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Temos aqui 2 textos muito interessantes abordando o assunto sobre a vinda dos médicos estrangeiros, um a favor e outro contra. Muito interessante... (Se quiser compartilhar o link e o meu texto, copie o texto todo, aperte em “compartilhar” e cole o texto no compartilhamento. Do contrário, aparecerá apenas o link para a matéria que estou comentando.) SOBRE A VINDA DOS MÉDICOS CUBANOS: UM TEXTO EM FAVOR DA POSIÇÃO DOS MÉDICOS BRASILEIROS E MINHA CRÍTICA A SEU RESPEITO O texto no link a seguir (goo.gl/Qxox3o, pelo qual agradeço à Lívia Lago, que é futura estudante de medicina e que foi quem o compartilhou) representa uma das versões possíveis dentro do discurso feito pelos médicos contra a vinda dos profissionais cubanos. Mas ele tem a vantagem de ser uma versão bastante informada e razoável, à luz da qual é possível travar uma discussão no terreno das ideias. Peço aos leitores que tiverem o tempo e a paciência necessárias para primeiro lerem o texto, com seus respectivos argumentos, e depois verem o contraponto a ele que farei nas linhas abaixo. [Pode ir lá que eu espero, a gente se reencontra daqui a pouco.] Agora, supondo que já leu o texto indicado, gostaria de fazer as seguintes considerações críticas. 1) Precisamos definir o que a argumentação em questão quer sustentar. Acho que podemos deixar fora de dúvida que, quer o que está dito nela esteja certo ou errado, ela não justifica a hostilidade com que os médicos cubanos foram tratados em sua chegada. Essa hostilidade é demonstração de barbarismo e está para além de qualquer defesa. Sendo assim, acho que existem duas coisas que a argumentação tenta provar: a) que, embora de fato os médicos brasileiros não estejam indo trabalhar nas localidades mais afastadas do país, isto acontece não por má vontade e comodismo, e sim devido a algumas boas razões; e b) que, levando tudo em conta, a medida de trazer os médicos cubanos é uma má política e não resolverá o problema da saúde naquelas localidades a serem atendidas. É importante notar que cada um deles representa um ponto de vista diferente sobre a questão. Em "a", o médico argumenta do ponto de vista de quem é um profissional movido pelo egoísmo racional (sem sentido pejorativo), pois toma as decisões que dizem respeito à sua vida e à sua carreira levando em conta as vantagens e desvantagens que cada opção terá para ele individualmente (como, aliás, fazem os representantes de qualquer outra profissão). Já em "b", o médico argumenta do ponto de vista de quem é um cidadão que vota e paga seus impostos e que tem interesse que seja implementada a política mais proveitosa ao bem comum de sua comunidade. Em "b", não faz sentido avaliar as vantagens e desvantagens de cada opção para o próprio médico, mas apenas as que dizem respeito às pessoas a serem atendidas. Sendo assim, "a" é um raciocínio centrado no médico, enquanto "b" é um raciocínio centrado na comunidade. 2) Se for assim, então, em relação a a), existem alguns problemas. Um deles vem à tona quando se compara a situação dos médicos no interior e nas capitais. Porque médicos que trabalham nos prontos-socorros das capitais também não têm um plano de carreira, também sofrem com falta de infraestrutura, com atrasos de salários e com mortes desnecessárias que podiam ter sido evitadas. No entanto, não faltam médicos nos prontos-socorros das capitais, ou, se faltam, pelo menos não na mesma medida em que faltam nas localidades distantes. Por que isso acontece? Basicamente, porque, na capital, os médicos podem cumular empregos, trabalhando em mais que um órgão público ou, como é comum, trabalhando tanto no serviço público quanto na iniciativa privada. Por isso, o serviço público de um pronto-socorro da capital, por exemplo, não é a única fonte de renda de um médico, de modo que, se a remuneração atrasar num emprego, ele pode se servir do que ganha no outro e assim por diante. Dado este quadro, parece-me que o argumento da infraestrutura cai por terra. Fosse falta de infraestrutura o problema, então, os médicos não teriam razão para se interessar pelo serviço público em geral, tanto nos interiores, quanto na capital. Afinal, um médico que não aceita trabalhar sem a infraestrutura necessária não poderia estar satisfeito com um pronto-socorro em que faltam leitos e os pacientes deitam em macas ou no chão, com doses insuficientes de remédios que obrigam a selecionar quem será medicado e quem não será, com máquinas defeituosas e desatualizadas, ou simplesmente desabastecidas, com materiais insuficientes para os procedimentos, com procedimentos que precisam ser feitos por profissionais que estão longe de serem especialistas etc., e todos estes são parte da realidade cotidiana e banal dos prontos-socorros da maior parte das capitais no Brasil. Mas, uma vez que a falta de infraestrutura nas capitais não produz a mesma falta de profissionais que produz no interior, o argumento da infraestrutura se torna realmente secundário. O argumento decisivo passa