CRÍTICA AO (CON)SENSO COMUM: ÔNUS DA PROVA NO HABEAS CORPUS: - TopicsExpress



          

CRÍTICA AO (CON)SENSO COMUM: ÔNUS DA PROVA NO HABEAS CORPUS: SUPERANDO O ÔNUS DE QUEM ALEGA PARA CHEGAR AO “IN DUBIO PRO LIBERTATE” Quando o habeas corpus envolve controvérsia fática, sendo necessária atividade probatória e, consequentemente, valoração de tal prova pelo tribunal, naturalmente poderá surgir o problema do ônus da prova enquanto regra de julgamento. Comprovada a ilegalidade ou o constrangimento ilegal, inegavelmente a ordem deverá ser concedida. Por outro lado, demonstrada a legalidade da prisão ou a ausência de constrangimento ilegal, denega-se o habeas corpus. Entretanto, o que fazer quando há dúvida, diante dos documentos produzidos, se a prisão ou ameaça de prisão é ilegal? Predomina, amplamente, o entendimento de que, havendo controvérsia fática, se os fatos não estiverem suficientemente provados, a ordem deverá ser negada. O STF já decidiu que: “O habeas corpus não comporta, em si, fase probatória. Os elementos de convicção devem ser revelados com a impetração, podendo decorrer dos documentos anexados pelo impetrante ou das informações prestadas pela autoridade apontada como coatora. A inexistência de demonstração inequívoca dos fatos alegados obstaculiza a concessão da ordem, mormente quando das demais peças dos autos não exsurge a respectiva procedência” (HC no 73.377/RJ, RT 734/623) Em outras palavras, o ônus da prova no habeas corpus é do impetrante, que deverá demonstrar os fatos por ele alegados. Nesse sentido decidiu o TJSP: “a opção do interessado pelo remédio heróico lhe acarreta, porém, o ônus de provar a liquidez e a certeza de seu direito” (RT 671/319). No mesmo sentido decidia o extinto TACrimSP: HC no 375.988/0. A questão, contudo, exige que se analise a prisão cautelar, desde o seu momento inicial. Como já visto, no campo das medidas cautelares processuais penais restritivas da liberdade, vigora o princípio da legalidade, ou seja, as prisões cautelares são apenas aquelas previstas em lei e nas hipóteses estritas que a lei autoriza, havendo um princípio de taxatividade das medidas cautelares pessoais. Assim, se o juiz verificar, do ponto de vista fático, a ocorrência da situação concreta prevista em lei, que autoriza a prisão cautelar, decretará a prisão. Por outro lado, se houver dúvida sobre a presença dos requisitos legais da prisão preventiva, não se prende. Para a decretação da prisão cautelar vale, pois, a regra in dubio pro libertate. Uma vez decretada a prisão cautelar, o habeas corpus funciona como um mecanismo para verificação da legalidade da decisão que decretou a prisão, cabendo ao tribunal analisar se a prisão foi ou não regularmente decretada. O juiz já examinou anteriormente, e o tribunal deverá verificar novamente as provas, proferindo uma decisão fundamentada, em que explicite as razões de convencimento de que a hipótese legal autorizadora da prisão deve incidir diante da situação concreta demonstrada e comprovada. Ou seja, o juiz decreta a prisão e o tribunal revê se a prisão foi legalmente decretada. Diante disso, concluir que no habeas corpus cabe ao impetrante o ônus da prova da lesão ou ameaça ao direito de liberdade significaria afastar a necessidade de uma demonstração cabal da hipótese autorizadora da prisão. De nada adiantaria afirmar que a prisão somente pode ser decretada pelo juiz diante da certeza da ocorrência da hipótese legal que a autoriza, se se concluísse, na sequência, que, mesmo que tenha sido decretada a prisão ilegal – cuja ilegalidade poderia ser justamente por não estar demonstrada a situação autorizadora da prisão –, no habeas corpus caberia ao impetrante o ônus da prova da ilegalidade e que, na dúvida, a ordem deveria ser denegada. Ao se admitir tal situação, acabaria havendo uma “inversão do ônus da prova”. Isso porque, se em caso de dúvida fosse decretada a prisão e, uma vez interposto o habeas corpus, tivesse o impetrante que demonstrar, acima de qualquer dúvida, que a prisão era ilegal, o in dubio pro libertate teria se transformado em in dubio contra libertate. A regra é a liberdade e a exceção, a prisão, que somente pode ocorrer nos casos expressamente previstos em lei. Não há prisão cautelar sem lei. Não há aplicação da lei que autoriza a prisão sem verificação judicial da hipótese legal. Não há convencimento judicial da necessidade da prisão se houver dúvida sobre a ocorrência da hipótese legal. Na dúvida, deve prevalecer a liberdade, seja quando for analisado o pedido de prisão, seja quando, em habeas corpus,se verificar a legalidade de uma decisão anterior que decretou uma prisão cautelar. Finalmente, é de afastar a equivocada conclusão de respeitável doutrina quando afirma que, quanto aos aspectos fáticos, as informações da autoridade coatora gozam de presunção juris tantum, de sua veracidade e exatidão. As informações têm natureza narrativa, consistindo na exposição declarativa feita pela autoridade coatora ao juiz ou tribunais que buscam informações sobre a prisão objeto do habeas corpus. Assim, poderão ou não tornar controverso um ponto afirmado na impetração. E, no caso de contradição entre o que afirma o impetrante e o que narra a autoridade coatora nas informações, as provas, em especial as documentais, é que indicarão ao julgador como decidir. Na dúvida, decide-se pela liberdade ou pela prisão? Afirmar que as informações da autoridade coatora gozam de presunção juris tantum significaria concluir que, no habeas corpus, haveria uma regra de julgamento, de caráter doutrinário, que implica uma especial distribuição do ônus da prova, no caso, privilegiando a posição da autoridade em detrimento da liberdade. Correto, por outro lado, o posicionamento de que, na ausência ou demora injustificada da autoridade em prestar as informações, o habeas corpus deve ser concedido, por considerar verdadeiras as alegações da impetração. Se o ponto afirmado pelo impetrante, e que reafirma o direito fundamental de liberdade, não restou controvertido, não surgirá questão a ser resolvida pela reconstrução histórica dos fatos. E, assim, por mais este motivo, é de reafirmar o direito fundamental da liberdade. Para uma análise mais profunda sobre o tema, cf.: Ônus da prova no habeas corpus: in dubio pro libertate. In PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo (Coords.). Processo Penal e Democracia: Estudos em Homenagem aos 20 Anos da Constituição da República de 1988, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 227-251. Também publicado em: badaroadvogados.br/?page_id=36
Posted on: Thu, 07 Nov 2013 14:08:58 +0000

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