TEMPO DOLORIDO Hugo - TopicsExpress



          

TEMPO DOLORIDO Hugo Martins Em que estou pensando? Em Marcela, personagem de Machado de Assis, na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas (Cap. XV, XVI e XVII). Não quero aqui me referir à natureza interesseira de Marcela nas coisas do amor. Tampouco à ingenuidade de Brás Cubas, que facilmente escorregava nas arapucas daquela senhora, enchendo-a de presentes caros, que garantiam a continuidade do conúbio entre os pombinhos, enquanto ele a prodigalizasse com mais presentes. Também não farei alusão ao rompimento da relação amorosa quando o pai de Brás Cubas fechou as burras ao filho. Nessa hora, Marcela achou impossível a continuação do namoro. Isso é coisa corriqueira. Alguém já disse que em toda relação amorosa haverá sempre a procura de algum ganho genérico... Se este não é mais elemento motivador, que se rompa a relação... Coisas de somenos importância. O que estou pensando mesmo é na categoria tempo e em sua incidência na vida de cada um. Estou pensando no que Machado diz sobre o tempo, especialmente em relação a Marcela, reflexão real, irremediável e supinamente amarga. Em primeiro lugar, Brás Cubas, ao conhecer Marcela, encantou-se com sua beleza, que ressumbrava ardor e juventude. Embora Machado prenda-se com mais afinco ao perfil psicológico da personagem, é de se supor que Marcela era dona de alguns atributos físicos apreciáveis e suficientes para despertar a indormida libido do jovem Brás Cubas. Tudo bem. Até aqui, nada de trágico... Anos depois, Brás Cubas reencontra Marcela. Não aquela dos áureos tempos, em que ela irradiava beleza e frescor. Era, efetivamente, outra. Era flor murcha no jardim da existência. Cabelos sem brilho, olhar mortiço no preto das órbitas, e o rosto polvilhado de bexigas, que as rugas mal disfarçavam. Era o retrato da decadência... Machado não faz outras descrições, mas o leitor perspicaz pode inferir o que teria acontecido com o resto do corpo. Certamente, os seios teriam se transformado em dois saquetes pelancudos, pendendo sobre o ventre emurchecido. Os quadris, deduz-se, perderam a firmeza de antes e, agora, formavam com as coxas e pernas uma floresta de celulites à moda areia mijada. Seria em vão à pobre Marcela recorrer à mágica das plásticas e outras tentativas de embair a natureza... A ida aos salões de beleza, a tintura no cabelo, os cremes e toda sorte de outros recursos para esconder os estragos só levariam a Marcela um conforto: “estou parecendo menos velha”. Pura ilusão. A filosofia dos espelhos não comporta mentiras... Grande texto o de Machado... Grande Machado, escafandrista da alma humana e observador empedernido de nossas fragilidades. Pobre Marcela... Era nisso em que eu pensava...
Posted on: Fri, 30 Aug 2013 02:36:08 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015