a ser o da remuneração, principalmente o que diz respeito à demora e à incerteza da remuneração no interior. Ora, este seria um motivo para os médicos não irem para as localidades afastadas, mas seria também motivo para não se importarem que outros fossem, porque, afinal, estes outros estão ocupando vagas pelas quais eles, enquanto profissionais remunerados, não estão interessados. Entre as vagas ficarem lá, não preenchidas, e elas serem ocupadas por médicos cubanos, não haveria nenhuma diferença prática. Pelo menos não do ponto de vista dos médicos enquanto médicos. Haveria apenas do ponto de vista dos médicos como cidadãos, como eleitores e pagadores de impostos que estão interessados que haja atendimento de saúde de qualidade para seus compatriotas que vivem nas localidades do interior. E isto tem a ver com a tese b), que também que se quer provar na matéria. Mas é importante que fique como conclusão deste ponto que, do ponto de vista dos médicos enquanto classe, não existem motivos para condenar a vinda dos colegas cubanos. 3) A tese “b” é de que a “importação” dos médicos cubanos não é uma boa política, porque não toma as medidas certas e não vai resolver o problema. Ora, segundo o que se viu nos argumentos da tese “a”, o verdadeiro problema é (a1) tornar as remunerações certas e pontuais, porque, desta forma, o médico enquanto médico ficaria convencido a ir para a localidade do interior, por afastada que ela fosse, e (a2) prover infraestrutura (materiais, remédios, equipamentos, procedimentos, profissionais etc.) necessária para fornecer bom atendimento ao público. Com estas duas medidas, o problema estaria sendo realmente enfrentado. Em contraste com isto, a medida tomada pelo governo institui um regime de remuneração que, embora não sendo atrasado e incerto, é mediado pelo Estado cubano e dependente de ficar por aqui pelo prazo todo acordado, o que, de certa maneira, pode ser visto como tão ruim quanto. Mas, uma vez que o argumento da má remuneração tinha, no quadro anterior, a consequência de os médicos brasileiros não irem para aquelas localidades, mas, no quadro atual, a remuneração, mesmo que seja má, não impediu que os médicos cubanos tenham de fato vindo para o Brasil com destino àquelas localidades, o argumento perde sua força de convencimento. A ligação entre má remuneração e ausência de médicos, que era o que o tornava convincente no primeiro caso, simplesmente deixou de existir no segundo caso, pois os médicos estão, de fato, vindo. A não ser que os médicos brasileiros estivessem preocupados com o fato de seus colegas cubanos não estarem sendo tratados como deveriam, mas, se for este o caso, creio que não precisam se preocupar, porque o fato de receberem com a intermediação do Estado cubano e apenas sob a condição de que cumpram com o que contrataram já é a condição em que trabalhavam em Cuba, ou no Haiti, ou no Timor, ou aonde quer que médicos cubanos sejam mandados. Não é como se tivessem sido removidos de um regime diferente em Cuba e obrigados a este outro, mas, pelo contrário, estão dando continuidade ao mesmo regime que tinham por lá, apenas que com uma remuneração mais alta e feita numa moeda mais forte que a que tinham antes. Por isso, o subargumento a1 não precisa mais ser objeto de preocupação. Resta o subargumento a2, aquele sobre a falta de infraestrutura para o trabalho dos médicos, falta na continuidade da qual esse deslocamento de mão-de-obra não resolverá o problema. Este argumento ignora o impacto que a presença de um médico tem sobre a situação de saúde de um localidade remota. Sim, talvez o médico da capital não queira correr o risco de fazer um parto sem condições suficientes numa localidade do interior, mas, atualmente, ao não preencher a vaga que o Estado oferece para tal local, o que acontece não é que os bebês deixam de nascer, e sim que eles vêm ao mundo sem terem qualquer médico por perto. Então, poderíamos comparar três quadros: o quadro bom, em que há médico e estrutura suficiente, o quadro mediano, em que há médico mas não há estrutura suficiente, e o quadro ruim, em que, além de não haver estrutura suficiente, não há médico também. Levar médicos cubanos para aquelas localidades distantes, sem mexer na estrutura de que dispõem, não resolverá o problema, dizem os médicos brasileiros. Mas, à luz desta comparação de quadros alternativos, é uma mudança que significa a passagem do quadro ruim (sem médico e sem estrutura) para o mediano (com médico mas sem estrutura). O que os médicos brasileiros estão dizendo é que, melhor que isso, seria o quadro bom, em que houvesse médicos e estrutura, e é impossível não concordar com eles quanto a este ponto. Mas passar a haver estrutura, embora seja uma meta com que o Estado deve se comprometer inteiramente como seu dever, é o tipo de coisa que leva bastante tempo, mudança e investimento. Implica dotar a saúde de mais investimento, combater os focos de corrupção, repensar os mecanismos de gestão horizontal e vertical, melhorar o abastecimento de luz e