História e Cultura Afro-Brasileira: Parâmetros e Desafios - TopicsExpress



          

História e Cultura Afro-Brasileira: Parâmetros e Desafios “Ao longe, soldados e cantores, alunos e professores acompanhados de clarim, cantavam assim: já raiou a liberdade, a liberdade já raiou, essa brisa que a juventude afaga, essa chama, que o ódio não apaga pelo universo, é a Revolução, com sua legítima razão” Heróis da Liberdade – Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola-Império Serrano. 1971 Ainda estamos na fase de comemorar a sansão da lei 10.639 – que obriga o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no Ensino Fundamental e Médio – pelo Presidente da República e de pensarmos e agirmos entusiástica e colaborativamente para sua imple-mentação. Afinal, está transcorrendo o ano em que o sistema educacional sofreu esse impacto. Temos, porém, o direito e o dever de estarmos atentos. Nosso país é pródigo em leis que não pegam. Ainda mais, com “temática tão problemática” – pelo menos para os que não viam problemas (muitos não viam mesmo!!!) com os nossos currículos, livros e procedi-mentos didáticos racializados e euronorteamericanocentrados. Penso que é hora de produzirmos algo que poderíamos designar de Parâmetros da Histó-ria e Cultura Afro-Brasileira – uma composição de conteúdos à volta de 33% de História da África-33% sobre o Pensamento dos mais influentes intelectuais brasileiros (veríamos aí a gênese do nosso racismo contemporâneo)-34% Questão Racial e Educação; isso como proposta inicial para a organização de Cursos. Existe massa crítica suficiente: são essenciais as experiências geradas pela intervenção qualificada de organizações do Movimento Negro; há o esforço de pesquisa acadêmica dos NEABs em diversas universidades; há a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, que tem apresentado projetos consistentes para formação de pesquisadores na temática; há conselheiros engajados e mais do que capacitados no Conselho Nacional de Educa-ção... Bastaria a articulação desses setores e outros interessados, orquestrada pelo MEC e pelo CNE. É necessário ter clareza que essa lei tem uma história que se confunde com a história da emergência do Movimento Negro nos últimos 30 anos. Os desafios para sua implementa-ção são da mesma ordem dos que se antepõem ao avanço da luta contra o racismo. 1 – Desafio Político Interesse e Vontade política das autoridades dos Sistemas Educacionais “É a revolução, com sua legítima razão” É fundamental saber o que está sendo encaminhado nesse momento pelo MEC e pelo Conselho Nacional de Educação. Se o Programa Diversidade na Universidade alcançasse sua plenitude, poderia ser a porta aberta do MEC para esta questão. Haveria outras ini-ciativas internas, no MEC, nas Secretarias de Ensino Fundamental e do Ensino Médio? Da parte do CNE houve a veiculação de um questionário – sob responsabilidade de qua-tro conselheiros – colhendo impressões e sugestões. O agradecimento cordial pela (traba-lhosa!) resposta enviada, e não se tem mais notícias. E o que estarão pensando e/ou fazendo os Conselhos Estaduais de Educação, as Secre-tarias Estaduais e Municipais, a respeito? Do fundo dos silêncios oficiais chegam noticias de propostas inovadoras e umas poucas iniciativas concretas, geralmente arrancadas a duras penas por educadores engajados e persistentes. As agências federais e estaduais de fomento a pesquisas, por sua vez, parece que ainda não tomaram conhecimento de que a lei institui novas demandas para produção de co-nhecimentos sobre africanidades, “lutas do negro no Brasil” (como consta na lei), Consci-ência Negra.... Não interessa mais “chorar o leite derramado” – o descaso a que foram re-legados esses temas – contanto que se passe, com urgência, a trilhar os caminhos polí-ticos e institucionais adequados. É crucial a composição de uma política emergencial de financiamento nas Pós-Graduações em humanas, além de Cursos de Extensão Universi-tária e Pós-Graduação Lato Sensu para Educadores, seguindo o que determina a Lei, e investimento consistente, qualificando pessoal para atender às necessidades – são muitos milhares de educadores ansiosos para aprenderem a trabalhar com aquelas temáticas e angustiados pela ignorância e pelas distorções racialistas, preconceituosas, que (muitas vezes involuntariamente) continuam reproduzindo. De quanto tempo e pressão precisarão as autonomias universitárias para interagirem e se adequarem a essas demandas? Felizmente não precisamos partir do zero. É um imperativo ético interagir com experiên-cias e iniciativas que já existem, da parte de alguns e algumas educadoras, em Escolas, em setores de Secretarias de Educação, em organizações do Movimento Negro. 