LUPA O mundo visto de perto por J.R.Duran, texto de Lea Maria - TopicsExpress



          

LUPA O mundo visto de perto por J.R.Duran, texto de Lea Maria Aarão Reis para a revista B&C. Quando alguém escrever a história da fotografia no país, o brasileiro nascido na Catalunha J.R. Duran, e radicado em São Paulo há cerca de meio século, será inscrito em posição de destaque. Autor de um trabalho original e caleidoscópico, às vezes, as suas fotos são quase barrocas: as de moda e as das mais belas mulheres do país. Ágil, pragmático e culto, J. R. Duran é um imigrante duplo. “Desembarquei no porto de Santos ainda garoto; e nos 90 decidi voltar ao Brasil depois de longa temporada fora.” Duran ajudou a construir a nossa indústria da moda com o seu trabalho de editoriais. Ficou célebre fotografando belas nacionais em poses eróticas – Adriane Galisteu depilando o púbis é uma das suas fotos emblemáticas. Trabalha para campanhas de publicidade das mais poderosas empresas, e, este ano, descobrimos duas séries suas, marcantes: as deliciosas fotos falsamente ingênuas da série Blogueiras e um portrait do jogador de futebol Pato, elegantíssimo, vestido de sobretudo longo de lã. Como autor, Duran é um excelente companheiro de weekend do leitor de B&C. Ler o seu “Cadernos de Viagem” (Ed. Benvirá/Saraiva) é um deleite. São pequenas e agudas observações sobre 54 cidades visitadas por ele – de Trancoso e Calafate a Hong Kong; de Delhi e Los Angeles a Valeta e Asmara. Todas elas ilustradas com bonitas aquarelas de sua autoria, mostrando os quartos de hotel em que se hospeda. Quem quiser ir além, no universo literário de Duran, sugerimos também o seu Sevilla e Cadernos Etíopes e os romances noir: Lisboa e Santos. Haja fôlego! Porque este ano ainda vem aí o terceiro livro de ficção, um outro thriller. “Homem do renascimento” de mil e uma atividades, Duran é desenhista, ilustrador, romancista, frasista (adora frases de efeito) cronista e colunista. Fez inúmeras exposições em São Paulo e é conhecido e respeitado lá fora. Leitor voraz e grande viajante, é sobretudo um fino observador da espécie humana. Aqui estão desenhados, para B&C, depois de um papo de uma hora em ligação internacional precária, alguns traços menos conhecidos do catalão que não se cansa de ver o mundo em grande close. B&C: Há algum tempo você escreve e publica. Um romance, Lisboa, e mais os volumes Santos, Sevilla e Cadernos Etíopes. Duran: Fotografar me fascina. Mas a literatura, os livros têm uma magia. Leio e escrevo nos momentos livres. Lisboa é um “noir existencial”, como diz um amigo meu. A cidade sem sombras (ou Cidade sem sombra – ainda estamos decidindo o título) é outro noir que sai este ano pela Editora Saraiva. Vem completar uma trilogia iniciada com Santos: histórias que se passam em cidades próximas das águas. B&C: E tem a sua Revista Nacional. Este ano, quando for publicada, em outubro/novembro, será o quarto número. Como é o projeto deste catálogo no qual você passa a limpo o ano que está terminando? Duran: Publico minhas fotos do período, textos meus e de outros colaboradores, entrevistas que fiz, edito tudo, supervisiono a diagramação, o design, e a Gráfica Burti imprime dois mil exemplares numerados para serem distribuídos. Metade fica com ela, a outra metade comigo. Uma boa ideia sempre precisa de um mecenas. B&C: E os famosos Cadernos de Viagem? Além de grande leitor você é um grande viajante. A crítica literária Luiza Furia, do jornal Valor Econômico, elogiou vivamente este trabalho. Duran: As anotações sobre as cidades são ilustradas com aquarelas de 54 quartos de hotel pelos quais fui passando em 35 países, além do Brasil, entre janeiro de 2008 e janeiro de 2011. É o registro da minha passagem em viagens que fiz da cidade de Itu, por exemplo, em São Paulo, a Paris. De Luís Correia, no Piauí, à República da Eritreia. Do Rio a minha cidade natal, Barcelona. B&C: Qual foi sua primeira câmera? Duran: Não lembro. Faz tanto tempo. Lembro que quando decidi ser fotógrafo não era para comercializar a atividade. Era um impulso prazeroso. Queria ver de perto as pessoas, a vida. Se era para ser ou não uma profissão no futuro eu não tinha ideia. Assim como lemos nos livros as histórias das pessoas e da vida, eu queria ver isto com a câmera. Não havia o sentido de me organizar para a atividade ser rentável. Eu não pensava em criar uma empresa, por exemplo. Eu queria fazer o que gostava de fazer e queria aprender. B&C: Esta é a sua receita profissional? Duran: Todo fotógrafo, todo profissional, tem uma receita. A minha sempre esteve baseada na minha curiosidade e na vontade de entender as pessoas e o mundo. B&C: E como se consegue isto? Duran: Também lendo bons livros, boa literatura, ouvindo boa música e vendo filmes bons. Saindo nas ruas, encontrando pessoas, algumas conhecidas, outras anônimas, estrelas, astros, gente desconhecida, pessoas da moda, políticos, e fazendo os seus retratos. B&C: E no trabalho de fotos de publicidade? Duran: Também é necessário entender as pessoas que estão posando e o ambiente do momento. A nossa bagagem deve ser sempre renovada. Precisamos ir sobrepondo camadas de conhecimento do mundo. Não, quando comecei a fotografar eu não pensava em comercializar isto. B&C: Mas quando a pessoa se profissionaliza é diferente. Duran: Claro. Ela precisa ter a disciplina profissional. Em qualquer atividade é assim. Precisa-se encarar o trabalho disciplinadamente. Às vezes, as pessoas pensam, romanticamente, que um fotógrafo só precisa “correr o mundo em liberdade”. Elas não lembram que há uma coisa chamada responsabilidade. Certas vezes, no estúdio, tenho me esperando cerca de 40 pessoas envolvidas numa determinada produção fotográfica. Olhe quanto de recursos foram gastos ali, quanto dinheiro! B&C: E o fotojornalismo? Duran: Tenho a maior admiração. Cartier-Bresson, os correspondentes de guerra... Um dia perguntei ao (Sebastião) Salgado: ‘como é que você faz para chegar naqueles lugares incríveis que fotografa?’ B&C: Mas observando o seu trabalho pode-se dizer que você também é um romântico. Duran: Vejo a minha profissão numa perspectiva romântica. Mas estou sempre alerta, sempre ligado. Eu não desenvolvo o meu trabalho de uma forma hedonista. De qualquer modo, a chave do bem-estar do indivíduo é fazer o que ele gosta. B&C: No mundo de hoje, mais complexo, isto é possível? Duran: Trabalhar no que se gosta não depende de o mundo atual ser mais ou menos complicado. Isto depende de cada pessoa. O mundo é um mercado. Hoje, este mercado está mais agressivo? Pode ser, mas por outro lado é um mercado que cada vez mais busca ações novas, originais e consistentes. B&C: Há alguma personalidade cujo retrato você gostaria de fazer? Duran: Eu vou aceitando as pessoas que encontro. Eu fotografo as coisas do modo como eu gostaria que elas fossem. E isto não é manipulação. Assim, eu vejo o mundo mais bonito e as pessoas mais interessantes. Posso dizer que sou um multiplicador de predicados... B&C: É possível captar, além da beleza, a inteligência do indivíduo? Duran: Quando faço um retrato, a minha intenção é mostrar a pessoa inteira e capturar um pedaço dela. Procuro sempre captar algum detalhe, alguma coisa, por pequena que seja, daquela pessoa. Até um relance de brilho no olhar dela. Para isso é preciso haver cumplicidade. B&C: Suas fotos de moda e de belas mulheres nuas são célebres. Entraram para a história fotográfica do país. A série um e dois de Adriane Galisteu depilando o púbis, primeiro em Santorini, na Grécia, em 95; anos depois, em Positano, na Itália, causaram grande furor. Nas duas séries ela usa apenas uma camisa azul de seda. A camisa era um fetiche? Duran: Zero fetiche, 100% acaso. Mas quando a lenda é maior do que a realidade, imprima-se a lenda. B&C: E qual é a viagem