Ainda há pouco, passei por um enorme desgosto com meu notebook. - TopicsExpress



          

Ainda há pouco, passei por um enorme desgosto com meu notebook. É moderno demais para minha habilidade e competência. Vez por outra, limpa tudo da tela, varrendo meu texto para um universo desconhecido, ao qual não tenho acesso. Nessa hora, sinto saudades de meu passado de secretária que, a princípio, lidava com aquelas máquinas de escrever, pesadas e mecânicas, barulhentas e de campainha, mas que tinham a virtude de até imprimirem, ao mesmo tempo que datilografavam, deixando nosso trabalho intacto, palpável, diferentemente desses computadores que varrem tudo para uma memória que, às vezes, até deletam contra nossa vontade. Naqueles áureos tempos, acho que nem se usava deletar, pois as máquinas mais antigas sequer apagavam as palavras do papel, de modo que exigiam do profissional um português diferenciado e sem rasuras. Bons tempos aqueles em que TPM significava apenas toques por minuto, habilidade imprescindível aos datilógrafos que deviam, no mínimo, grafar cento e oitententa caracteres por minuto, para serem considerados razoáveis ou acima de trezentos e cinquenta, para se darem ao luxo de se considerarem exímios. Vivi na pele, portanto, os dois tipos de TPM e hoje me sinto livre de ambos, uma vez que deixei no passado, tanto a minha habilidade datilográfica quanto a minha fase feminina reprodutiva, aquela que é capaz de nos conduzir aos desgastes da TPM. Sei que vocês devem estar me achando louca por me prestar a tais tipos de comparação, mas verdade é que, além de boa datilógrafa e de datilógrafa boa, a secretária do passado ainda era requisitada por sua graça de estilo, esta que felizmente os computadores ainda não nos proporcionam, posto que ainda não atingiram o universo da alma. Fato curioso é que vivi todas as etapas exigidas para se chegar ao ápice da carreira: ao de secretária executiva trilingue que, há poucos meses, perdeu até o trema, por força da nova ortografia. Mas sem querer muito me alongar, vou direto ao ponto que talvez lhes interesse, por estar intimamente ligado às nossas polêmicas atuais. Assim, secretariei certa vez os executivos da multinacional francesa Alstom e os vi chegar sem sequer serem molestados pelos jornalistas que, sobretudo numa cidade como Belo Horionte, viviam quase que somente das colunas sociais. Lembro-me tão bem de nossos principais colunistas, os já falecidos Wilson Frade e Eduardo Curi, que se limitavam ao estilo do Ibrahim Sued do Rio de Janeiro, já que Belo Horizonte ainda era provinciana e com fortes tendências a ser um distrito carioca. O orgulho de ser mineiro é algo muito recente e talvez cultivado apenas por aqueles que já atingiram um patamar mais elevado. Pois bem, os franceses a quem chamávamos de chefes, eram muito exigentes e não tinham ninguém que os vigiasse, de modo que, naquele propósito de automatizar a Açominas de Ouro Branco, chegaram aqui em grande quantidade e montaram seu escritório na Savassi, onde trabalhei com o objetivo de fazer a ponte entre o canteiro de obras de Ouro Branco e a matriz francesa Alsthom. Foi ali que vi chegar a máquina de escrever da IBM, a Línea 82C, um avanço a nos contemplar com sua tecla corretiva, o que nos possibilitava apagar uma letra ou palavra do texto, sem precisar redatilografar toda uma página. Mais tarde, vieram as máquinas de margaridas, como eram chamados seus discos que, ao serem trocados manualmente, mudavam a aparência dos caracteres, fazendo as letras mais simples ou mais rebuscadas, a nosso bel prazer, visando à aparência ou arte final dos trabalhos. Aqueles franceses nos ensinaram muito e o mais importante é que tínhamos a humildade de aprender com eles. Sequer questionávamos se estavam tomando a vaga dos brasileiros e jamais os víamos em operação conjunta do governo, num programa do tipo MAIS FRANCESES. Até levei muito susto ao vê-los outro dia na mídia nacional, em conluio com outras empresas, para atuarem no metrô de São Paulo. Confesso que já os tinha visto assim, confabulando ou macomunando uns com os outros, para ganharem suas licitações. Tudo não passava de um acordo de cavalheiros, onde cada empresa escolhia de antemão a parte que melhor a convinha, até por maior domínio da tecnologia, sem riscos de perder a licitação. De modo que a Alstom, agora grafada sem H, era sempre "eleita" para fazer a parte elétrica, a automação propriamente dita, ela que já havia feito, nos meus anos dourados de secretária executiva trilingue sênior, os carrinhos automatizados do trem laminador de barras, aquele autorama fantástico que deslizava sobre os trilhos da usina da Açominas, em Ouro Branco. Fico então pensando que, neste mundo, já vi de tudo: a chegada dos engenheiros franceses que, naqueles tempos, eram engenheiros, mas não eram médicos e das licitações que eram decididas num verdadeiro acordo de cavalheiros. Acho que o governo ditatorial daquela época nem gostava de dinheiro, gostava mesmo era de bravata, de cercear os intelectuais, deixando em paz os tecnocratas. Os jornais preferiam vender os metros de cauda das noivas socialites aos metros de trilhos das usinas. Bandidos eram mortos por verdadeiros esquadrões numa atitude néo nazista, onde somente o governo fazia parte do crime organizado. Os políticos eram o próprio governo que nem roubava, gostava mesmo era de posar de malfeitor, principalmente daqueles que, como os artistas, protagonizavam a riqueza de nossa arte criadora. O governo, além de não roubar nada, também detestava quem roubasse e até perseguia os ladrões. E diante de tantas coisas que já vivi e que venho vivendo agora, aqui no sossego de minha chácara e de minha merecida aposentadoria, fico então me perguntando: será que aqueles eram mesmo os bons tempos?
Posted on: Sun, 15 Sep 2013 17:39:54 +0000

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