Acho muito bonito todo o movimento criado em torno das manifestações. Fico empolgado em ver que muita gente está saindo da zona de conforto. Mas tenho sérias ressalvas com certas atitudes de alguns manifestantes. Em primeiro lugar, gostaria de deixar bem claro que a manifestação é LEGÍTIMA. É o exercício da DEMOCRACIA tomando forma. Mas, sobre vários aspectos relevantes, não percebo nada capaz de LEGITIMAR o discurso de alguns manifestantes. Eu concordo que este movimento aqui em Patos começou com vistas a apoiar os movimentos de grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro. A exemplo destes grandes centros, a manifestação ganhou vida própria, e passou a reivindicar demandas menos específicas e protestar contra... TUDO. Eu acho muito bonito todo esse espírito de mudança. Como eu disse, isso me empolga. Esta mobilização significa que estamos dispostos a tomarmos os nossos lugares de direito no jogo. Mas é perigoso sentir-se indignado (porque este é o momento de indignar-se), tomar isso como um propósito final e levar este motivo para a manifestação. Indignação pode ser qualquer coisa. Hoje, particularmente, estou indignado porque minha meia está furada. Não acho, no entanto, que preciso me manifestar publicamente a respeito desse fato. Isso soa tão vazio quanto o discurso que muitos membros deste grupo sustentam. Eu realmente gostaria de saber quais são as demandas que vocês julgam importantes e quais são os argumentos que validariam esta luta. Por acaso vocês sabem quais podem ser as consequências das suas manifestações? Vamos por partes porque eu tenho sérios motivos para acreditar que muita gente não vai entender o meu raciocínio. Ocorreram na manifestação, além das atitudes dissonantes de muitas pessoas em particular, atos simbólicos massificados e contraditórios como usar todas as cordas vocais para cantar a música "Que País é Este" e no meio do refrão o coro completar com "É a Porra do Brasil" e logo depois bradar "Eu sou brasileiro com muito orgulho com muito amor". Eu gostaria de saber qual é o esforço empenhado para reforçar todo esse orgulho de ser brasileiro. Sinceramente, ainda não vi a relação de ter orgulho de ser brasileiro porque, por mais que este momento seja bonito, não é isso que te faz um brasileiro. Você não se esforça para ser brasileiro e ter orgulho disso. Você simplesmente É brasileiro, o que não pode ser discutido em sua totalidade se é algo bom ou ruim. É apenas um fato que não há muito o que considerar a respeito. Todo o esforço da manifestação potencializa suas capacidades de ser um indivíduo com espírito democrático. E isso é que é bonito. Não que eu veja com maus olhos o reforço da soberania nacional (e eu vejo), mas é preciso entender que esta bandeira que abraçamos traz consigo um ideal positivista que exalta a ciência como instrumento ÚNICO de desenvolvimento humano. Isto está excluindo, de forma natural, outras formas de conhecimento como o SENSO COMUM, que é, em grande parte, o motivo que levou muitas pessoas às ruas no dia de ontem. Além disso, reforçar este espírito é, em sua forma mais natural, atuar no sentido de entregar à elite intelectual a responsabilidade de definir as regras do jogo social. Eu não acredito que isto tenha sido feito conscientemente. Mas é necessário saber o que certos atos representam. Quer cantar o hino nacional? Ótimo. Mas saiba que ele versa sobre uma história que não é nossa, por mais lindo que seja. A revolução que muitos de vocês acreditam estar dando início já existe, certo? O gigante não acordou. Quem está dormindo, na verdade, é quem não percebe que muita gente leva tapa na cara todo dia por ser gay, negro, sem terra, índio, mulher. Se você não vê que estas minorias(?) já estão lutando há décadas, e acredita que o Brasil só acordou agora, talvez você até seja uma celulazinha do câncer. Você, jovenzinho, que levantou a bunda da cadeira pra levantar um cartaz e que desconhece a luta pelos direitos das mulheres, que ignora a violência que existe contra gays, que faz piadinha comparando um negro a um macaco, que diz que índio e membros do MST são vagabundos, não merece respeito. Você só endossa o machismo, a repressão, o racismo, o preconceito. Você é só massa de manobra do poder branco/classe média/machista/religioso/moralista. Se você é aquele cidadão que joga lixo na rua, que fura sinal vermelho de madrugada, que roda pelas ruas da cidade nos finais de semana com o som do carro alto, que bebe e dirige sem respeitar os próprios limites, que fura fila, que é vulgar com uma mulher que passa por você (reforçando a cultura do estupro), que faz piadinha sobre a bixinha da sala... cale-se. Essa luta não é sua. Aliás, é contra você também. Se você é o tipo de pessoa que se dispõe contra as figuras políticas que representam cristãos como Marco Feliciano, mas diz "cruz credo nossinhora" quando houve alguém falar que é ateu, talvez não tenha sensatez suficiente para admitir até que ponto a fé é importante e em que ponto ela passa a ser um instrumento de coibição das capacidades humanas. Talvez você seja aquele carinha que levantou uma bandeira pedindo mais educação, mas não respeita o professor