dos seus sonhos? Duran: A viagem não é o lugar de chegada. É tudo que se relaciona com ela: o projeto da viagem, as pesquisas sobre o lugar que vamos conhecer, a viagem em si, o aeroporto, tudo é a viagem. B&C: É como no budismo que diz que o caminho é que importa, não é chegar ao fim do caminho? Duran: Com uma diferença: eu quero chegar lá, no destino da viagem. B&C: Alguma cidade é eleita por você como a mais fascinante? Duran: Todas as cidades têm uma alma e têm seus fantasmas. Duas me impressionaram. Uma é Asmara, capital da Eritreia, ex-colônia italiana na primeira metade do século XX. Cidade incrível, toda em estilo art decó, construída por dezenas de arquitetos italianos futuristas que trabalharam lá, na época, contratados pelo governo de Roma. O quadrinista italiano Hugo Pratt, autor de Corto Maltese, foi seu habitante. É fantástico admirar naquela região do Chifre da África a arquitetura europeia dos anos 30. A segunda, capital da Ilha de Malta, é a cidade de Valeta. É outra que fascina. Caravaggio, Napoleão, muitos outros personagens históricos e lendários passaram por lá. Valeta foi cenário das grandes batalhas dos célebres Cavaleiros da Ordem de Malta que enfrentaram ali, certa vez, um exército de 30 mil turcos e levaram a melhor. B&C: Em qual cidade você viveria bem? Duran: Em qualquer cidade, desde que ela tenha um aeroporto internacional, uma porta de entrada e de saída para que eu entrar e sair quando me der vontade. B&C: Quais são as suas referências literárias? Duran: Se eu fosse para uma ilha deserta e só pudesse levar um livro, ele seria “La Invención de Morel”, de Adolfo Bioy Casares. B&C: Em qual idioma prefere ler? E falar? Duran: Gosto de ler em português, francês e espanhol. Falar, falo qualquer um, mesmo os que não sei falar... B&C: E o que está lendo atualmente? Duran: Flaubert, de Michel Winock, publicado pela Gallimard este ano. B&C: Referências cinematográficas? Duran: François Truffaut, porque ele sabia ver a vida de perto. E levaria para a ilha deserta, junto com o Casares, o filme de Wong Kar-Wai, “In the mood for Love,” que no Brasil se chamou “Amor à flor da pele”. B&C: Você é um cinéfilo? Duran: Há um livro, Os 100 melhores filmes do século XX, que eu abri e constatei que deles já vi 97. Só três ficaram de fora. Então, posso me considerar um cinéfilo! B&C: Sua observação sobre o silêncio é curiosa. Você adora o silêncio. “Só o silêncio salva”, costuma dizer. “É amigo e conselheiro.” No entanto, os espanhóis e os brasileiros são tão ruidosos... Não incomoda viver no meio dessa algazarra? Duran: Não... (ri) Tenho janelas com vidros antirruído no meu escritório e em casa. Quando quero silêncio, fecho as janelas e pronto. Há um amigo que decidiu vender plaquinhas com a frase “é melhor ficar quieto e parecer uma anta do que abrir a boca e deixar os outros terem certeza disso”. Se cada um a colasse ao lado do computador, acho que o mundo seria melhor. B&C: Eu soube que você é piloto de helicóptero. Fotografa, escreve, desenha, pilota helicóptero... Só falta a árvore. Duran: (rápido) A árvore, eu já plantei. Fiz os cursos para pilotar, tirei brevê, voei em vários países, me dediquei e cheguei num ponto em que ou comprava um helicóptero ou... (modesto e tímido) Não posso declarar que sou um piloto de helicóptero... B&C: Diga rápido: qual é o weekend dos seus sonhos? Qual é o melhor lugar do mundo? Duran: Sábados à tarde vêm os amigos, há as leituras... Olha, o melhor lugar do mundo é o sofá da minha casa. B&C: Nada de trabalho? Duran: Não é isto! Gosto de trabalhar nos fins de semana. Quando não tenho o sofá da sala e não há amigos, trabalho. “Quero sempre mais encrenca!” Os ingleses costumam dizer “one apple a day keeps the doctor away”. Eu adaptei para “one Picture a day keeps de doctor away”.
Posted on: Mon, 02 Dec 2013 12:05:54 +0000

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