Desvio de olhar… num encontro mais profundo com o outro Querida - TopicsExpress



          

Desvio de olhar… num encontro mais profundo com o outro Querida EME, É com profunda gratidão que te escrevo nesta noite, após um desvio de olhar, onde quase recusei ver-te, pela dificuldade agoniante que me provocavas, reconhecendo quanto foste afinal presença em mim. Nem sempre é fácil… Mas de dificuldade percebes tu. Tens engramada na pele, dor e rasgo interno, vivido quando, bonita adolescente, te forçaram, desrespeitaram e violaram. Sem quererem saber de ti, do que sentias, desejavas, sonhavas… privaram-te de seres livre… colocaram no teu ventre violado uma criança… uma criança a sofrer… a dar colo a outra que iria nascer. Pedir-te perdão... não serve! A tua viva adolescência não regressa assim… De dificuldade percebes tu... marcada pela comunidade, os teus pares… o juízo moral da adolescente libertina… Que dureza para os teus pais… que sentem diferente… e também igual! A mãe, pela projecção dela própria… por ti… O pai, pela vergonha… por ti. … De certo, cada um, a sofrer por amor. A ti querida EME. O teu trio original reunido na raiva, na vergonha, na denúncia… no amor! Dificuldade sentes tu… crente no amor, na família, sonhaste um lar… e foste agredida… mal tratada… batida… E os teus filhos… como te doía cada grito que ouviam aterrorizados. Dizer-te que não o devia ter feito… não serve! Por muita compreensão para um parceiro frustrado, em dificuldade, sem amor-próprio ou capacidade para amar… não serve. Nada do que te fazem e te impede de ser livre, respeitada, íntegra… serve! Mas que faço?! Culpabilizo-me e fecho-me na culpa que me protege, imobiliza e aconchega o ego – reconheço a minha culpa, que mais posso fazer?! Querida EME esta carta traz o percurso do encontro onde te conheci... determinada, audaz, lutadora! Um percurso onde foste assediada e mal tratada por homens que pareciam sentirem-se donos daquele mundo do trabalho, das mulheres, do ganha-pão… meu Deus! Como me senti triste… Que pobreza! Que nojice! Que injustiça! Grito alto mudamente… E penso… espaço… tempo… Sabes, o espaço do nosso encontro é o mesmo da casa da vizinha. O conforto, falso mas que me ajudava a dormir, de que tudo isso acontecia numa terra distante apagou-se. A tua terra é aqui… Peço-te perdão! Sei que não vai mudar a tua dor. Nem a minha! Mas ainda assim quero fazê-lo. Da última vez que ouvi os gritos, fugi. Apanhei um táxi e fui para longe. Onde já nada pudesse ouvir… Medo, ódio, raiva… sentimentos tão violentos em mim que só consegui fugir. No dia seguinte cruzei-me com ela… uma perna engessada, óculos escuros, sorriso no rosto, a explicar a sua queda… Booolas! Terra gélida esta onde moro! E que dificuldade sinto em torná-la mais quente… Penso no tempo... Descubro que o tempo deste encontro que eu fantasiava de há séculos não é esse tempo afinal. É que a minha outra vizinha chora em silêncio quando se sente objecto de prazer do parceiro porque é sua obrigação… – “Se não o fizer ele fica irritado, grita, bebe. É melhor assim.” – Diz-me quase sem vida... Hoje! E não falem de classes ou estudos... São ambos licenciados! Jovens! Hoje! Nesta terra gélida espalhada por todo o lado… Perdoa-me querida EME! Já não consigo fazer de conta que não vejo, que não sei, que não sinto. Nem que é longe ou distante no tempo… Outra vizinha… gosta de ser técnica de obra. Que desafio: chefiar equipas masculinas na construção civil… Teve que dar provas! Mais do que as que são exigidas a um homem… Deu-as todas! É profissional e reconhecida pelos resultados. Foi contratada. Várias obras... uma após outra… No início, subtilmente, perguntaram-lhe se tencionava ter filhos (discriminação?! não, a Lei proíbe…). – “Não!...” – respondeu ainda surpresa – “Por enquanto não… talvez mais tarde...” Não foi um exame ginecológico… mas os exames psicológicos não são menos dolorosos! E eis que passados alguns anos ela quis ter um filho. Infelizmente aconteceu um aborto espontâneo. Forçada a repouso, a declaração chegou ao trabalho… É de Lei o direito a um mês de licença em caso de aborto. Direito amargo afinal… que traz a informação de não renovação de contrato após aquela obra. HOJE! AQUI! Mas não vamos a tribunal! Nem nos atrevemos a denunciar! Até nos desviamos… Aqui, temos medo… Não há pares... Desculpamos e até justificamos as razões empresariais. Até compreendemos que líderes prefiram homens. Nesta “[in]cultura”, o absentismo fica resolvido. Não há dores menstruais, nem enxaquecas, gravidezes, abortos, nem acompanhamento de crianças, nem isto e aquilo… coisas de mulheres, mães, marias... Já estou a ficar sem forças… Eu não entendia a profundidade do tema da Igualdade mas penso hoje, depois deste encontro, que disseminar a reflexão e o contacto com o tema pode ter um papel impulsionador na história… na mudança de uma herança que carregamos. É por tudo isto, querida EME, que preciso aprender! E partilhar informação! E ser co-agente de uma sociedade que é nossa. Nossa! Minha, tua… e deles também! Uma sociedade que pode ser de valores se assim a construirmos. Construirmos o respeito, a tolerância, a solidariedade, o diálogo, a gratidão, o afecto, o amor! Uma sociedade onde há espaço e tempo para um Estado Providência que, no seu percurso, chegará a um estádio onde já não será necessário legislar a Igualdade… A diferença será um direito! A oportunidade de escolhas também… e eu quero ser audaz! Viver! E volto ao Espaço… e ao Tempo… e sinto o nosso Coração a pulsar! Querida EME falar-te trouxe-me sentimentos de gratidão e serenidade. Agradeço-te profundamente este percurso. Este tempo e espaço que me toca e me transforma. Irei fraquejar muitas vezes. Fugir outras. Mas não farei mais de conta que não existes… Quero ser feliz, contigo! E isso basta-me para adormecer tranquila. Porque ser EME é um dom! É ser Mulher, Maria, Milagre, Maternal! É ser M de Mim que sou presença em Ti, neste olhar cúmplice que nunca esteve desviado. Pelo contrário, esteve sempre bem presente e atento. Às vezes presente em afecto…Outras em colo… Outras escuta... Tantas vezes presente na acção! Com amor, Com amor, MM
Posted on: Sat, 14 Sep 2013 18:35:25 +0000

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