ASPECTOS JURÍDICOS DA DIVULGAÇÃO DAS “LISTAS DE DEVEDORES” - TopicsExpress



          

ASPECTOS JURÍDICOS DA DIVULGAÇÃO DAS “LISTAS DE DEVEDORES” PELO FISCO Por: Daniel Prochalski Advogado sócio do escritório Prochalski, Castan & Staroi - Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela PUC-PR. Mestre em Direito Empresarial pelo Centro Universitário Curitiba. Professor de Direito Tributário da Escola da Magistratura do Paraná - Núcleo Ponta Grossa. Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário do Centro Universitário Curitiba. Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB – Subseção de Ponta Grossa-PR 1. Introdução O presente artigo tem por objetivo tecer comentários sobre o uso, pelos fiscos federal, estaduais e municipais, do expediente da divulgação de lista, contendo o nome e/ou valores devidos por supostos devedores de tributos, na maior parte dos casos denominados de “grandes” ou “maiores” devedores. Como já é pacífico no Direito Tributário brasileiro, a instituição e/ou majoração de todo e qualquer tributo devem observar o princípio da legalidade tributária (art. 150, I da Constituição Federal de 1988), ou seja, devem ser precedidas de lei, em seus sentidos formal e material. Esta lei, por sua vez, também deve observar, em seu conteúdo, os demais princípios tributários aplicáveis previstos no texto e contexto da CF/88, como, por exemplo, a isonomia (art. 150, II) e seu corolário da capacidade contributiva (art. 145, § 1º), irretroatividade(art. 150, III, “a”), anterioridade (art. 150, III, “b” e c”), não confisco(art. 150, IV), imunidades (art. 150, VI), dentre outros eventualmente aplicáveis especificamente a algum tributo, por força de características que lhe são inerentes. A previsão destes princípios, pela Carta de 1988, teve como objetivo maior condicionar a instituição e a cobrança dos tributos aos valores consagrados pelo Estado Democrático de Direito. Neste contexto, o ordenamento jurídico garante a segurança jurídica do contribuinte, para que o mesmo tenha – em contrapartida ao seu dever social de contribuir para o custeio do Estado – previsibilidade na relação com o fisco. São decorrências diretas destes valores normativos outros princípios, como o da certeza do Direito, da confiança na atuação do fisco, da proporcionalidade e razoabilidadena execução das medidas de fiscalização, na criação das obrigações acessórias e na aplicação das sanções cabíveis para as hipóteses de descumprimento das obrigações tributárias. Não basta ao fisco, portanto, no ordenamento jurídico brasileiro, invocar a prévia existência de lei que lhe assegure determinada conduta, em direção à fiscalização ou cobrança de tributos dos contribuintes, ainda que a justificativa seja a de viabilizar a arrecadação tributária, a qual, obviamente, garante os recursos essenciais para a consecução dos demais valores prestigiados pela Lei Maior, como a saúde, educação, segurança etc . É preciso que a aplicação desta lei tenha por pressuposto inafastável uma interpretação que não apenas não ofenda como também efetive as garantias outorgadas aos contribuintes. Um excelente e amplo estudo sobre a necessária aplicação destes princípios, para alcançar a eficácia da segurança jurídica na relação fisco-contribuinte, é encontrada na obra “Direito Constitucional Tributário e Segurança Jurídica”, do professor Heleno Taveira Torres, para a qual remetemos o leitor. Os contribuintes precisam ser protegidos, inclusive as empresas, porque é justamente esta proteção, previsibilidade e confiança que estimulam o empreendedorismo, com a consequente geração de empregos e renda o que, ao final, resultará em novos recursos a serem arrecadados. Este é o “círculo virtuoso” que resulta quando o Estado, através de seus agentes, promove a defesa dos valores da livre iniciativa e da livre concorrência, conforme dispõem os arts. 1º, IV, 3º, I e 170, IV da CF/88: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;” “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;” “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) IV - livre concorrência;” 2. Sentido e alcance da garantia constitucional do direito ao sigilo fiscal Estabelecidas estas premissas, chega o momento de questionar: existe fundamento legal e/ou constitucional que autorize a divulgação, pelo fisco, de informações relativas à situação de contribuintes, especialmente quando ainda não há certeza jurídica definitiva se realmente são devedores? E ainda que exista, também é preciso indagar: há alguma vantagem prática em adotar este tipo de medida? Em primeiro lugar, é preciso consignar que os dados dos contribuintes, existentes nos respectivos cadastros mantidos pelo fisco, estão cobertos pela garantia constitucional do direito ao sigilo fiscal, conforme se pode ver dos incisos X e XII do art. 5º da CF/88: “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” “XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;” A leitura direta destes incisos já revela a finalidade constitucional: a proteção da intimidade, da vida privada e da honra das pessoas físicas e jurídicas. Quando tais pessoas exercem uma atividade econômica em sentido estrito, a garantia do sigilo fiscal também tem por diretriz a proteção dos valores da livre iniciativa e da livre concorrência. Ora, sem prejuízo do dano à imagem (abalo moral) é óbvio que a divulgação de um nome como pretenso devedor acarretará sérios prejuízos materiais ao contribuinte, uma vez que os agentes do mercado com quem negocia poderão passar a fazer restrições para a contratação, em virtude do potencial risco de inadimplência, gerado pelos supostos débitos tributários. Portanto, apenas da leitura destes dispositivos já é possível concluir não haver autorização constitucional para a malsinada divulgação das listas de devedores. Esta premissa já indica a inconstitucionalidade de eventual dispositivo legal (infraconstitucional) que venha a permitir tal conduta, haja vista ser clara a contrariedade aos comandos que garantem o sigilo fiscal. 3. O sigilo fiscal em nível infraconstitucional. A eficácia do art. 198 do Código Tributário Nacional e as sanções administrativas e criminais para a hipótese de seu descumprimento Abaixo da CF/88, as relações tributárias são em boa parte reguladas pelo Código Tributário Nacional - CTN, a Lei nº 5.172/66 que, como o próprio nome revela, é lei de âmbito nacional, ou seja, deve ser observada não só pela União (que a editou), mas também pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. Por esta razão é que a maioria de seus dispositivos qualifica-se como “normas gerais tributárias”, com fundamento no art. 146 da CF/88, estabelecidas com o objetivo único de conferir eficácia aos princípios e regras constitucionais em matéria tributária. Ou seja, o legislador nacional, com relação aos direitos e deveres já consagrados pela CF/88, não tem “poder inovador” no ordenamento jurídico. Pode, no máximo, conferir aplicabilidadenas matérias que não foram exaustivamente reguladas no próprio texto constitucional, mas mesmo assim com observância de todos os demais princípios e regras que, em cada caso, revelarem-se aplicáveis. Pois bem. O caput do art. 198 do CTN, na atual redação dada pela Lei Complementar nº 104/2001, é expresso em vedar a divulgação de toda e qualquer informação pelo fisco, a respeito da situação dos contribuintes existentes em seus cadastros e obtida em razão do ofício, ressalvando inclusive a tipificação criminal que eventualmente couber pela não observância desta vedação: “Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. “ Os §§ 1º e 2º deste artigo, em conjunto com o art. 199, excetuama divulgação de informações, quando requisitadas judicialmente, em processo administrativo regularmente instaurado ou em virtude de necessária permuta de informações entre os entes tributantes, o que, no entanto, deve ser feito sempre de forma justificada e com a garantia da manutenção do sigilo na transferência das informações: “§ 1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. § 2º O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.” “Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio. Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos.” Propositalmente, reservamos a análise do § 3º do art. 198 para o fim. Estabelece este dispositivo que (grifamos): “§3º Não é vedada a divulgação de informações relativas a: I – representações fiscais para fins penais; II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; II – parcelamento ou moratória.” Partindo de uma interpretação literal e apressada do texto, especialmente do inciso II, poder-se-ia concluir estar o fisco autorizado a divulgar o nome de devedores, quando estes já tivessem débitos tributários inscritos em dívida ativa. Nos termos do art. 201 do CTN, dívida ativa é somente aquela “regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular”. Com relação aos créditos tributários ainda não inscritos em dívida ativa, especialmente para aqueles ainda não constituídos definitivamente – por aguardarem a decisão final em face da impugnação administrativa do lançamento – não há margem para nenhuma discussão, sendo a divulgação de nomes de devedores não apenas inconstitucional como também flagrantemente ilegal, em virtude da inexistência de qualquer regra similar à veiculada pelo art. 198 do CTN. Para estes casos, portanto, a gravidade do ato ilícito é ainda maior. Antes de analisar diretamente qual o sentido e alcance da permissão de que trata o § 3º do art. 198 do CTN, é preciso compreender o que significa o ato administrativo da inscrição em dívida ativa. O art. 202 do CTN estabelece uma série de requisitos e condições, como