TREINO CAIPIRA - MANUELA E EU ( Continuação capítulo I - de 30 - TopicsExpress



          

TREINO CAIPIRA - MANUELA E EU ( Continuação capítulo I - de 30 de agosto). E então, naquela mistura dos elementos naturais que nos envolvia, minha mente se separou de meu corpo e um caminho distante abriu-se em frente, como se me convidasse a dar um primeiro passo para nele caminhar de volta. - Voltar para onde? - perguntava-me. Senti-me andando em círculos dentro de mim mesmo a procura de uma porta que me mostrasse o avesso da vida. Mas como atrever-me a modificar a natureza quando em ti tudo entranhava, misturava, confundia, desmistificava. No mesmo tempo em que o esplendor primário da naturalidade da vida apresentava-se perante seus olhos, um túnel comprido cristalizado abria-se no subconsciente, como se puxasse você para longe dali, e o deixasse em local desconhecido onde só o opaco fosse sua única visão. E nessas digressões, divagações conscientes, aparições mentais vindas de algum lugar, seguimos, Manuela e eu pelo resto do dia. Juntaram-se não sei por quê na minha mente os mais terríveis momentos do passado. Abismos colossais, fossas profundas, distâncias infinitas de mim mesmo, dores atrozes das decepções, inconformismo com os princípios predatórios naturais da existência. E eu ali. Parado. Manuela no colo. Meia visão do presente. Viajem ao pior do passado. Momento de impotência para modificar o que estava sendo lembrado, trazido à tona pelo inconsciente danado, reflexão fora de hora, lembranças de um mundo pra lá de pesado. Ó, meu Deus. O que Manuela poderá saber disso tudo se acabou de nascer? - indaguei-me. Com firmeza olhei-a com ternura para certificar-me que as ilusões são verdadeiras. Que a continuidade da vida é tão inexorável, implacável, irredutível, intransigente, irrefutável, que não há como escapar da continuidade, não há como parar o tempo. Uma vez nascido, parido, não há como ou onde esconder-se nem mesmo dentro de seu corpo, sua única e verdadeira morada. Tudo há sempre de mostrar-se claramente, mesmo nos seus momentos mais escuros. E quando dei por mim, o dia já ia passando. As garças alçaram voo, a natureza mexeu-se, modificou-se, e tudo que havia brotado na mente ficou no passado. A reflexão incontrolável, desproporcional extenuou-me quase que por completo. Meu Deus, mas o que é isso? - preocupei-me. Um esmaecimento mental quase desmaiou-me. Deixaram-me os pensamentos, os pássaros deixaram-me, deixaram-me os peixes, as águas, os raios de sol. Até mesmo as sombras da noite deixaram-me só em mim mesmo. Por quanto tempo, não sei, pois não pode-se medir em tempo uma lembrança implacável. Com a noite se aproximando o dia pareceu-me perdido, pois, ao invés de fora, encontrara-me dentro de mim mesmo por quase todo este dia ensolarado por fora, mas cinzento por dentro. E de novo a escuridão natural do planeta, trazia-me a abóbada celeste, e o céu, era outra vez meu limite resplandecente de estrelas luminosas. De volta à casa fiz outra mamadeira para Manuela, que sorveu-a quase toda meio acordada e meio dormindo. Seu dia havia sido mágico. Conversou com as garças, passeou pelo prado, lavou-se na fonte e cansou-se de tanta beleza natural, tudo logo ali mesmo no seu quintal. Então embalei-a em meus braços e cantei de novo outra canção de ninar. A princípio não me lembrava de nenhuma de imediato. Mas aos poucos o cinzento da mente deu lugar ao compositor versátil que foi Villa Lobos. E do nada surgiu-me a luz: "Nesta rua, nesta rua tem um bosque. Que se chama, que se chama solidão. Dentro dele, dentro dele mora um anjo. Que roubou, que roubou meu coração. Se eu roubei, se eu roubei teu coração. Tu roubaste, tu roubaste o meu também. Se eu roubei, se eu roubei teu coração. É porque, é porque te quero bem. Se essa rua, se essa rua fosse minha. Eu mandava, eu mandava ladrilhar. Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes. Para o meu, para o meu amor passar." (Continua amanhã ainda no capítulo I.)
Posted on: Mon, 02 Sep 2013 22:18:44 +0000

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