água, melhorar as estradas etc. Tudo isto deve ser feito, mas, mesmo que seja, não dará resultados para a saúde das localidades do interior a curto prazo. Existem pessoas nestas localidades que estão sofrendo mais que o necessário ou mesmo morrendo por falta de médicos e para as quais a presença de um médico faria uma imensa diferença, como possibilidade de diagnóstico, como encaminhamento para um exame ou tratamento noutra cidade, como identificação da necessidade imediata de intervenção cirúrgica etc. O simples fato de um médico fixar-se por lá e atender às pessoas, mesmo que com várias limitações dadas pela falta de estrutura adequada, já tem um grande impacto sobre a vida daquelas pessoas. (Sem falar de providências de informação e de prevenção, de checagens e acompanhamento etc. Este argumento também mitiga o do número reduzido de médicos estrangeiros, bem como o da falta de conhecimento especializado e da barreira da linguagem. Nenhum destes problemas prova que a situação a ser implementada não será ainda assim melhor que a que havia até então.) E, se é improvável convencer um médico brasileiro a ir para lá nestas condições, então, haver outro médico, cubano ou de outra nacionalidade, disposto a ir para lá e cumprir esta tarefa representa uma avanço real para a qualidade de vida das pessoas daquelas localidades. Uma política que leva a situação do quadro ruim para o mediano (mesmo que não atinja por ora o bom) é melhor que uma política que fecha os olhos para a situação e deixa que o quadro ruim permaneça por tempo indeterminado com a desculpa de que não se pode implementar o quadro bom, que seria a única escolha alternativa. Neste sentido, o que o crítico do programa do governo precisaria provar é que ou levar os médicos cubanos não produzirá nenhuma mudança para a vida dos atendidos ou que, mesmo que produza mudanças, elas não deveriam ser levadas em conta e devíamos, em vez disso, mirar apenas na situação ideal, ficando com a situação real do jeito que está até que a mudança total se opere. E isso é muito difícil de provar. Neste cenário, a única crítica que ainda permaneceria seria não a esta política em particular, mas ao uso desta política como solução paliativa que leve a não fazer nenhum investimento com vista à mudança do quadro do mediano para o bom. Mas isto, repito, não é uma crítica a esta política, e sim uma crítica ao governo atual, que, na visão destes críticos, é do tipo em que não se pode confiar para soluções reais, complexas e de longo prazo, é do tipo que apenas quer uma solução imediatista com a qual pareça estar fazendo alguma coisa quando na verdade está se omitindo de seu dever principal. Esta visão do governo atual depende muito das convicções políticas e ideológicas de cada um. Alguns vão concordar, outros vão discordar, e isso voltará a ser medido nas próximas eleições presidenciais. Mas, de toda maneira, este é o tipo de crítica que deve levar quem a faz a querer a mudança do governo, a votar neste sentido, convencer seus amigos e colegas a fazerem o mesmo, engajar-se na eleição do candidato e partido que ele pense que pode fazer diferente e melhor. Não é motivo para opor-se a esta política em particular (sabendo que o que se estava fazendo até então consistia em total omissão em relação ao problema), muito menos para hostilizar os médicos cubanos que estão chegando para executar a tarefa para a qual foram contratados. Trata-se de ver a medida no quadro da situação que se quer resolver e das demandas que não seriam atendidas de outra maneira. Assim como o bolsa-família não é tão bom quanto a situação em que todos tivessem preparo profissional e vagas de emprego disponíveis, mas é melhor do que a situação em que os desempregados e miseráveis (e seus filhos, que perpetuarão sua situação) estão apenas por conta própria; assim como as cotas raciais não são tão boas quanto a situação em que não houvesse racismo e cada um pudesse apoiar-se apenas no próprio mérito e sem distorções, mas são melhores que a situação em que se nega que há preconceito mas no fim os negros (e seus filhos, que perpetuarão sua situação) são excluídos das vagas de educação e de emprego; da mesma forma, o recurso aos médicos estrangeiros não é tão bom quanto a situação em que as localidades do interior tivessem remunerações certas e atraentes para os médicos e tivessem estrutura suficiente para todos os procedimentos necessários, mas é melhor do que a política que tem sido por décadas perpetuada pelos governos federais, que é de simplesmente fechar os olhos para o problema e fingir que as pessoas daquelas localidades não estão adoecendo e morrendo pela falta dos mais mínimos cuidados e conselhos que um médico ali instalado poderia fornecer. É neste sentido que o programa produzirá, sim, uma mudança real na situação destes pessoas e é neste sentido que a crítica excessivamente radical e categórica contra o programa perde sua razão de ser.
Posted on: Thu, 29 Aug 2013 13:31:14 +0000

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