fundamento de validade do termo de inscrição em dívida ativa, e que, em caso de omissão ou erro, é causa de sua nulidade(art. 203), bem como do respectivo processo de cobrança (execução fiscal), se já existente. De acordo com o art. 204 do CTN, somente “a dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída”. Esta presunção, portanto, é relativa “e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite”, conforme prescreve o parágrafo único deste mesmo artigo. É fácil perceber, portanto, que o CTN insiste na necessidade de que a dívida ativa seja inscrita de forma “regular”, com “regularidade”, o que significa que deve ser precedida de processo administrativo válido, onde tenha sido oportunizado, ao pretenso devedor, o direito à ampla defesa e ao contraditório, corolários do devido processo legal, garantia prevista nos incisos LIV e LV do art. 5º da CF/88, não só na esfera judicial como também em sede administrativa. Ou seja, antes da inscrição em dívida ativa, o contribuinte tem o direito de ser notificado da existência do lançamento tributário, o qual só se torna definitivo na esfera administrativa após a decisão final, proferida pela autoridade competente. Note-se que o art. 145 do CTN permite concluir que o lançamento, antes da decisão final, é provisório (precário), posto que pode ser alterado em virtude da impugnação apresentada pelo sujeito passivo. No entanto, mesmo após a decisão final na esfera administrativa, o direito brasileiro permite a discussão judicial da dívida ativa, por força da cláusula constitucional prevista no inciso XXXV do art. 5º, pelo qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O art. 38 da Lei nº 6.830/80, inclusive, estabelece expressamente o direito à discussão judicial da dívida ativa, sendo, contudo, inconstitucional quando restringe esta discussão a algumas espécies de medidas judiciais, o que é irrelevante para a análise pretendida neste artigo. Retornemos à análise da permissão de que trata o § 3º, II do art. 198 do CTN, o qual aparentemente excepciona o dever de manter o sigilo fiscal, nos casos de divulgação de informações relacionadas à inscrição em dívida ativa. Da análise conjunta deste dispositivo com os demais, constantes do próprio art. 198 ou do art. 199, ressoa de forma inequívoca que ele não permite ao fisco divulgar lista com nomes de devedores. É preciso considerar que esta exceção tem um objetivo, o qual somente pode ser o de permitir a transferência de informações de uma repartição pública para a outra, a qual terá a função de praticar o ato administrativo da inscrição em dívida ativa. É o exemplo claro da transferência de informações da Receita Federal – responsável apenas pela fiscalização e lançamento – para a Procuradoria da Fazenda Nacional, que é o órgão que decide pela existência de condições para a inscrição do crédito tributário em dívida ativa. Desta inscrição, é extraída a CDA – Certidão da Dívida Ativa, a qual serve de título executivo extrajudicial, apta a aparelhar a execução fiscal. Portanto, como não poderia deixar de ser, não há nenhuma autorização no art. 198 do CTN para excepcionar o sigilo fiscal, uma vez que a divulgação de informações para fins de inscrição em dívida ativa, quando necessário, deve ser feita entre órgãos do próprio fisco, sem nenhuma divulgação pública destas informações. E mesmo que houvesse interpretação favorável à divulgação pública de devedores, é preciso considerar, ainda, que tal medida é totalmente inócua para o objetivo de buscar o adimplemento daquele crédito tributário, dentro do procedimento autorizado pela lei e pela Constituição, restando concluir ter o fisco a intenção ilícita de constranger publicamente o contribuinte, para que ele prefira pagar a dívida do que se submeter aos graves danos à sua imagem e aos seus negócios. Para a cobrança dos créditos tributários na esfera administrativa, o fisco deve observar o procedimento de lançamento tributário, nos termos dos arts. 142 e seguintes do CTN, garantindo o direito de defesa, como já exposto acima. Se a decisão administrativa final concluir que o lançamento subsiste, caberá a autoridade responsável pela inscrição em dívida ativa praticar tal ato, desde que se convença de que o lançamento observou os requisitos legais e, com base na respectiva certidão, instrumentar a ação judicial de cobrança. Nesta ação, a execução fiscal, o contribuinte terá o direito de oferecer garantia, indicando bens à penhora e, a partir disso, oferecer embargos (art. 16 da Lei nº 6.830/80), podendo impugnar todos os aspectos formais e materiais do lançamento e da inscrição em dívida ativa, quando então a futura decisão judicial analisará a existência dos pressupostos formais e materiais de validade do título executivo. O que se quer demonstrar é que o fisco não tem outra opção na busca dos créditos tributários, o