É nada menos que aviltante ver-ler a senhora Marta Suplicy - TopicsExpress



          

É nada menos que aviltante ver-ler a senhora Marta Suplicy tagarelando sobre internacionalização da cultura brasileira a partir do vazio conceito de soft power — e de como a moda pode assumir protagonismo nessa diretriz —, enquanto seu ministério — nitidamente desorientado frente às prioridades do campo da arte e da cultura — ignora acintosamente, por exemplo, todo o esforço e o talento de companhias teatrais brasileiras que heroicamente bancaram, arrancando seus míseros caraminguás do bolso, uma mostra nacional dentro do maior festival de teatro do mundo, o de Edimburgo. Foi assim, na raça, sem apoio do MinC e com algum apoio do Ministério das Relações Exteriores, que a Armazém Cia., de Paulo de Moraes, conquistou, num misterioso sopro dos deuses do teatro, um dos mais importantes prêmios de Edimburgo em 2013, entregue pelo mais importante jornal da cidade, o The Scotsman. Os integrantes da Armazém contaram apenas com sua entrega louca, amadora e devocional, além do olhar atento de jornalistas, críticos e dos cerca de 10 gatos pingados que ocuparam por alguns dias uma plateia capaz de abrigar 500 espectadores! Importantes companhias brasileiras, como o Teatro Máquina, Caixa de Elefante e Amok também se apresentaram no mesmo espaço com pouquíssimo público e conquistaram aplausos e resenhas super elogiosas. No texto abaixo, a jornalista Joyce McMillan, do The Scotsman, reflete sobre a falta de visibilidade e apoio na divulgação, que fez tornar incógnita a presença dos artistas brasileiros. Qual a razão de um ministério (MinC) que se diz preocupado com a internacionalização da cultura brasileira não eleger como uma de suas ações primordiais um plano contínuo de intercâmbio entre as artes cênicas produzidas no país e as plateias, teatros, instituições e festivais dos principais polos teatrais do mundo? Existem inúmeras formas de se pensar e erigir essa ponte, como por exemplo a realização anual de mostras teatrais nacionais em alguns desse importantes festivais, como o de Edimburgo ou o de Avignon — mesmo que esta seja apenas uma via, um dos modos de se pensar essa interrelação ou internacionalização. Mas já que falo aqui da presença dos artistas brasileiros especificamente em festivais europeus, é preciso ressaltar que essa presença decorre, principalmente, de convites isolados vindos de instituições e eventos que, vez por outra, contam com curadores interessados em desbravar o que há de especial e diferente germinando nos confins desse cone sul. E é assim que, depois de anos e décadas de árduo trabalho dos nossos artistas por aqui, eles descobrem estupefatos peças como "A marca da água", da Armazém, ou a cinematográfica "Julia", uma releitura para "Senhorita Julia", de Strindberg, que tornou a investigação cine-teatral de Chris Jatahy conhecida, disputada, elogiada e requisitada pelos mais importantes curadores internacionais... É assim que, de repente, por milagre ou seja lá o que for, brota nesse país o sistema cênico e o pensamento devastador-iluminador de Roberto Alvim, que subverte lógicas e conceitos estéticos hegemônicos, também é assim que surge a Cia. Hiato e encanta a todos com a sofisticada arquitetura dramatúrgica de seu "O jardim", sem falar de inúmeros outros grupos e de artistas como Enrique Diaz, que abriu por conta própria seu canal de visibilidade no exterior com a Cia dos Atores, com o Coletivo Improviso e agora em carreira solo, com seu Cine Monstro que alça voo em breve. Sem falar nos artistas da dança, como o Grupo Corpo, Deborah Colker, Bruno Beltrão, entre muitos outros, que, diferentemente dos artistas de teatro, já conquistaram amplo reconhecimento e visibilidade internacionais. Enfim, existem diversas outras iniciativas próprias, fazedores do teatro e das artes cênicas brasileiras que conquistaram a duras penas alguma possibilidade de levar para fora do país suas criações. Mas por que falo apenas das artes cênicas, ou do teatro, principalmente? Não, não é porque sou jornalisticamente — e existencialmente — vinculado à área. Falo apenas do teatro por uma constatação ao mesmo tempo simplória e irreversível: entre as demais modalidades artísticas são as artes cênicas (teatro, circo e dança) as manifestações que se dão única e exclusivamente a partir da imperiosa necessidade da presença! São artes que nascem, se fundam, existem e dependem da relação presencial, da potência que há na mutação que ocorre a cada instante. E é por isso que, ao falar de internacionalização da cultura, a prioridade máxima de Marta deveria ser, sobretudo, a criação de planos destinados a garantir viabilização e visibilidade às nossas criações cênicas. Afinal, como é que um ministério pode ousar falar em internacionalização da cultura como prioridade enquanto deixa seu mais importante e revolucionário dramaturgo, Nelson Rodrigues, amargar uma atroz obscuridade no panorama internacional, sem qualquer reconhecimento e visibilidade no campo do pensamento e da encenação mundo afora? Alguns poderão me lembrar aqui do Ano do Brasil em Portugal, que levou dezenas de peças à Portugal este ano, assim como da programação paralela da Feira do Livro de Frankfurt, que levará à cidade alemã algumas peças e leituras de textos criados por uma série de ótimos dramaturgos. Mas, sinceramente, isso é terrivelmente pouco. E o pior, mostras como essas ainda servem como desculpa para a interrupção abrupta de projetos de circulação nacional, como o festival Mambembão, por exemplo, que foi ressuscitado como uma grande prioridade da Funarte, em 2012, e, de repente, como se nada tivesse acontecido, foi silenciosamente posto abaixo e recolocado na inexistência este ano. Enfim, escrevo aqui no impulso, sem medir muito as palavras ou amarrar argumentos como o mais arrochado dos nós — afinal, são ideias em aberto, para serem discutidas, ampliadas, desamarradas. Escrevo motivado pelo absurdo da hipocrisia com que a ministra ventila palavras sobre "internacionalização da cultura", e também me limito a falar das artes cênicas porque, caso esta "internacionalização da cultura" fosse de fato uma prioridade, seriam elas as modalidades artísticas a serem tratadas como prioritárias, posto que o caráter presencial é uma condição que fundamenta-possibilita a existência e a experiência teatral. Aqui a reportagem do The Scotsman que deu partida ao texto acima: scotsman/what-s-on/theatre-comedy-dance/celebrate-best-non-english-language-fringe-show-1-3069971#.UiUVPo7Qs7I.facebook
Posted on: Tue, 03 Sep 2013 01:22:31 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015