1. Introdução O Código Tributário Nacional (CTN) foi recebido - TopicsExpress



          

1. Introdução O Código Tributário Nacional (CTN) foi recebido pela Constituição de 1988 com o status de lei complementar, embora seja formalmente uma lei ordinária (Lei n.º 5.172/1966). O dado é relevante. Antes de 1988 o CTN não era lei complementar, como bem frisa Maria do Rosário Esteves,(1) "pois não existia, na vigência da Constituição Federal de 1946, época em que foi aprovado, lei formalmente complementar à Constituição". Por esta razão Maria do Rosário Esteves defende a tese de que a Lei n.º 5.172/66 (nosso CTN) foi recebido pela Constituição de 1967 como "lei formalmente ordinária e materialmente de caráter nacional."(2) O patamar de lei materialmente complementar deriva da circunstância de que hoje o CTN está a salvo das investidas da lei ordinária, pois para ser alterado naquilo que diga respeito a qualquer das matérias constantes no art. 146, III da Constituição o texto constitucional exige lei complementar. 2. O papel da lei complementar A lei complementar tem a finalidade de servir de guia para normas gerais, ou seja, traçar as diretrizes básicas, os princípios que devem orientar as normas tributárias que lhe devam a obediência. Segundo Ives Gandra, a lei complementar complementa o texto constitucional, "esclarecendo, tornando clara a intenção do constituinte".(3) Sendo ato normativo primário,(4) assim como a lei ordinária, a lei complementar deve se conformar formal e materialmente ao texto constitucional, como diz José Afonso da Silva.(5) Embora seja possível, não é papel da lei complementar estabelecer minúcias, ainda que digam respeito aos tributos da União.(6) Muitas vezes a Constituição funciona como um cliente que encomenda o quadro a um artista, dando as especificações que quiser, tamanho da tela, motivo, cores e tintas. A moldura do quadro, ou seus limites, são como a lei complementar. O preenchimento do quadro, o trabalho do artista é reservado à lei ordinária. Por este motivo Vittorio Cassone(7) afirma, com relação a lei ordinária e a lei complementar, que quando cada uma "atuar dentro de seu campo material exclusivo, não haverá de se falar em hierarquia". Daí concluir Souto Maior Borges(8) que "A validade da lei ordinária decorre, em princípio, da sua conformação com a Constituição. Apenas, a lei ordinária é obrigada a respeitar o campo privativo da legislação complementar, tal como esta não pode invadir o campo da lei ordinária." Entretanto, isto não significa que todo o tributo tenha que ser instituído por lei complementar como gostaria Ives Gandra,(9) tanto que ele mesmo disse que o STF considerou válida a instituição da contribuição social sobre o lucro na forma da Lei n.º 7.689/88 (RE 146.733-9/SP). 3. A existência de hierarquia entre a lei ordinária e a lei complementar Sem dúvida esta é uma das maiores discussões em direito tributário. Há os que dizem claramente inexistir hierarquia entre lei ordinária e lei complementar (Vitor Nunes Leal, Souto Maior Borges e Marcos Antonio Cardoso de Souza),(10) aqueles que admitem existir a primazia da lei complementar quando esta for o fundamento de validade da lei ordinária (José Afonso da Silva, Sacha Calmon Navarro Coelho e Maria do Rosário Esteves)(11) e os que afirmam abertamente que a lei complementar é um ato normativo intermediário entre o texto constitucional e a lei ordinária (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Paulo de Barros Carvalho, Ives Gandra da Silva Martins, Vittorio Cassone e Yoshiaki Ichihara)(12)— o que lhe daria uma posição hierarquicamente inferior à Constituição e superior à lei ordinária. Quando se fala em hierarquia normativa, contudo, não se pode deixar de atentar para o que disse Kelsen, tendo em vista que o mestre austríaco concebeu o ordenamento jurídico como um sistema hierarquizado de normas. Para Kelsen há hierarquia quando "a norma que determina a criação de outra norma é a norma superior, e a norma criada segundo essa regulamentação é a inferior".(13) Interessante desdobramento dessa teoria é levada a cabo por Souto Maior Borges(14) para rejeitar a tese da hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária. Presentes tais postulados é que podemos iniciar a indagação para saber se há ou não hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária. Quem determina a edição de lei para tornar os tributos exigíveis é a Constituição. É o texto constitucional e somente ele que cria e prevê as hipóteses para a elaboração de lei ordinária e da lei complementar, tanto que o fundamento de ambas é o mesmo: a Constituição. O conflito entre a lei ordinária e a lei complementar é resolvido com base na Constituição porque é esta que distribui as competências. Quando a lei ordinária dispõe sobre matéria de lei complementar ela é inconstitucional, pois, por invasão de competência. Fixados estes pontos é que se pergunta: é a lei complementar que determina a elaboração da lei ordinária? Não. É a Constituição. O teor da lei ordinária é ditado pela lei complementar? Não. Quem diz isto é a Constituição. O conflito entre a lei ordinária e a lei complementar é uma violação desta última? Não. É uma violação à Constituição. José Afonso da Silva(15) também conclui pela inconstitucionalidade da lei ordinária que ingresse no campo reservado constitucionalmente à lei complementar:(16) O Supremo Tribunal Federal também trilhou o mesmo caminho: "Não pode, portanto, lei ordinária, sob pena de inconstitucionalidade por invasão de competência, ingressar na esfera de competência da lei complementar para derrogá-la." (MS 20.382/DF, Rel. Min. Moreira Alves, Pleno, DJ 09/11/90) e em período mais recente confirmou a jurisprudência anterior (AGRAG 359.200/PR, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 13/6/2002). Assim, se não é a lei complementar que determina a elaboração