que reforça a conclusão de que qualquer outra medida constituirá meio de cobrança indireto, abusivo e coercitivo e, portanto, ilícito, devendo ser reprovado de forma rigorosa pelo Poder Judiciário, quando provocado neste sentido. É preciso lembrar que toda a administração pública, abrangendo a tributária portanto, está rigorosamente vinculada – a norma é imperativa – à observância dos princípios insculpidos no art. 37 da CF/88: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Ora, não é preciso um grande conhecimento jurídico para saber que a legalidade e a moralidade administrativas são frontalmente violadas quando o fisco utiliza de meios indevidos e/ou abusivos na exigência dos tributos. Não é por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, há décadas, possui jurisprudência consolidada no sentido de que é inconstitucional o uso de qualquer meio indireto e coercitivo na exigência dos tributos, como são exemplos os clássicos verbetes constantes das Súmulas 70, 323 e 547, conforme se vê da seguinte decisão: “Esta Corte orientou-se no sentido de que o regime especial do ICMS, mesmo quando autorizado em lei, impõe limitações à atividade comercial do contribuinte, com violação aos princípios da liberdade de trabalho e de comércio e ao da livre concorrência, constituindo-se forma oblíqua de cobrança do tributoe, por conseguinte, execução política, repelida pela jurisprudência sumulada deste Supremo Tribunal (Súmulas STF nºs 70, 323 e 547). 2. Agravo regimental improvido. (AI 529106 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 29/11/2005, DJ 03-02-2006 PP-00052 EMENT VOL-02219-16 PP-03270)” Além da jurisprudência, a doutrina pátria é uníssona em amparar os argumentos acima. Especificamente em relação à divulgação de devedores, autores consagrados tecem relevantes argumentos. Para o professor Paulo de Barros Carvalho (grifos nossos): “Já houve tentativas de difusão dos grandes devedores do Erário, com evidente desrespeito ao que dispõe o art. 198 do Código. O fato é grave, ensejando a possibilidade de indenização para o sujeito passivo e a responsabilidade criminal do funcionário que promove a divulgação, que, além disso, poderá ser apenado pela prática de ilícito administrativo”. O também jurista Sacha Calmon Navarro Coelho, em relação à correta interpretação do art. 198 do CTN diante de divulgação de dados na mídia, ensina que (grifos nossos): “O artigo é corolário da proteção da privacidade. O Fisco, com tantos poderes, invade a vida e os negócios dos contribuintes e responsáveis, tornando-se dono de preciosos segredos, que bem podem ser ‘vendidos’, a peso de ouro, a terceiros, em prejuízo dos que foram investigados. Em um mundo dominado pela concorrência e pela informação, os agentes da Fazenda Pública podem se transformar em verdadeiros ‘espiões’, já não mais a serviço do Estado, senão que de poderosas organizações empresariais. Podem, por extensão, ‘oferecer’ à concorrência informes preciosos. O art. 198 é prudente e justo, impedindo, de sobredobro, a divulgação das informações, para qualquer fim, obtidas em razão do ofício de fiscalizar. Os agentes da Fazenda pública, sejam fiscais ou procuradores, exerçam o ofício em razão de concurso ou cargo de recrutamento amplo, não podem, v.g., divulgar pela imprensa escrita, falada, televisa ou eletrônica a situação econômica do contribuinte ou do responsável. Tampouco é possível divulgar os seus débitos para com o Fisco. A proibição é total e absoluta. O seu desrespeito atrai a responsabilidade civil objetiva do Estado e, consequentemente, o dever de indenizar, aí incluído o dano moral, sem prejuízo do direito de regresso contra o funcionário desidioso, o qual, além do processo administrativo, fica sujeitado à lei penal. O § 3º, portanto, caracteriza-se como ‘constrição política’, abominada pelo STF. Quem quiser informar-se que se informe. A Administração é que não pode divulgar as informações usando a mídia.” O professor Ricardo Lobo Torres tem o mesmo entendimento: “O contribuinte tem o direito ao sigilo, por parte da Administração, com relação aos dados fornecidos sobre os seus negócios e suas atividades. Os agentes do Fisco não podem divulgar informações que obtenham durante o exercício da fiscalização de rendas.” O então ministro do STF, Aliomar Baleeiro, ainda sob a égide da Carta de 1969 (Emenda Constitucional nº 01/69), também destacou a existência de dano na divulgação de devedores, a ser objeto de indenização, bem como ressaltou que a ilicitude de tal conduta não se restringe ao âmbito administrativo, uma vez que também pode tipificar os crimes de excesso de exação e/ou de violação de sigilo funcional, previstos nos art. 316, § 1º e 325, ambos do Código Penal. Vejamos o excerto em que o autor bem defende esse raciocínio (grifos nossos): “É vedado à Pessoa de Direito Público divulgar