a propósito de Ilhas, de que hoje falámos no bairro da Lomba... - TopicsExpress



          

a propósito de Ilhas, de que hoje falámos no bairro da Lomba... um texto da Regina Guimarães (partindo de outro de Alberto Caeiro): Ao entardecer, debruçado pela janela, E sabendo de soslaio que há campos em frente, Leio até me arderem os olhos O livro de Cesário Verde. Que pena que tenho dele! Ele era um camponês Que andava preso em liberdade pela cidade. Mas o modo como olhava para as casas, E o modo como reparava nas ruas, E a maneira como dava pelas cousas, É o de quem olha para árvores, E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando E anda a reparar nas flores que há pelos campos ... Por isso ele tinha aquela grande tristeza Que ele nunca disse bem que tinha, Mas andava na cidade como quem anda no campo E triste como esmagar flores em livros E pôr plantas em jarros... (Alberto Caeiro, in “O Guardador de Rebanhos” - Poema III) Dir-me-ão que é despropositado citar Pessoa sobre Cesário dois poetas lisboetas mas do mundo a propósito das nossas ilhas portuenses. Na verdade creio que a forma de ver que Caeiro vê em Cesário tem, a meu ver, tudo a ver com isto de ver ilhas e de tentar ver o seu devir. Uma ilha portuense é um pedaço de aldeia rodeado de cidade por todos os lados. Ao contrário das ilhas com palmeiras e camas de rede e de muitas outras que enfeitam os mares e os mapas, islândias ou madeiras, cretas ou malvinas, as ilhas da nossa cidade são muito pobres mas encerram memórias muito ricas tanto ao nível do seu contributo para a história da cidade como no que diz respeito à epopeia da industrialização e do êxodo rural. Se delas dizemos que são património a proteger é porque, embora inscrevendo-se num processo histórico transnacional (que assume particular relevância na parte oriental da cidade), elas são únicas em termos de configuração e singulares em termos de modelo de mundivivência. Os camponeses do Norte empurrados até ao Porto pelo sonho frágil de encontrar melhores condições de vida no presente e sobretudo mais perspectivas de futuro, inventam, apesar da exiguidade dos fogos onde são aparcados, modos de vida parentes das formas de proximidade dos aldeãos em pleno coração da cidade, tal como os emigrantes que chegaram aos arredores de Paris reconstruiram aldeias portuguesas na lama dos bairros da lata. Claro que esta é uma história antiga que toma corpo no já longínquo século XIX. Claro que está é uma história trágica com patrões sem escrúpulos a enriquecer à custa dos recém-proletários a quem alugavam a peso de ouro habitações pequeníssimas e insalubres nas traseiras das suas moradias, as quais, por supostamente escaparem aos fiscalizadores da fachada, – não foi o Rui Rio que inventou o fachadismo... – se foram degradando sem contudo se esvaziarem porque o luxo dos pobres era poderem viver perto do centro e não em tristes bairros periféricos... Claro que as ilhas, flores agrestes plantadas em terrenos de agrura, acabaram por despertar a cólera dos higienistas, dos eugenistas, dos fascistas, encartados ou não, que, em nome da saúde pública, expulsaram da cidade milhares e milhares de proletários como quem varre lixo para debaixo de outro tapete. Esse derrame ditado pelos donos do poder terá tido consequências – insuficientemente estudadas porém ainda hoje gritantes – na auto-estima da cidade do Porto. A limpeza étnica foi assaz radical mas em 2013 persistem mais de mil ilhas invictas – grande arquipélago invisível, verdadeiro desafio à nossa capacidade de ver mais mundo outro neste mundo, e outra cidade nesta cidade. Não se trata obviamente de pedir aos nossos insulares concidadãos que continuem, a fim de preservar rastos pitorescos, a viver a 20 num lugar onde cabem 2, a acordar sem água canalizada em casa, a partilhar uma sanita entre 100. Trata-se de olhar para o que as ilhas têm de belo e útil e até historicamente necessário no plano da aprendizagem da partilha e da vivência comunitária para que se torne possível transformá-las em lugares mais aprazíveis em polos de habitação popular mais confortável em aldeias ainda mais orgulhosamente citadinas e resistentes. Quando penso em «ilhas» e no muito que na minha rua ouvi falar delas, – das suas inimitáveis festas, das doenças que as assolavam, do sofrimento em tempos de privação cujo pico terá sido a guerra civil de Espanha – lembro-me sempre de uma adivinha da minha infância: «Qual é a coisa, qual é ela, que mal entra em casa fica logo à janela?» A resposta não era «ilha», era «botão». Como não gosto de botões, prefiro pensar em locais onde mal o sol entra logo a luz toma conta de todos os recantos. Em lugares de UTOPIA onde as portas e as janelas se confundem. Em capitais da alegria, como cantava o nosso querido José Afonso. Cidades «sem muros nem ameias». Fecho os olhos e consigo sentir na pele «a flor da palma (afagando) a cantaria». Regina Guimarães
Posted on: Sun, 22 Sep 2013 23:55:38 +0000

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