da lei ordinária; se o conteúdo da lei ordinária não é ditado pela lei complementar e se a ofensa da lei complementar pela ordinária não é ilegalidade e sim inconstitucionalidade, onde está a hierarquia da lei complementar em face da lei ordinária? A lei ordinária é tão lei quanto a complementar, com a diferença que o campo desta última foi expresso pelo texto constitucional e o quorum para a votação da lei complementar é mais rigoroso. Assim, a lei complementar é uma lei ordinária adjetivada constitucionalmente. Como diz Souto Maior Borges, (17)o quorum só faz a existência da lei complementar, mas não lhe confere a eficácia. Daí o equívoco dizer que a lei complementar tem hierarquia sobre a lei ordinária em razão do maior número de votantes necessário para a sua aprovação. Permanecem válida, portanto, a tese defendida pelo saudoso ministro Vitor Nunes Leal. (18) Souto Maior Borges refuta a tese da superioridade formal da lei complementar pelo mero fato de que no processo legislativo a lei complementar seja mencionada imediatamente após as emendas à constituição e antes da lei ordinária — no artigo em que a Constituição enumera as espécies normativas.(19) A conclusão do mestre pernambucano — e também a nossa — são reforçadas por um precedente do STF onde houve interessantíssima e acalorada discussão entre dois dos mais cultos e estudiosos ministros que passaram por aquela Corte: Leitão de Abreu e Moreira Alves, reproduzida na obra de Ronaldo Poletti (20)— embora este autor seja partidário da hierarquia da lei ordinária sobre a lei complementar. O Ministro Moreira Alves ao proferir seu voto no RE n.º 84.994/SP disse que "a lei complementar federal também está no mesmo nível da lei ordinária federal. O problema é apenas de competência. [...] Não há subordinação hierárquica, senão a lei federal também poderia ser ilegal."(21) Embora o Ministro Leitão de Abreu tenha sustentado a hierarquia da lei complementar em face da lei ordinária, e a ilegalidade da lei ordinária que contrariasse o disposto na lei complementar, o Min. Moreira Alves acabou formando a jurisprudência. Esse interessante debate consta da excelente obra de Poletti.(22) 4. Relações entre lei complementar e lei ordinária no tempo e no espaço Considerando que é a Constituição que prevê as hipóteses em que deva ser editada a lei complementar, pode acontecer que esta seja empregada indevidamente para tratar de matéria que o texto constitucional não reservou a esta espécie normativa. Nessa hipótese essa lei complementar não altera a condição da matéria legislada: ela continua sendo matéria de lei ordinária e a lei complementar em questão merece esta denominação apenas formalmente, pois ela vale como lei ordinária como diz Souto Maior Borges.(23) O trato de matéria formalmente complementar e materialmente ordinária não confere à lei complementarizada um status dignitatis superior à lei ordinária, tanto que neste caso a lei complementar sem previsão constitucional pode ser revogada pela lei ordinária.(24) 5. Conclusão De tudo isto se conclui não haver hierarquia entre a lei ordinária e a lei complementar, em que pese a força das opiniões em contrário. Ficamos com a lição de Kelsen sobre hierarquia e também com a Souto Maior Borges, bem como a lição de Vitor Nunes Leal. Para a lei complementar existe apenas um rigor maior na sua elaboração. Lei complementar é uma questão de forma e de conteúdo. Onde faltar um dos elementos (previsão constitucional para a sua instituição) não haverá espaço para se alcunhar a referida lei de complementar. A lei complementar está para lei ordinária assim como o acorde musical está para as notas que o compõem. O acorde (conjunto de notas) é como a lei complementar a dar a estrutura básica; a lei ordinária é aquela nota que qualifica, acrescenta, dá colorido ao acorde. Assim fala-se no acorde de Sol que pode ser maior, menor, bemol, sustenido, com sétima, etc. Tal fato não o descaracteriza, pois ele será sempre e fundamentalmente o acorde de Sol possibilitando a agregação de uma outra nota além de sua estrutura básica. Portanto, da mesma forma que as notas acrescentadas individualmente dimensionam e dão mais vida ao acorde, também a lei ordinária enriquece o direito ao explicitar e concretizar os rumos, princípios e diretrizes traçados pela lei complementar. Entendemos também que a lei ordinária pode dispor e alargar princípios previstos na lei complementar, quer aumentando o prazo decadencial para o Fisco lançar ou o prazo prescricional para o contribuinte repetir o indébito.(25) Por essa razão o art. 56 da Lei n.º 9.430/96 pode alterar validamente a Lei Complementar n.º 70/91, uma vez que o Supremo Tribunal Federal disse que esta última era lei materialmente ordinária e apenas formalmente complementar.(26) Entender que a edição de lei complementar alça o tema fora do alcance da lei ordinária, para as matérias a que a Constituição não prevê expressamente o emprego da lei complementar, é contrariar o texto constitucional. É a Constituição quem define qual o campo reservado à lei complementar, sendo para as leis ordinárias o restante. Nessa linha de idéias a jurisprudência que o STJ teria construído com fundamento na sua competência recursal (art. 105, inciso III, letra ‘a’, da Constituição de 1988), afirmando a invalidade do art. 56 da Lei n.° 9.430/96 em face da Lei Complementar n.° 70/91, na verdade, vulnera não só a sua atribuição de competências constitucionais mas também o art. 102, § 2.º, uma vez que desafia a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Viável aí o emprego de rescisória para os processos já transitados em julgado e, inclusive, para os outros processos a reclamação ao STF(27) (art. 102, inciso I, letra l) por flagrante descompasso com o julgado na ADC 1/DF.
Posted on: Sun, 18 Aug 2013 19:14:17 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015