COMENTÁRIO À QUESTÃO MAIS DIFÍCIL DA PROVA DA OAB. prof. - TopicsExpress



          

COMENTÁRIO À QUESTÃO MAIS DIFÍCIL DA PROVA DA OAB. prof. Mário Godoy Aos meus queridos “alunos-heróis” que acabaram de enfrentar o Exame da OAB: é com muito pesar que comunico a todos que NÃO ENCONTREI QUALQUER POSSIBILIDADE DE RECURSO CONTRA A PROVA DE DIREITO CIVIL. Muito embora o nível da prova tenha superado em complexidade todos os Exames de Ordem anteriores, e eu diria que até mesmo certas provas de concursos mais avançados, não vislumbrei, infelizmente, nenhuma questão que pudesse ser objeto de recurso. Entretanto, aproveito a ocasião para tecer alguns comentários sobre a questão que considero a mais polêmica de toda a prova de Direito Civil, e que vem ensejando inúmeras discussões entre os professores. Leiam-na comigo: “Questão 42. Diante de chuva forte e inesperada, Márcio constatou a inundação parcial da residência de sua vizinha Bianca, fato este que o levou a contratar serviços de chaveiro, bombeamento d’água e vigilância, de modo a evitar maiores prejuízos materiais até a chegada de Bianca. Utilizando-se do quadro fático fornecido pelo enunciado, assinale a afirmativa correta. A) A falta de autorização expressa de Bianca a Márcio para a prática dos atos de preservação dos bens autoriza aquela a exigir reparação civil deste. Bianca não estará obrigada a adimplir os serviços contratados por Márcio, cabendo a este a quitação dos contratados. C) Se Márcio se fizer substituir por terceiro até a chegada de Bianca, promoverá a cessação de sua responsabilidade transferindo-a ao terceiro substituto. D) Os atos de solidariedade e espontaneidade de Márcio na proteção dos bens de Bianca são capazes de gerar a responsabilidade desta em reembolsar as despesas necessárias efetivadas, acrescidas de juros legais”. A questão 42 trata de uma situação fática em que um sujeito, Márcio, ao se aperceber da inundação que tem lugar na casa da vizinha, Bianca, toma a iniciativa de contratar serviços de chaveiro, bombeamento e vigilância, a fim de salvaguardar a integridade do patrimônio da última. É importante ressaltar que, EM NENHUM MOMENTO, BIANCA, A VERDADEIRA TITULAR DO INTERESSE PROTEGIDO, HAVIA AUTORIZADO MÁRCIO A ADOTAR AS PROVIDÊNCIAS REFERIDAS. Diante do quadro exposto, cabe-nos indagar: teria Bianca de adimplir os serviços contratados por Márcio? Poderia Márcio ajuizar contra ela uma ação indenizatória para reaver as despesas que realizou? A falta de autorização de Bianca interfere no desfecho da lide? À primeira vista, talvez o aluno seja levado a concluir que apenas Márcio, que de fato veio a contratar os serviços de chaveiro, bombeamento e vigilância, é que teria a obrigação arcar com os respectivos custos. Afinal, de acordo com o princípio da relatividade, o contrato faz lei apenas entre as partes e, como tal, não vincula nem prejudica terceiros (res inter alios acta, aliis nocere non potest). A tomar como base o princípio em referência, deveria o candidato, então, concluir que Bianca, por não ter sido parte contratante, não teria nenhuma obrigação de ressarcir a despesas efetuadas por Márcio. Mas a solução da questão não é tão simples como parece. Na verdade, BIANCA TERÁ, SIM, DE REEMBOLSAR AS DESPESAS EFETUADAS POR MÁRCIO. Assim entendemos porque, ao assumir o controle da situação, Márcio agiu dentro do interesse presumível de Bianca. Ao proceder desse modo, ele atuou nos termos de uma GESTÃO DE NEGÓCIOS. Por gestão de negócios, entende SILVIO VENOSA, “a intervenção em negócio alheio, sem autorização do titular, no interesse e de acordo com a vontade presumida deste” (Direito Civil, vol. III, São Paulo, Atlas, 2005, pp. 453). O exemplo dado pelo autor aproxima-se bastante da questão em análise: “O vizinho passa a zelar e manter a casa de quem se ausentou, sem deixar notícia; paga-lhe as contas; conserva o jardim; alimenta o animal de estimação; exerce vigilância”. Outro não é o ponto de vista de PABLO STOLZE e RODOLFO PAMPLONA: “Entende-se por gestão de negócios a atuação de um indivíduo, sem autorização do interessado, na administração de negócio alheio, segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono” (Novo Curso de Direito Civil, vol. II, São Paulo, Saraiva, 2007, pp. 338). Pelo exposto, é fácil perceber que A GESTÃO DE NEGÓCIOS NÃO TEM NATUREZA DE CONTRATO. Tanto é verdade que o nosso legislador civil arrolou o instituto no Título referente aos ATOS UNILATERAIS (arts. 861 a 875). TRATA-SE, POR ASSIM DIZER, DE UM ATO JURÍDICO PAUTADO NA VONTADE DE UMA ÚNICA PARTE – NO CASO, O GESTOR –, QUE ATUA NO INTERESSE PRESUMÍVEL DE PESSOA ESTRANHA À RELAÇÃO, QUE É O DONO DO NEGÓCIO. Oportuno frisar que a gestão de negócios é uma instituição herdada do Código Civil alemão, o bürgerliches Gesetzbuch, em cujo Título 13 aparece sob a seguinte rubrica: Geschäftsführung ohne Auftrag. Vale a pena transcrever o excerto do § 677 da codificação germânica: Wer ein Geschäft für einen anderen besorgt, ohne von ihm beauftragt oder ihm gegenüber sonst dazu berechtigt zu sein, hat das Geschäft so zu führen, wie das Interesse des Geschäftsherrn mit Rücksicht auf dessen wirklichen oder mutmaßlichen Willen es erfordert (tradução livre: Quem cuidar de um negócio por um outro, sem estar por ele autorizado, ou de outro modo por ele legitimado, deve conduzir o negócio de tal modo, como o interesse do dono do negócio, em atenção à sua vontade real ou presumida, o exige). Observe-se, ademais, que de acordo com o art. 869 do nosso Código Civil, “Se o negócio for utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome, reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis que houver feito, com os juros legais, desde o desembolso, respondendo ainda pelos prejuízos que este houver sofrido por causa da gestão”. Nossa lei, portanto, deixa claro que o dono do negócio terá a obrigação de indenizar o gestor das despesas necessárias ou úteis que tiver feito, acrescidas dos juros legais, além de responder pelos prejuízos que este veio a sofrer em decorrência da gestão. Logo, forçoso concluir que os atos de solidariedade e espontaneidade de Márcio na proteção dos bens de Bianca são realmente capazes de gerar a responsabilidade desta em reembolsar as despesas necessárias efetivadas, acrescidas dos juros legais. Devemos, então, considerar correta a assertiva D, em perfeita sintonia com o gabarito preliminar proferido pela FGV. Mario Godoy
Posted on: Tue, 20 Aug 2013 20:25:42 +0000

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