UM DIA DE SÃO JOÃO Era véspera de São João. Meu - TopicsExpress



          

UM DIA DE SÃO JOÃO Era véspera de São João. Meu amigo estava desesperado, e comentou: - Não quero mais saber de futebol. Não quero mais saber de futebol. Depois dessa, nunca mais. Juiz sem vergonha, ladrão. Nunca mais entrarei num estádio de futebol. Jamais poderíamos perder aquele jogo para a Itália. Olhei para o céu. Dezenas de balões perdiam-se na imensidão da noite. Balões diferentes dos que conheci nos tempos de menino. Aqueles tinham dono, tinham vida, tinham cor. Não eram anônimos como aqueles da capital. Depois, olhei para o meu amigo que continuava blasfemando desesperado. - Futebol ingrato. Nunca mais. Foi quando resolvi interrompê-lo. - Chico vou lhe contar uma história. Quer ouvi-la ? - Não sendo de futebol, tudo bem. - É de futebol sim. Mas, apenas uma história. Lembrei-me dela porque aconteceu numa época de São João. Chico já olhava mais interessado. E comecei a história. O rapaz chama-se Paulo. Tudo conspirava contra Paulo até a idade de quinze anos. Perderá os pais na primeira infância. Os poucos parentes que tinha não lhe deram muita atenção preferiram deixá-lo numa fundação de menores. Somente aos doze anos, quando começou a jogar futebol, as coisas melhoraram um pouco. Sua popularidade proveniente do bom futebol que praticava, lhe garantiu um contrato de profissional alguns anos mais tarde. E começou a ganhar dinheiro. Cuidadoso com suas finanças, conseguiu em pouco tempo uma situação financeira de equilíbrio, saindo da miséria que ate então caracterizava sua vida. Paulo idolatrava o futebol. Devia a ele as únicas alegrias de sua vida. Estava no auge de sua forma quando o convidaram para ir a uma Fazenda participar de um baile caipira. Aceitou. Na festa conheceu Marlene. Gostaram-se logo a primeira vista. Ela quis saber de sua vida, do seu passado. Ajudado pelo "quentão" que lhe subia a "cabeça", Paulo abriu o coração. Falou da sua paixão pelo futebol, das necessidades por que passara até‚ tornar-se um craque, dos sonhos que iam pouco a pouco se concretizando. - Só falta conseguir algo para completar minha felicidade. Assim falou Paulo a Marlene, olhando-a firme e embebedando-se nos olhos da moça. Os balões subiam. Balões com vida. Marlene procurava identificá-los, um a um. - Aquele‚ é do Baracho. O azul e branco. O vermelho‚ é do Avelar. Depois vieram os fogos. Cada convidado soltaria um morteiro. Todos ao mesmo tempo, para uma explosão. - Seria uma beleza. Paulo ergue a mão, espera o sinal e coloca fogo no estopim. Uma verdadeira metralha. Foi quando Marlene gritou aflita, vendo o rosto do companheiro ensangüentado, que tinha as mãos nos olhos. O morteiro estourara a sua frente a queima roupa, sem subir. O desespero maior veio depois, quando um médico examinando-o falou: - Ele estava cego. Foi assim que Paulo encerrou sua carreira futebolística. Sua reação ao saber da sentença foi de desespero. Por duas vezes tentou o suicídio. - Que adianta viver se não posso jogar futebol ? Indagava aos prantos. Mas Paulo viveu. Sua força de vontade superou, depois de algum tempo, o desespero. Foram dias difíceis aqueles dois primeiros anos, mas conseguiu. Hoje, apesar de cego, vive bem. Nos bons tempos de craque Paulo soube economizar. Por isso, financeiramente vivia bem. Gosta de ir aos estádios para ouvir a vibração da torcida, para sentir o espetáculo. Chico olhou-me cabisbaixo. - Essa história‚ é mesmo verdadeira ? - Claro, do contrário não a teria contado. - A gente as vezes fala as coisas sem pensar. Perdemos para a Itália e ficamos sem a Copa, mas podemos nos preparamos para próxima. Despedimo-nos. Olhei para o céu. Noite de São João na capital. Neblina densa começava a cobrir tudo. Era a fumaça das poucas fogueiras e os fogos que a garotada soltava. Lá no alto, alguns balões, anônimos e tristes, em nada parecido com aqueles que conheci no interior. (Lauthenay Perdigão)
Posted on: Tue, 01 Oct 2013 22:59:16 +0000

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