dentro da sala de aula e desconhece as dificuldades que ele sente na pele por ganhar um salariozinho de merreca de cocô de merda de bosta-fezes. Se você é aquele manifestante que levanta bandeiras favoráveis ao impeachment da presidente Dilma provavelmente não sabe que, apesar de o PT ter ilustrado nos últimos anos um movimento de ESQUERDA-CENTRO, é o governo que mais implantou políticas sociais nas últimas décadas. Provavelmente não imagina que ser contrário a este governo constituído com o VOTO de MILHÕES de pessoas que vivem em condições quase desumanas significa, ao mesmo tempo, ser favorável às políticas excludentes de partidos políticos com maior representatividade como PSDB e DEM que tem, em suas composições, o maior número de políticos FICHAS-SUJA do país. Se você é aquele carinha que se manifesta contra o Bolsa Família provavelmente ignora que, assim como este movimento que não é só pelos vinte centavos, o Bolsa Família também não é só para a mãe que não pode comprar uma calça de 300 reais pra filha. Você provavelmente vive em um plano em que não adianta explicar que as políticas sociais como o Bolsa Família não desestimulam a procura por emprego. Talvez você não saiba, mas a conta dessa bolsa, que você diz que não é obrigado a pagar, hoje alimenta centenas de milhares de famílias, põe crianças em escola, reforça a economia e diminui pelo menos um tiquinho de nada, a desigualdade social. Talvez você seja aquele tipo de pessoa que se diz contra cotas raciais, que muito possivelmente não sabe que isso é uma política de curto prazo e que não é só o PT que levanta essa bandeira. Outros partidos de direita como o PSDB também sustentam este vergalhão porque, até mesmo eles, reconhecem a importância destas cotas. Quem sabe você seja um destes anarquistas que andam por aí ignorando o fato de que anarquia não é ausência de ordem, mas sim de coerção. Talvez você esteja reivindicando seus direitos como cidadão, mas quase sempre fica de mimimi quando ser cidadão também implica em cumprir deveres. Muito provavelmente xinga os policiais militares de porcos fardados. Muito provavelmente liga para o 190 quando sua casa é assaltada. Muito provavelmente existe a possibilidade de você ser uma daquelas pessoas que tentou calar a voz de quem levantava bandeiras partidárias. Talvez você ainda não tenha se encontrado neste movimento e ainda não tenha caído na real que este é um movimento DE TODOS OS QUE ESTÃO INSATISFEITOS COM O PODER CONSTITUÍDO. Se não há um motivo específico para essa luta, já que ela virou uma manifestação de indignação, deixem que as pessoas levantem AS BANDEIRAS QUE QUISEREM. Se querem usar de violência e coerção moral que definam primeiro se esta manifestação é apolítica ou apartidária. Porque levantar uma bandeira como a do PSTU não significa somente ser partidarista. Implica também em ser político. Significa saber que o PSTU defende, acima de tudo, a democracia e o atendimento às demandas EXPLICITAMENTE SOCIAIS. Se querem abaixar a bandeira de qualquer pessoa que seja, que pelo menos saibam no que estão pisando. Que tenham pelo menos a CORAGEM e a HONESTIDADE de serem civilizados e discutam isso de forma assertiva e sem violência, porque, se você é incapaz de tolerar alguém que te acompanha em uma manifestação, também não será capaz de sustentar o seu discurso, mesmo que mesquinho, sobre qualquer coisa que seja, perante uma figura política. A manifestação é SÓ o PRIMEIRO passo para a mudança. Depois de se manifestarem, vocês precisarão sustentar suas ideologias com as figuras políticas que podem ou não acatar sua reivindicações. Uma manifestação democrática sem segmento definido, como a de ontem, deveria possibilitar que a maior quantidade de pessoas com interesses diferentes possam se posicionar a respeito do que quiserem. Esta manifestação que ocorreu aqui em Patos não ilustrou muita coisa, a não ser a intolerância com os próprios membros da manifestação. Parece que não querem uma liderança. Parece que ainda não perceberam que é necessário que alguém tome a frente disso tudo e que os representem assim como vocês representam outros milhões de pessoas. Ter uma liderança não significa ser submisso. Caiam na real. Vale lembrar que todo direito é fruto de muita luta. E toda luta exige uma direção, um propósito, coragem e muito respeito com os que te acompanham. Se não estão dispostos a aceitar estas condições, então fiquem em suas casas acompanhando de longe. Ao invés de questionar o professor, vocês estão incomodando o coleguinha do lado. E, só pra finalizar: Não desencorajar a luta, de qualquer pessoa que seja, não é favor nenhum. É o mínimo que se pode fazer quando esta manifestação representa, em seu espírito, a luta pelo respeito aos direitos dos cidadãos brasileiros. Mas, se querem lutar, tenham, pelo menos, envergadura moral e conhecimento do que estão dispostos a reivindicar. Tenham a simplicidade de reconhecer que qualquer argumento pode ser colocado em prova. E é a motivação de tentar defender um argumento que faz com que a sua luta ganhe algum sentido.
Posted on: Thu, 20 Jun 2013 14:47:22 +0000
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