2 – Desafio Acadêmico O salto além do etno/euro/norteamericanocentrismo “Já raiou a liberdade, essa brisa que a juventude afaga, essa chama, que o ódio não apaga pelo universo” Quanta dificuldade têm demonstrado as hostes acadêmicas em assumir uma ética na produção de conhecimentos que reflita um novo compromisso com a teoria, como um es-paço muito mais amplo de trocas, de encontro, de entendimento, não apenas através da racionalidade, embora balizados por ela. Realmente é difícil por na berlinda o próprio prestígio e poder. Assumir que nenhum discurso pode abranger a totalidade; que todo enunciado é sempre um lócus de significação, que o universalismo precisa ser eterna-mente buscado e a diversidade é (mesmo!) qualidade intrínseca do enriquecimento hu-mano. À produção acadêmica cabe cumprir/exercitar sua vocação de estar em sintonia com a construção da univers(al)idade. Não fosse tão arraigada aquela dificuldade, não precisaríamos de lei para transversalizar a formação escolar de nossas crianças e adolescentes com referenciais históricos, simbó-licos, estéticos mais diversificados e coerentes com sua vivência. A História e Cultura A-fro-Brasileira quando não invisibilizada tem sido folclorizada e estereotipada nos conteú-dos didáticos. As cumplicidades são enrustidas, porém fáceis de adivinhar – quantas pós-graduações em Educação e nas humanas em geral a incorporam como linhas de pesqui-sa? No país com a segunda maior população negra do mundo (apenas a Nigéria possui maior população negra) só há em todo o Brasil um Curso de Especialização Lato Sensu em História da África, no CEAA-UCAM-RJ; fora a iniciativa (muitas vezes a ferro e fogo) de alguns professores, não há seriedade e consistência no tratamento dessa temática em nenhuma das grandes universidades públicas e muito menos das privadas. Quem duvi-dar da sentença de Mariza Correa para quem “antes de ser pensada em termos de cultura, ou em termos econômicos, a nação foi pensada em termos de raça” (Corrêa, 1998: 53), basta ir aos clássicos da nossa intelectualidade para se constatar que o pensamento social, no Brasil, é racial. Ou seja, parafraseando Eliane Cavalleiro[1]: “do silêncio da aca-demia ao silêncio escolar”. De quanto tempo e dedicação precisaremos para fazer chegar a História e Cultura Afro-Brasileira – incorporando novas discussões teóricas e metodológicas, através de discipli-nas obrigatórias – às licenciaturas e Institutos Superiores de Educação? 3 – Desafio da práxis Interesse, Vontade e Sensibilidade dos educadores “Ao longe, soldados e cantores, alunos e professores acompanhados de clarim”. Em geral, nem em nossos processos de socialização, nem em nossas formações acadêmi-cas e profissionais, tivemos oportunidade de construir uma compreensão da questão ra-cial que fosse além do senso comum embalado no mito da democracia racial. Trata-se, então, de nos capacitarmos para enfrentá-la em nossas próprias mentes e no cotidiano escolar: • É preciso demandar os Cursos de História e Cultura Afro-Brasileira junto às ins-tâncias responsáveis do sistema educacional em que nos encontramos; • É preciso estar abertos às discussões que, muitas vezes, violentarão “verdades” que insistem em enganar os nossos desejos de um mundo de igualdade, sem raça, sem discriminações, que ainda não existe: é preciso construir. É como o tratamento de certas feridas: é preciso limpá-la, mesmo com toda dor, para que de fato venha a cura; • É preciso traduzir aquelas “revelações” em novos conteúdos, rearticular propostas curriculares e envolver as comunidades escolares (professores, funcionários de a-poio, responsáveis pelos alunos, alunos), comprometendo a todos com a construção de novos saberes e procedimentos pedagógicos questionadores do preconceito e da discriminação racial. Como conseqüência estaremos produzindo a descolonização de nossas mentalidades e alcançaremos um nível muito mais elevado de consciência social e histórica. Sobretudo conteúdos como os que teremos oportunidade de estudar e discutir, relativos à História da África e à participação do negro na formação da nacionalidade brasileira permitirão a desnaturalização do racialismo (concepção de que raça é uma coisa importante[2]) e das desigualdades raciais – elementos marcantes em nossa formação social e histórica. É necessário então fazer justiça ao Movimento Negro e aos pouc@s mas resolut@s que (mesmo não sendo negros) assumem uma Consciência Negra e vêm há tempos segurando essa bandeira. Como em geral acontece com os Movimentos Sociais (apesar de erros e debilidades), ele tem cumprido um papel pedagógico por excelência, aprendendo e ensi-nando novas lições, para quem participa, para quem observa, para quem se abre para os mais criativos significados da Democracia e da vida social.
Posted on: Fri, 25 Oct 2013 01:57:11 +0000

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