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Texto de Jorge Oliveira Gomes, graduando em Ciência Política da UFPE, sobre as manifestações recentes do país: Para entender melhor os protestos, é preciso se debruçar sobre a literatura A releitura de clássicos sempre se mostra um porto seguro em momentos de confusão analítica e incertezas. Na ciência política não é diferente. Diante da profusão de pareceres sobre os recentes protestos e seus meandros, diversos atores deram suas -algumas vezes enviesadas, apressadas ou proféticas- opiniões. Seria interessante, pois, retomar argumentos que, a despeito de não versarem sobre o cenário vigente, possuem aderência com a realidade atual. “Cidadania no Brasil- o longo caminho”, de José Murilo de Carvalho, nos ajuda bastante na tarefa de entender muito do que ocorre. O autor opera uma inteligente comparação entre a trilha democrática clássica exposta por T. A. Marshall, e o caminho trilhado pelo Brasil. Marshall via a cidadania como um fenômeno histórico e que não nasceu pronto. Para o consagrado autor, existem dimensões a serem alcançadas. A sequência aparentemente lógica feita pela Inglaterra começou com os direitos civis, cuja pedra de toque é a liberdade individual. Um século mais tarde, em meados de 1800, vieram os direitos políticos, representados pela possibilidade de votar e ser votado. Só após essas etapas, entram em cena os direitos sociais que eclodiram de maneira mais forte no século XX. Ora, no Brasil, tal pirâmide foi invertida. José Murilo expõe uma conclusão perspicaz: “Aqui, primeiro vieram os direitos sociais, implantados em um período de supressão dos direitos políticos e redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular. Depois vieram os direitos políticos, de maneira também bizarra. A maior expansão do direito de voto deu-se em outro período ditatorial, em que os órgão de representação políticos foram transformados em peça decorativa do regime. Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis, a base da sequência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da população.”. Salta aos olhos que um dos fatos que contribuiu para a explosão das manifestações, saindo de um tema concentrado (aumento das passagens e mobilidade urbana) para uma verdadeira agenda difusa e reativa de reivindicações foi um ato de ofensa às liberdades civis, qual seja, a atuação violenta e abusiva da PM e da tropa de choque, que incluiu até mesmo ataques deliberados a jornalistas. Os direitos civis ainda não estão consolidados no Brasil. A população pobre sofre com o tratamento preconceituoso e desrespeitoso da polícia. A inviolabilidade do lar parece uma ficção jurídica para alguns brasileiros. Mas não é apenas isso. Carvalho também nos ajuda a entender outras facetas das polifônicas manifestações. Outra consequência da inversão da pirâmide dos direitos foi a super valorização do Executivo e a desvalorização do Legislativo e seus titulares, os deputados, senadores e, no âmbito municipal, os vereadores. “Nunca houve no Brasil reação popular contra o fechamento do Congresso”. O desprestígio do Legislativo, além da impaciência popular com o funcionamento geralmente mais lento do mecanismo democrático de decisão, e a busca por soluções prontas ou mágicas, por meio de lideranças carismáticas, também marca muito do que tem sido observado. Basta lembrar a unanimidade acrítica favorável a propostas duvidosas (feitas pelo atual presidente do STF, também visto como um herói nacional) como o ‘recall voting’, candidaturas avulsas e o voto distrital. Não cabe aqui uma explicação destes mecanismos, mas basta dizer que é romântico vê-los como emplastros milagrosos. Por fim, até mesmo a reação da classe médica a uma das poucas boas propostas feitas pela presidente Dilma, a importação de médicos estrangeiros, pode ser entendida sob um tema abordado em “Cidadania no Brasil”. Somos filhos de uma cultura corporativista dos interesses coletivos. Parte disso é herança do Estado Novo. “A distribuição dos benefícios sociais por cooptação sucessiva de categorias de trabalhadores para dentro do sindicalismo corporativo achou terreno fértil em que se enraizar. Os benefícios sociais não eram tratados como direito de todos, mas como fruto da negociação de cada categoria com o governo. A sociedade passou a se organizar para garantir os direitos e privilégios distribuídos pelo Estado.”. Foi assim na Constituinte de 1988. Tem sido com a reação dos “doutores”. Como se vê, vale à pena refletir em cima da literatura pertinente, Carvalho é apenas um dos potenciais autores a serem mobilizados. Resta os cientistas políticos e cientistas sociais em geral saírem de suas “tocas” e darem sua contribuição, em meio a miríade de avaliações que tem sido vistas.
Posted on: Tue, 16 Jul 2013 02:59:26 +0000

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