Maria Clara Rolão Bernardo e Helena Mateus Montenegro; Dicionário de Falares dos Açores – Vocabulário Regional de todas as ilhas (Almedina, 2008), de João Maria Soares de Barcelos, sendo deste mesmo autor Falares do outro arquipélago, Flores e Corvo (Coingra, 2009); e Dicionário sentimental da ilha de São Miguel, de A a Z (Publiçor, 2011), da saudosa Fátima Sequeira Dias. A língua constitui uma marca indelével do nosso carácter, sendo certo e sabido que não há literatura sem geografia. “Para nós, açorianos, a Geografia vale outro tanto como a História”, escreveu Vitorino Nemésio, autor paradigma da “açorianidade”, conceito por ele criado em 1932 por decalque de “hispanidad”, do seu amigo Miguel de Unamuno. A “açorianidade” remete-nos para a influência do meio geográfico no espírito dos açorianos. Mais de cinco séculos de isolamento físico, de contacto permanente com o mar, de horizontes finitos, de muitas formas de solidão atlântica, a que se juntou uma religiosidade gerada no terror sagrado de sismos, vulcões, cheias e tempestades marcaram e moldaram definitivamente a maneira de ser, pensar e agir do povo açoriano. E digo povo açoriano porque ele efectivamente existe: trata-se de um povo historicamente definido, dotado de um imaginário, possuidor de uma cultura e de uma identidade próprias. Desde o século XV que os Açores constituíram sempre território (ultra)periférico relativamente ao Continente português, à Europa e às Américas; ou seja, estas ilhas foram sempre um espaço fechado e, como tal, não muito permeável a influências linguísticas exteriores. Resultado: este fechamento foi factor determinante no sentido de, nestas ilhas, se armazenar e preservar a expressão portuguesa mais pura, mais autêntica e mais genuína. Por isso o arcaísmo (palavra ou expressão antiga caída em desuso) é, a par da oralidade, uma característica essencial da linguagem açoriana. Com efeito, muita da linguagem dos Açores é um exemplo da expressão arcaica, quer nos termos utilizados, quer na fonia dominante, pois não é difícil encontrar nos falares açorianos palavras e expressões muito próximas da escrita dos nossos cronistas de Quinhentos. Conheço uma idosa da ilha Graciosa que ainda hoje diz “tôdolos” e “tôdolas”, em vez de todos e todas, à boa maneira das crónicas de Fernão Lopes. (E quem diz Açores, diz outras regiões do país que sofreram e sofrem igualmente do isolamento, nomeadamente Trás-os-Montes, Beira Alta e Alentejo). A ausência de ditongos nasais nos falares açorianos é também um exemplo da expressão arcaica (“coraçõns”, “calçons” e “blusons”, em vez de corações, calções e blusões). Arcaica é também a inflexão, que na ilha Terceira é para cima (“Ah, rapaz, tê pai ´tá im kíasa?) e na ilha de S. Miguel é para baixo (“Eh rapaz, tê pá tá em Kása”?). Paiva Boléo, um dos mais destacados linguistas portugueses do século XX, professor da Universidade de Coimbra, escreveu na sua obra “O estudo dos dialectos e falares portugueses. Um inquérito linguístico” (Coimbra, 1943) que quem porventura quisesse ouvir falar o português dos séculos XV e XVI se tirasse de cuidados e fosse à ilha de São Miguel. Vejamos agora alguns arcaísmos retirados do livro Heróis à moda dos Açores; seleccionei-os tendo por critério os que constam nas Farsas de Gil Vicente (escritas há quase cinco séculos). Em “Sonho ou realidade”, Gabriela Silva refere-se, na página 8, a “gente discreta” (não enquanto gente sensata, mas no seu significado mais arcaico: pessoa esperta, atinada, inteligente), e “fazer mesuras” (gestos exagerados de cortesia). Na pág. 22 referente a “O homem que era mais rico do verão”, Paula Espada utiliza o substantivo “ministra” (mesa de cabeceira), e, na página seguinte, a expressão dar “tafulho” (dar solução, ter remédio). Rita Bonança, na sua história intitulada “Mêm de veras, foi aqui que a Porca Furou o Pico?”, na pág. 33 utiliza a expressão “Cáde?” (onde está?) e na pág. 35, o advérbio “poderis” (grande quantidade). Rúben Correia, na página 43 da narrativa “Açoriano em Lisboa”, utiliza a expressão “Estou-me consolando todo” (a utilização do gerúndio é uma estrutura arcaica) e, na página 44, escreve a mais micaelense das expressões: “Estou menente” (sem palavras, surpreso). Humberta Araújo, autora de “Numa infeliz série de eventos”, utiliza, na pág. 55, o adjectivo “mofino”: “o mofino Figueiredo” (magro, avarento, sovina) e, na pág. 57, “estramalhado” (desordenado, desmanchado). Muitos outros exemplos poderia eu aqui dar de arcaísmos, mas escolho apenas mais alguns que ainda hoje são ditos pelo nosso povo e que também podemos encontrar na escrita de Gil Vicente: mui (muito); noute (noite); pitafe (defeito); ervanço (grão de bico); falsa (sótão); picaporte (maçaneta); gueixa (bezerra); afogadeira (gravata); passarouco, ganhoa (gaivota); belica (consta nos dicionários como “membro viril do menino, Açores”; de belica derivou o adjectivo “belicoso”: “a turba canora e belicosa”, escreveu Camões, n´”Os Lusíadas”); na ilha das Flores um galo é um farfante; um penico é um major e um coelho é um espertalhote… E ainda o nosso povo utiliza expressões arcaicas, presentes em Gil Vicente, tais como: estar aborrecido (estar adoentado); estar malmaridada (mal casada, mal amada); andar no retouço (na brincadeira); estar a rever (suar); asinha, asinha (depressa); estar com agastura (com fome); um pegão de vento (rajada), etc. Um estudo mais ou menos atento do romanceiro, do cancioneiro do adagiário e da fraseologia dos Açores levar-nos-á a concluir que, existe uma criatividade popular açoriana. Por adaptação da matriz: por exemplo, adaptámos a expressão “estar entre a espada e a parede” para “estar entre o cais e a lancha”. Por outro lado, devido a uma nova situação geográfica, climatérica e social, fomos capazes de criar coisas: o substantivo “canada” (caminho estreito, viela, no Continente), a interjeição “Bei”!: “Bei! Credo, Santa Bárbara!” (cf. Humberta Araújo, pág. 58); “baleias no Canal terás temporal”; “não se apanha chicharro com lua cheia”; “olho na lapa, olha na vaga”; “toiros e gente tola, paredes altas (Terceira); em S. Miguel: “nã digas destarelos”, etc. Mas não se julgue que é só o povo que utiliza o arcaísmo. Falantes de outras condições sociais e com outras qualificações académicas ainda hoje dizem pera (em vez de para) e maïs (em vez de mas). Mais recentemente (a partir do século XIX), a criatividade popular açoriana está também na maneira como assimilámos vocábulos vindos do inglês, ou seja, a deturpação prosódica da linguagem: “ala bote” (do inglês “all aboard”), “suera” (“sweater”, blusão de lã), “alvarozes” (“over all”, jardineiras), e, já no século XX, o “mapa” (“mop”, esfregona) a “pana” (“pan”, alguidar), “friza” (“freezer”), “mexim” (“machine”, máquina), “closeta” (“closet”, dispensa), “gama” (“gum”, pastilha elástica), e muitos outros americanismos. Como todos sabemos, São Miguel é a ilha que mais se diferencia das restantes no plano fonético. Desde logo com a palatalização da vogal /ü/ de “Fürnas” e “gordüra”. Na minha opinião, este ü é uma estrutura arcaica (e não terá a ver directamente com os bretões franceses), pois que é originário de algumas zonas do Algarve e do Alto Alentejo (sobretudo em Castelo de Vide, distrito de Portalegre). E tem mais: nos Açores este ü não é exclusivo de São Miguel – também é utilizado nas ilhas do Pico e Corvo. E, já agora, também na ilha da Madeira. Outra característica do falar micaelense é o l apalatado: “leite”, “panela”; a vogal e que é lida como en: “Vicente”; “continente”; o ditongo au que não é pronunciado: “As atoridade da atonomia andam de atomóvel”… Por conseguinte, estamos perante a diversidade das variantes dialectais dos Açores, sendo que em todas as ilhas há um traço comum: a preservação da estrutura arcaica. Os povoadores, vindos do norte, do centro e do sul de Portugal, ao fixarem-se em diferentes ilhas, deram origem a diferentes sotaques, havendo a considerar este dado inapelável: as pronúncias dos Açores variam não só de ilha para ilha, como também, dentro de cada ilha, de freguesia para freguesia e de lugar para lugar. (Há mais de 20 anos que me dedico ao estudo deste fenómeno linguístico e, a título de exemplo, posso aqui referir que, só na ilha do Pico, recolhi 47 variantes dialectais… Como estou a fazer, sozinho, este trabalho a nível das 9 ilhas, a expensas minhas, sem pressas académicas e sem ânsias editoriais – um trabalho in situ, pois que não sou dos que fazem pesquisa por inquérito ou à distância, – facilmente se perceberá que vou precisar de outros 20 anos para concluir o projecto… Com 55 anos de idade vamos lá ver se aguento mais duas décadas de vida…). Conclusão: este livro Heróis à moda dos Açores vem provar à saciedade que o português arcaico ficou preservado, armazenado e mantido nas nossas ilhas. Este é um património em vias de extinção já que, por via da massificação, caminhamos inapelavelmente para a uniformização linguística. Mas até lá, é imperioso que se continue a trabalhar no domínio da recolha e divulgação de materiais de literatura oral. Fazendo-o, estaremos a contribuir decisivamente para a preservação da nossa memória colectiva de povo insular, isto é, da nossa identidade cultural. Victor Rui Dores
Posted on: Tue, 30 Jul 2013 10:42:10 +0000

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