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Você que deseja mudanças radicais no atual sistema político, leia com atenção: LABIRINTOS, TERGIVERSAÇÕES E ENGANAÇÕES: REFLEXÕES SEM DOR SOBRE O DEBATE POLÍTICO BRASILEIRO ATUAL Bolívar Lamounier 13.07.2013 Um fator que me parece dificultar atualmente a discussão política é uma combinação de maniqueísmo com distinções rombudas como a dicotomia esquerda x direita. Um se diz “de esquerda” e se arvora em porta-voz do “bem”, o outro proclama-se “de direita” e se diz do bem também, e assim la nave va. Comecemos pelo óbvio: a realidade política é sumamente complexa; nossas palavras servem para formular conceitos e hipóteses, para tentar abarcá-la, mas nossa compreensão será sempre insuficiente; as palavras (conceitos e hipóteses) não são chapadas, como se existissem numa superfície plana; são complexas, poliédricas, multidimensionais, repletas de ambiguidades. Vejamos alguns exemplos: para um militante de esquerda, “empresário” é um palavrão que só serve para designar uma das faces do mal; para um economista ou para uma pessoa apenas interessada no que os dicionários dizem, empresário é um agente econômico (entre outros). “Conservador”, para o militante, é sinônimo de direitista, reacionário, burguês etc. Para uma pessoa comum, é o quê? Pelo dicionário, é uma pessoa que prefere conservar o presente, mesmo considerando-o defeituoso, que embarcar numa aventura ou apoiar uma política que certamente redundará em coisa pior. Realmente, no plano da linguagem política, o maniqueísmo e o desleixo com as palavras devem ser vistos como problemas que fatalmente resultarão em outros problemas. Modos confusos de pensar, bons para aumentar a confusão. Mas não são os únicos. À confusão pode-se chegar por vários caminhos. Cogitar de modo obscuro uma solução para um dado problema, sem definir direito o problema e sem destrinchar a própria (suposta) solução é outra possibilidade. Tende a produzir calor sem aumentar ou mesmo diminuindo a luz. Suponhamos que o “problema” é o Brasil atual (ou o Brasil antes das manifestações, quando o pessimismo era muito maior): corrupção, incompetência, desperdício de dinheiro público, políticos abomináveis, casas representativas que nada representam. E calcemos aqui as nossas botas de sete léguas: admitamos que o “problema” está definido com clareza. Aqui, como se verá a seguir, quem adentra o recinto é um figura que imaginamos conhecer bem: a utopia. Aparece um primeiro cidadão – não importa se de direita, esquerda, de baixo ou do alto- e exclama: a solução é uma intervenção militar! Os militares precisam voltar imediatamente ao poder! Na realidade, “militares” é a única palavra relativamente clara nesse enunciado. Relativamente. Para os militares “voltarem”, presume-se que terão um líder, um chefe, o que na prática significa um ditador. O cidadão que os conclama a voltar obviamente pressupõe que esse chefe será um sujeito esclarecido, equilibrado, competente, ético etc. Um estadista em uniforme verde-oliva. E que terá apoio para governar, dos próprios militares e da maioria da sociedade, ça va sans dire. Quer dizer, o apelo à intervenção traz implícito um wishful-thinking cavalar: o ditador só terá qualidades, nenhum defeito. Formidável. Ele também pressupõe que “voltar” é como ir à esquina chupar um picolé. Os militares não encontrarão resistência, nem na intervenção em si nem nos meses seguintes. Mas perguntar não ofende: e se tiverem? Prendem e arrebentam? Prendem quantos, mais ou menos? Os mortos e desaparecidos serão 600 ou 700 em 21 anos, numa população de 90 milhões, como aconteceu no Brasil, ou cerca de 15 mil, como ocorreu na Argentina, um país cuja população é cerca de um terço da brasileira? Mesmo aqui, a título preliminar, há outros “detalhes” a considerar. Por exemplo: na era pré-Internet, as intervenções militares geralmente recorriam ao estado de sítio, um instrumento jurídico que permitia interceptar as comunicações postais e telefônicas, revistar pessoas e casas etc. Como será aplicar o estado de sítio na era da internet? Vai-se suspender toda a rede de comunicações via celulares, computadores etc? Se sim, anotem: quem faz isso é a China; um país da América Latina que siga esse caminho arranjará sarna para se coçar durante 50 anos. Não quero me estender, mas resta uma indagação importante. Se os militares voltarem, presumivelmente vão mexer na economia; não há como reorganizar o país sem mexer nela. Então eles voltam, para fazer o quê, exatamente? Intervêm mais, estatizam mais, tabelam salários e preços? Ou fazem o contrário: tentam manter-se à margem, privatizam e tentam restaurar a confiança dos agentes econômicos internos e externos no mercado e no arcabouço jurídico que o regula? Outra “solução” diuturnamente aventada é a “democracia direta”. Nesta expressão, a única coisa clara é que o “povo” terá mais presença, mais participação, será mais ouvido. OK, suponhamos que isso está claro. A expressão em si não é propriedade da esquerda, da direita ou do centro. É uma utopia, simplesmente. Os cidadãos que a cogitam querem se livrar da “representação”, este é o ponto que os une. Os mais realistas e sinceros dizem que a ideia ainda não está madura, e que será realizada, quando o for, via internet. De suas casas, milhões e milhões de pessoas decidirão sobre as questões da agenda pública como melhor lhes pareça. Estes, como dissem, são os mais sinceros. Para outros, “democracia direta” significa entregar uma enorme quantidade de poder aos chamados “movimentos sociais”. Para designar essa revolução institucional – porque é disso que se trata: uma revolução institucional- eles recorrem a uma variedade de termos, por exemplo o abominável “empoderar”. Argh! Empoderar, uma tradução mal ajambrada do inglês “empower”, significa, como assinalei, transferir um monte de poder para organizações sindicais, clericais, estudantis etc; todas ligadas ao PT e aos pequenos partidos de esquerda, mas isto é um detalhe. Tais organizações passarão então a exercer aquele pedação de poder, decidindo “diretamente” sobre uma variedade de assuntos. E como será essa participação “direta” no processo decisório? Elementar, Watson: os líderes dos “movimentos sociais” participarão de reuniões e decidirão por eles. Ou seja: REPRESENTANTES decidirão “diretamente” por eles. É ou não é uma obra prima do “me engana que eu gosto”? Poderíamos prosseguir esta discussão ad infinitum, mas as questões em jogo são no fundo muito simples. Primeiro, de “direta” essa democracia tem muito pouco, ou nada; seus sujeitos serão representantes; os “movimentos sociais” tomarão o lugar das instituições representativas tradicionais por meio de uma megatransferência de poder para o “povo”, quero dizer, para si mesmos. A diferença é pois que os “nossos” representantes deixarão de ser ELETIVOS no sentido amplo do termo, eleitos pela totalidade dos cidadãos habilitados a votar. Em segundo lugar, a suposta legitimidade de tais representantes para decidir em nome de quem quer que seja. De fato, que superioridade prática ou legitimidade moral têm sindicatos, movimentos reivindicativos, igrejas etc para encarnar os interesses gerais de uma coletividade, inclusive os interesses de indivíduos que não rezam pela cartilha de tais sindicatos, movimentos ou igrejas?
Posted on: Tue, 30 Jul 2013 04:03:35 +0000

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