Só há pouco liguei os pontos e soube que Garrincha e Nelson - TopicsExpress



          

Só há pouco liguei os pontos e soube que Garrincha e Nelson Cavaquinho eram vizinhos de aniversário. O craque nasceu num 28 de outubro; o compositor num dia 29 do mesmo mês. Em 2011, num texto para O DIA, exaltei semelhanças entre os dois. Aí vai: Nelson e Cartola; Garrincha e Pelé O centenário de Nelson Cavaquinho fez bater outra vez uma velha dúvida em meu coração mangueirense: quem foi melhor compositor? O homenageado ou o mestre Cartola? Páreo pra lá de duro, ambos são autores de grandes clássicos da música brasileira. De um lado, A flor e o espinho, Folhas secas, Rugas; de outro, O mundo é um moinho, As rosas não falam e Sala de recepção. A doce disputa remete à oposição entre Pelé e Garrincha. Capaz de comover pedras ao dizer que as rosas exalavam o perfume roubado da amada, Cartola está mais para Pelé. Apesar de todos os percalços, teve, principalmente nos anos 1970, uma carreira mais estruturada -- lançou discos, fez shows, comemorou o sucesso de muitas de suas canções. Até na postura lembrava o Rei: magro, imperial, imponente, Cartola representava a melhor nobreza do samba. Mais solar do que Nelson, era um mestre-sala de movimentos harmônicos e elegantes, adjetivos que também podem ser atribuídos às suas músicas. O noturno Nelson Cavaquinho é quase a tradução musical de Garrincha. Brilhante, teve uma trajetória marcada por triunfos e dores. De vida torta, virou dono das calçadas, se via iluminado por uma luz negra de um destino cruel (Luz negra, com Amâncio Cardoso). Foi um rei vadio/um poeta tão sem lei que admitia ter tropeçado pelos cantos dessa vida. As rosas de Cartola falam de amor, as flores de Nelson remetem à morte: Quando eu passo/Perto das flores/ Quase elas dizem assim:/Vai que amanhã enfeitaremos o seu fim (Eu e as flores, com Jair do Cavaquinho). Como Garrincha, Nelson era capaz de jogadas espetaculares, dribles poéticos e improváveis -- como fez ao declarar que feliz é quem sabe sofrer (Rugas, com Augusto Garcez e Ari Monteiro). Em outro samba, ao se ver traído, ele chama de amigo o sedutor de sua amada e acrescenta desejar que ele viva em paz com aquela que manchara seu nome (Notícia, com Alcides Caminha e Nourival Bahia): um drible, ainda que sofrido, em quem esperava uma reação óbvia e violenta. Como Garrincha nos últimos anos de sua vida, Nelson e seu parceiro Guilherme de Brito fizeram com que retirássemos nosso sorriso do caminho para que eles passassem com sua dor. Garrincha e Pelé se completaram; com os dois em campo, a Seleção nunca perdeu um jogo. Da mesma forma, fico com o empate na disputa entre Cartola e Nelson Cavaquinho, caso raro de sol que vivia bem perto da lua.
Posted on: Tue, 29 Oct 2013 15:10:39 +0000

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