informação obtida em razão do ofício, o mesmo aplicando-se às autoridades, estas como órgão imediato da Pessoa de Direito Público, e aos funcionários, estes como agentes técnicos e jurídicos dela. Autoridades e funcionários podem responder criminalmente pela violação desse dever(CP de 1941, art. 325), além da ação de responsabilidade civil contra a Pessoa de Direito Público, que tem ação regressiva contra seus agentes, se procederem com dolo ou culpa (...). Aliás, conforme as circunstâncias, a divulgação do segredo funcional poderá assumir aspectos do crime de excesso de exação, que o CP de 1941, art. 316, § 1º, define: ‘Se o funcionário exige imposto, taxa ou emolumento que sabe indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza – Pena detenção de 6 meses a 2 anos, ou multa de Cr$ 1,00 a Cr$ 10,00. Dec.-Lei nº 3.914, de 1941.” Como ministro da Suprema Corte, Aliomar Baleeiro foi o relator no Mandado de Segurança nº 19.562, no qual foi proferida sentença determinando que a autoridade impetrada – na época o próprio Presidente da República – se abstivesse de divulgar o nome do impetrante como devedor, uma vez que tal medida – sobre ser ofensiva ao art. 198 do CTN – importa em sanção política sem base legal, com o objetivo de verdadeira execração pública: SANÇÕES FISCAIS - PUBLICAÇÕES E OUTRAS MEDIDAS VEXATORIAS. SEGURANÇA CONCEDIDA EM PARTE. (MS 19562, Relator(a): Min. ALIOMAR BALEEIRO, TRIBUNAL PLENO, julgado em 05/11/1969, DJ 08-05-1970 PP-***** RTJ VOL-53521- PP-*****) Enfim, além de todos os autores nacionais que escreveram cursos de direito tributário e se debruçaram sobre o art. 198 do CTN, defendendo argumentos equivalentes – como são exemplos Ruy Barbosa Nogueira e Luciano Amaro - também a jurisprudência se consolidou no sentido de repudiar a divulgação de informações de devedores, ainda que o objetivo seja o de garantir a arrecadação dos valores necessários ao custeio das atividades estatais. 4. Conclusões A concordância mansa e pacífica, tanto da doutrina como da jurisprudência, quanto à existência de responsabilidade objetiva do Estado, bem como o direito (dever) de regresso contra a autoridade faltosa, demonstra que este agente, ao assim agir, o faz não só em prejuízo do contribuinte, mas também contra os interesses do próprio ente estatal, demonstrando de forma inequívoca, através deste ato ilícito, ilegitimidade e o completo despreparo no exercício da função de representação da pessoa de direito público. Além disso, a possível tipificação criminal em dois dispositivos do Código Penal bem reforça a conclusão acerca da gravidade deste ato. A referida divulgação, além de ilícita, é medida inócua e desnecessária, uma vez que, não servindo como meio válido para a exigência de tributos, não tem poder jurídico coercitivo nesse sentido. Ou seja, acaba-se por prejudicar a imagem dos contribuintes – que são justamente a classe social que deve ser protegida e estimulada, para que continue revelando capacidade contributiva, essência da fonte dos recursos que são carreados aos cofres estatais – sem a contrapartida da arrecadação. Conforme bem demonstrado acima, o uso do expediente da “lista de devedores” é ato odioso e discriminatório, ainda que o fim a ser atingido seja a eficácia da arrecadação, uma vez que a violação de vários outros valores constitucionais – como são exemplos o direito ao sigilo fiscal, a livre iniciativa e a livre concorrência – acabam por trazer sérios prejuízos no contexto da relação entre o Estado, o domínio econômico e a sociedade, ainda que a longo prazo. O ato será ainda mais grave se a justificava arrecadatória estiver ocultando um outro objetivo, oculto e dissimulado, de aplicar uma sanção de natureza política a determinados contribuintes, com vistas ao constrangimento público. Nesse caso, a gravidade do ato se intensifica pelo uso do aparato estatal para atingir objetivo pessoal, em conduta gravíssima e contrária aos mais caros fundamentos do Estado Democrático de Direito, o que autoriza a busca da devida reparação pelo ofendido e exige a rápida e rigorosa resposta do Poder Judiciário. TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica: Metódica da segurança jurídica do Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 576. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 10. ed. São Paulo: Forense, 2009, p. 827. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito tributário. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 287. BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. Atualiz. MISABEL DE ABREU MACHADO DERZI. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 1001-1002. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 243. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 485.
Posted on: Wed, 09 Oct 2013 16:10:04 +0000

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